Etnia que já esteve muito próxima da extinção sofre com invasões de seus territórios e fica espremida nas imediações da aldeia; De Olho nos Ruralistas foi à região e constatou várias ameaças aos indígenas, entre elas as estradas clandestinas
Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas
O risco de extinção está nas palavras de Eric Karipuna ao falar de seu povo. Não é um exagero retórico. Desde o início do contato formal, feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai) nos anos 70, o povo sofreu um verdadeiro massacre, causado principalmente por gripes e pneumonias. Segundo os relatos dos indígenas, de mais de 200 pessoas, o grupo se viu reduzido a oito nos anos 90. De lá para cá, vivem um lento processo de recuperação e atualmente são cerca de 60, metade deles dentro da aldeia.
O temor de um genocídio é agravado pela omissão do governo Bolsonaro com as constantes invasões ao território Karipuna. Nos últimos anos, os indígenas estão empenhados em denunciar as violações ao seu direito à terra tanto a órgãos brasileiros, como o Ministério Público Federal, como em organismos internacionais. Mas a pressão não tem sido suficiente para fazer com que o governo defenda o território deles.
“Os invasores se sentiram mais empoderados para invadir e destruir tudo porque colocaram um aliado deles no governo”, afirma, ao se referir ao presidente Jair Bolsonaro. O território Karipuna é o oitavo mais desmatado nos últimos três anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Neste mês, o Ministério Público Federal conseguiu uma vitória na Justiça para obrigar os órgãos públicos a se empenharem na proteção do território. Pela decisão, os réus (União, Funai, Ibama e Estado de Rondônia) “estão obrigados a implantar plano continuado de ações de proteção territorial da Terra Indígena Karipuna, nos termos que constam nas decisões já proferidas”.
“A sentença determina, ainda, que os réus apresentem em 30 dias plano de ação continuada de proteção territorial da Terra Indígena Karipuna prevendo a ação compartilhada das Forças Armadas, Polícia Militar Ambiental, Polícia Militar, bem como fiscais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e agentes do Ibama e da Funai, em número não inferior a 15 pessoas, com periodicidade mínima de 10 dias por mês”. A ação teve início em 2018, ainda no governo Temer.
Os líderes Karipuna estão fazendo um apelo à comunidade internacional para que seus direitos sejam garantidos: “Povo Karipuna pede socorro a embaixadas europeias em Brasília“.
ESTRADAS CLANDESTINAS SE MULTIPLICAM NA REGIÃO
A violência dos invasores tem feito os indígenas circularem em seu território somente nas imediações da aldeia, às margens do Rio Jacy Paraná. Pouco para um território demarcado de 153 mil hectares. A sensação de confinamento à região da aldeia prejudica atividades como a caça e a coleta, o que afeta a alimentação dos moradores. A situação que já não era boa na década passada se agravou com o atual governo. Invasões à área da aldeia foram registradas nos últimos anos:
Em 2018, ainda no governo Michel Temer (MDB), um prédio construído para a fiscalização da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi destruído pelos criminosos. A obra havia sido uma contrapartida pela construção da Usina Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho. O posto jamais teve sua função recuperada.
Se, no começo, as invasões tinham como objetivo o roubo de madeira, cada vez mais surgem criminosos que invadem com o objetivo de fazer loteamentos ilegais. Durante dois dias, em agosto, o De Olho percorreu as fronteiras do território indígena entre Nova Mamoré e Porto Velho e encontrou diversas estradas clandestinas. O barulho das máquinas em algumas delas era constante e chamava a atenção mesmo dentro da mata, misturado a outros sons.
“Os invasores constroem um ramal central e depois vão abrindo pequenas estradas até ele”, diz Eric. O método é conhecido como espinha de peixe. Algumas das estradas construídas pelos criminosos estão em melhores condições do que a estrada pública, única ligação por terra da aldeia com as áreas urbanas próximas.
Em fiscalizações anteriores, a Polícia Federal chegou a encontrar uma casa, que pertenceria aos invasores. Nela, anotações mostravam a divisão de lotes de invasão, possivelmente vendidos por grileiros. Depois de retirarem árvores mais valiosas, os criminosos derrubam a vegetação e completam a destruição com fogo.
Quando esteve no local, a equipe do observatório viu a vegetação derrubada e Eric afirmou que a etapa seguinte seria os criminosos atearem fogo na floresta. A confirmação veio menos de duas semanas depois, quando os indígenas denunciarem as queimadas recentes dentro do território. A destruição foi flagrada em um voo do Greenpeace.
PECUARISTAS CRIAM GADO DENTRO DO TERRITÓRIO INDÍGENA
Parte dos problemas que os Karipuna estão enfrentando se deve à intervenção direta da Funai. A autarquia, em meados da primeira década deste século, deslocou uma família da etnia Oro At para dentro do território deles. O motivo foi uma desavença na aldeia de origem. No território para onde foram deslocados, eles também têm causado problemas para o povo local, inclusive com insultos e ameaças.
A área ocupada por eles tem grande devastação e é utilizada para a criação de gado. Segundo os Karipuna e missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há indícios de que o desmatamento é feito em parceria com fazendeiros da região, donos de propriedades que fazem divisa com o território indígena.
Os integrantes da outra etnia afirmaram, antes mesmo de serem perguntados, que fizeram o desmatamento sem a ajuda de ninguém de fora da comunidade. Eles afirmam que criam gado por conta da falta de apoio da Funai e vendem diariamente cerca de 28 litros de leite para os fazendeiros vizinhos.
RESERVAS QUE PROTEGIAM A TI FORAM REDUZIDAS PELO GOVERNO ESTADUAL
Não é o único problema gerado pelo poder público que deixa os Karipuna mais vulneráveis. No ano passado, os deputados estaduais de Rondônia aprovaram um projeto de iniciativa do governo Marcos Rocha (PL) que reduziu a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim. Os dois funcionavam como escudos de proteção do território indígena. Na década passada, a abertura da estrada BR-421 já havia deixado a situação dos indígenas mais complicada. A rodovia é apontada como uma rota usada pelo crime organizado.
A atuação contra os indígenas é uma marca desde a demarcação do território. Como lembra a missionária Laura Vicuña, do Cimi, um acordo feito nos anos 90 retirou cerca de 40 mil hectares do tamanho original da terra indígena sob o argumento de usar essas terras para a desintrusão no território Uru Eu Wau Wau. “O que vimos foi que o conflito continuou naquele território até hoje e a área retirada dos Karipuna se tornou uma série de latifúndios”, afirma.
Foto principal (Natanael Silva/De Olho nos Ruralistas): Eric Karipuna vê a destruição de seu território