Preocupação do brasileiro com saúde mental quase triplicou em 4 anos, mostra pesquisa

André Biernath, da BBC News Brasil

Os transtornos mentais viraram uma das principais preocupações de saúde para quase metade dos brasileiros. Essa taxa cresceu quase três vezes em apenas quatro anos. Esses é um dos principais achados da mais recente pesquisa Global Health Service Monitor, feita pela empresas Ipsos em 34 países espalhados por todos os continentes, obtida com exclusividade pela BBC News Brasil.

No Brasil, o estudo contou com a participação de mil pessoas, que responderam a perguntas pela internet ou pelo telefone. Elas representam todas as classes sociais e regiões do país. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.

No levantamento, é possível conferir que a covid-19 segue como a grande preocupação de saúde para 62% dos respondentes no país, embora essa taxa estivesse em 84% no ano passado.

Também chama a atenção o impacto de temas relacionados à saúde mental, como mencionado mais acima. Em 2018, apenas 18% dos brasileiros diziam que tópicos como depressão e ansiedade eram fontes de inquietude.

Esse número subiu para 27% em 2019, 40% em 2021 e 49% em 2022 — um salto de 2,7 vezes num período de quatro anos.

Confira a seguir as análises sobre esse e outros destaques da pesquisa.

A mente como protagonista

Para Cassio Damacena, diretor de cuidados em saúde da Ipsos no Brasil, a maior preocupação com a saúde mental captada pelo estudo está relacionada com a própria pandemia.

“De certa maneira, a covid-19 fez com que as doenças mentais e psíquicas ganhassem um protagonismo e fossem mais discutidas abertamente”, interpreta.

“Me parece que a forma como vemos esses transtornos se modificou nesse período”, complementa.

Damacena entende que o aumento dos óbitos relacionados ao coronavírus fez com que as pessoas refletissem mais sobre a vida.

Para alguns, a necessidade de ficar em casa e restringir os contatos com amigos e familiares também serviu de gatilho para o surgimento de quadros como ansiedade e depressão.

Na comparação com outros países, o Brasil está entre aqueles em que a preocupação com a saúde mental atinge níveis mais altos.

Apenas Suécia (63%), Chile (62%), Irlanda (58%), Portugal (55%), Espanha (51%) e Estados Unidos (51%) têm números superiores aos registrados por aqui.

De acordo com o Global Burden of Diseases, um estudo global que estima o impacto de diferentes doenças, 3,3% da população brasileira apresenta transtornos depressivos.

Ainda segundo esse trabalho, essas doenças estão entre os principais fatores que impactam a qualidade de vida e a saúde de um indivíduo.

Câncer virou coadjuvante

O levantamento da Ipsos ainda aponta uma queda expressiva na preocupação relacionada ao câncer.

Em 2018, 57% dos brasileiros diziam que os tumores eram um dos principais problemas de saúde que alguém poderia enfrentar.

Esse índice despencou pela metade em 2022: apenas 29% dos participantes disseram concordar com a frase do parágrafo anterior.

Damacena apresenta duas hipóteses para explicar essa diferença num espaço de tempo tão curto.

“Primeiro, o cenário do diagnóstico e do tratamento do câncer mudou. As taxas de sobrevida aumentaram consideravelmente em tempos recentes”, diz.

O pesquisador entende que essa doença sempre esteve relacionada a um estigma muito grande, que evoca a ideia de finitude e morte.

É possível, porém, que os avanços nos exames e nos medicamentos estejam modificando aos poucos essas noções.

“Em segundo lugar, não podemos nos esquecer que a pesquisa capta o que está preocupando as pessoas naquele exato momento”, acrescenta.

Ou seja: com a chegada da covid, uma condição nova e mortal, os tumores foram de certa maneira relegados a um segundo plano, como se fossem menos urgentes, avalia o representante da Ipsos.

Ganho de peso é figurante

Ainda na seara dos tópicos que não geram alarme entre a população, o cenário da obesidade é bastante peculiar.

Embora 57% dos brasileiros tenham excesso de peso, segundo o Ministério da Saúde, apenas 15% veem os quilos extras como um desafio.

A taxa está entre as menores do planeta e só fica acima do que foi observado em Itália (13%), Tailândia (11%), Índia (10%), África do Sul (9%), Indonésia (6%) e Japão (5%).

Damacena interpreta o achado sob o prisma do senso de urgência.

“A obesidade é uma condição que demora para produzir algum efeito. A pessoa vive anos, ou até décadas, com excesso de peso, colesterol alto, diabetes e hipertensão antes de sofrer um evento mais grave, como um infarto”, lembra.

“Isso dificulta a interpretação de risco relacionado à obesidade”, completa.

Uma das alternativas para modificar isso, aponta o especialista, envolve a realização de campanhas de comunicação, a exemplo do que ocorre com o câncer de mama e o outubro rosa, mês marcado por ações de conscientização sobre o diagnóstico precoce desse tumor.

“Precisamos que governos, empresas e imprensa falem mais sobre o tema, de modo que as pessoas percebam a importância e incorporem os cuidados para prevenir e tratar a obesidade na rotina delas”, sugere.

Vacina: escolha pessoal ou obrigação?

Um quarto e último destaque da pesquisa está relacionado à aplicação de doses dos imunizantes.

A Ipsos perguntou aos milhares de participantes se eles achavam que a vacinação deveria ser compulsória ou não.

O Brasil aparece entre os cinco países com a maior porcentagem da população que considera que todos deveriam ser obrigados a estar com as doses em dia, ao lado de Emirados Árabes Unidos, Indonésia, México e Índia.

Um total de 72% dos brasileiros concordam com a obrigatoriedade, enquanto 13% discordam dela.

A média global é de 59% a favor e 18% contra.

Esse número, porém, caiu um pouco na comparação com os levantamentos anteriores feitos no país: em 2020, 78% dos brasileiros achavam que as vacinas deveriam ser obrigatórias.

Damacena aponta para uma diferença curiosa no ranking das nações: as mais ricas são aquelas com a maior porcentagem da população que discorda da imunização compulsória.

Apenas 38% dos portugueses são a favor de medidas do tipo. Bem próximos, aparecem os húngaros (41%), os japoneses (43%), os americanos (44%) e os suíços (45%).

O cenário é oposto nos países mais pobres, como os já citados Indonésia (78%), México (75%), Índia (74%) e Brasil (72%).

Para Damacena, isso tem a ver com o fato de esses lugares terem uma memória mais recente do impacto das doenças infecciosas preveníveis pelas vacinas, como poliomielite, sarampo e rubéola.

“Quanto menos se vê essas doenças, que foram erradicadas ou controladas nos locais mais ricos, mais distante fica a urgência da vacinação”, pontua.

“Isso ajuda a entender porque, entre as nações desenvolvidas, a vacinação muitas vezes é vista como algo superficial”, conclui.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

um × três =