O mundo vai reagir se houver manipulação da eleição, diz ex-ministra alemã. Por Jamil Chade

Herta Däubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça da Alemanha e deputada entre 1972 e 2009, faz parte de uma equipe de monitores internacionais

No UOL

A comunidade internacional irá reagir se “um evento impensável” ocorrer no Brasil por conta da eleição deste domingo para presidente. O alerta é de Herta Däubler-Gmelin, que foi ministra da Justiça da Alemanha entre 1998 e 2002 e deputada entre 1972 e 2009, um dos mandatos mais longos da história democrática do país. Hoje, ela é professora de ciência política da Universidade Livre de Berlim.

A alemã faz parte de uma equipe de observadores que vai atuar durante as eleições no Brasil. O grupo, que atua de forma independente, é formado por especialistas em direitos humanos e conta com acadêmicos também dos EUA, Argentina e outros países latinoamericanos.

Para ela, o resultado na eleição brasileira será importante para “estabilizar” a democracia no mundo e afirma que confia nas urnas e no sistema eleitoral do país. Seu alerta, de fato, vem no momento em que a comunidade internacional proliferou apelos para que a democracia seja respeitada no Brasil, num sinal claro de que qualquer ruptura democrática significará um isolamento do país no cenário mundial.

Em apenas uma semana, cinco comunicados ou medidas foram adotadas por entidades e governos estrangeiros, todas com o mesmo tom: uma ruptura democrática no Brasil não será aceita e líderes devem apelar pela paz no país. Isso sem contar as dezenas de declarações realizadas por grupos estrangeiros de ativistas e da sociedade civil.

A pressão internacional é inédita no período democrático brasileiro e, para diplomatas do país, tais atos refletem a desconfiança que existe hoje sobre o Brasil no mundo. A esperança é de que a pressão crie um constrangimento contra qualquer tentativa de desrespeitar o resultado das urnas.

Na semana passada, pela primeira vez, oito relatores da ONU se uniram para fazer um chamado às autoridades brasileiras para que respeitem a democracia. Alguns dias depois, foi o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos que afirmou estar preocupado com a violência política e apontou que os ataques contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral eram “ameaças à democracia”.

Na quarta-feira, o Senado dos EUA aprovou uma moção pedindo o respeito pela democracia no Brasil e alertando sobre a suspensão de todos os acordos militares caso a eleição não fosse respeitada. Enquanto isso, 50 deputados europeus enviaram uma carta para a Comissão Europeia cobrando do bloco que se posicione contra qualquer tentativa de golpe no país, inclusive com a adoção de sanções comerciais.

Na quinta-feira, foi a vez da Comissão Interamericana de Direitos Humanos fazer seu apelo, convocando o Brasil “a realizar eleições pacíficas, com o maior respeito à democracia representativa e aos direitos humanos”.

Eis os principais trechos da entrevista:

Chade – Por qual motivo a eleição no Brasil importa ao mundo?

Herta Däubler-Gmelin – As eleições no Brasil são muito importantes para os países no mundo que estão tentando estabilizar a democracia e o estado de direito, assim como para os direitos humanos em todo o mundo. Sabemos bem que, nos últimos anos, o regime de Bolsonaro não foi um modelo de tais aspectos. E, por isso, a eleição é tão importante. Ela pode promover uma mudança. Se Bolsonaro não for eleito, o processo pode fazer a diferença.

O que está em jogo, então? É só a escolha de um novo presidente?

Não, não é só a escolha de um presidente. É a questão da democracia e o apoio à população mais carente. É uma questão de manter uma sociedade coesa e é uma questão de direitos humanos.

Temos visto, em outros lugares do mundo, líderes como Bolsonaro vencendo eleições. A democracia está em crise? Por qual motivo o sistema permite a eleição de líderes que, uma vez no poder, atuam para desmantelar a democracia?

A situação no mundo está muito complicada e está ficando ainda mais complicada. São vários os motivos que precisamos considerar. O primeiro deles é a crise climática. Não apenas precisamos curar a terra, mas o problema é que não tempos muito tempo sobrando. Portanto, a questão da pressão sobre governos é importante.

Em segundo lugar, a questão não é apenas a da destruição do meio ambiente. Mas a fratura entre aqueles poucos ricos que são muito poderosos, e muitos que são muito pobres.

Para completar, temos a questão do direito internacional e dos direitos humanos em outras partes do mundo. O problema não é apenas Bolsonaro. Na Rússia, temos Vladimir Putin e, em outras partes do mundo, a situação é também grave.

Ou seja, temos muitas razões para essa crise global e as pessoas estão ficando inseguras e angustiadas. E, por isso, alguns deles perdem a confiança na democracia.

Podemos ver isso em alguns países, onde líderes não demonstram qualquer credibilidade.

Por isso, a eleição no Brasil pode representar uma mudança, não apenas para o Brasil, mas para o mundo.

Qual será a reação internacional se Bolsonaro não reconhecer os resultados da eleição?

Muitos observadores internacionais estarão no Brasil. Nossa torcida é para que as instituições nacionais sejam inteligente e consistente o suficiente para evitar todos os esforços de manipulação da eleição ou para retirar os resultados da eleição. Que possam evitar a falsificação dos resultados.

Mas o segundo nível é a reação da comunidade internacional. Estou convencida de que ela vai reagir de maneira adequada se houver manipulação, violência ou eventos impensáveis.

O sistema eleitoral brasileiro é sólido?

As informações que temos apontam que os procedimentos técnicos são confiáveis. Mas os níveis de violência de algumas pessoas estão aumentando e isso é um acontecimento problemático, Isso faz as pessoas ficarem com medo de ir votar. Por isso é importante que todos aqueles que são favoráveis à democracia e estado de direito façam um apelo para que a violência seja parada e que manipulação seja freada.

Por qual motivo uma equipe de observadores é importante?

Missões internacionais não querem e não podem mudar os procedimentos de uma eleição ou resultado. Mas eles vão observar e irão apresentar informes. E dirão a todos se eleição foi adequada e sem manipulação. Isso é uma espécie de certificado que muitos confiam. E por isso é importante.

Imagem: IHU

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