Em nota, as organizações se solidarizam com liderança Macuxi e atribuem ao poder executivo federal e estadual as violências
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I e a Pastoral Indigenista de Roraima repudiam mais um ataque aos povos indígenas de Roraima. Um incêndio criminoso aconteceu no último dia 27, na casa de uma liderança indígena (tuxaua) da comunidade Mutum, região do Centro Morro, etnorregião Serras da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), município de Uiramutá, Roraima.
De acordo com denúncia do Conselho Indígena de Roraima (CIR) feita para a Procuradoria da República ao Estado de Roraima, 7° Oficio lndígenas e Minorias, à Superintendência Regional da Polícia Federal em Roraima e à Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Roraima, “para atear fogo na casa foi utilizado combustível do motor da própria tuxaua, que teria sido derramado em volta da edificação, de alvenaria”.
O documento encaminhado às autoridades traz um histórico de ataques às lideranças por parte de pessoas não indígenas, que moram na comunidade, mas não aceitam as regras estabelecidas por interesses ilícitos. “São pessoas não indígenas que não são aceitas pela comunidade, que não respeitam o regimento interno comunitário, não seguem os usos, costumes e tradições, que estão tumultuando e perturbando a comunidade Mutum”, aponta o documento que denuncia que essas pessoas “fazem parte do grupo minoritário que quer fomentar o garimpo ilegal na região, a entrada de bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas”. Segundo informações da assessoria jurídica do CIR, ao menos um dos três não indígenas é foragido da polícia e “faz parte de uma facção criminosa, dito por ele mesmo em outras ocasiões”.
O ataque desta semana, não é um caso isolado e nem foi o único na TIRSS. A omissão do Estado diante do descontrole e abuso das atividades ilegais e ilícitas obrigou os povos indígenas a tomar suas próprias medidas de autoproteção, a exemplo das barreiras sanitárias no período da pandemia e que continuam atuantes como barreiras contra invasões.
Na etnorregião Serras, as comunidades mantêm a Barreira de Proteção, Vigilância e Monitoramento Territorial desde 2004, com a finalidade de “fiscalização para impedir o tráfico de combustível e drogas, o ingresso de material de garimpo, bebidas alcoólicas e o furto de gado na terra indígena”, revela matéria do Cimi daquele ano. De lá para cá, setores favoráveis ao garimpo e às ações decorrentes dessa atividade têm promovido ataques sistemáticos contra a barreira e as lideranças.
O descaso, omissão e negligência do (des)governo Bolsonaro em seus quatro anos à frente do poder executivo nacional, bem como do governador de Roraima, Antônio Denarium, se configuram como um claro e sistemático plano político de desmonte e extinção das culturas e vidas indígenas, desconsiderando veementemente seus deveres constitucionais de proteger os territórios e a diversidade indígenas.
A revelia, inclusive, de sentenças judiciais que reconhecem a legitimidade das Barreiras de Proteção e Vigilância. Em agosto desse ano, a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Federal extinguiu ação judicial contra as atividades de proteção, vigilância e monitoramento territorial da comunidade Tabatinga, na TIRSS, a qual no início desse ano, sofreu truculência da Polícia Militar sem qualquer legitimidade judicial e, como consequência, 12 lideranças indígenas foram gravemente feridas com armas letais e não letais.
Em seu site, o CIR comenta a sentença do juiz Felipe Flores Viana: “além de extinguir o processo, o juízo considerou que as atividades são realizadas por conta da omissão do Estado em promover a proteção dos povos e terras indígenas contra a invasão territorial, do garimpo ilegal”. Também apresenta um dos trechos da sentença que considera o descaso do poder executivo pela justiça: “Jamais presenciei tamanho desprezo e desrespeito pelo Poder Judiciário em quase 10 anos de judicatura. […] Não houve ‘somente’ indução em erro do Poder Judiciário. A banalização com que exerceu o direito de ação causou, de forma direta e imediata, graves danos à integridade física e psicológica de brasileiros indígenas”.
As autoproteções dos povos indígenas com as barreiras de vigilância comunitária têm sido fundamentais na defesa das comunidades indígenas. Longe de serem medidas paralelas ao Estado são medidas cabíveis e legítimas dos povos indígenas e sua autonomia frente à omissão e conivência do estado.
O Cimi e a Pastoral Indigenista manifestam sua solidariedade e apoio ao Conselho Indígena de Roraima, à comunidade de Mutum, à liderança e sua família que perdeu casa e pertences, e aos povos originários do Brasil em sua luta coletiva pela efetivação dos direitos constitucionais.
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Foto: lideranças da comunidade Mutum /Reprodução