Incoerente com defesa da liberdade de expressão, gestão Bolsonaro escala a censura, diz dossiê

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação analisou 110 casos de violações à livre expressão entre 2019 e 2022

Gabriela Moncau, Brasil de Fato

Ataque misógino de Bolsonaro contra a jornalista Patrícia Campos Mello. Censura ao jornal GGN. Contratação, por parte da Secretaria de Governo, de serviço de vigilância para monitorar jornalistas e influenciadores (caracterizados como “detratores”, “neutros” ou “favoráveis”). Ataque hacker e tentativa de arrombamento da sede da Repórter Brasil. Incêndio da redação do Folha da Região no interior paulista. Ministério da Economia decidindo o que pode ser perguntado em entrevista coletiva.

Esses são alguns dos 110 casos de violações à liberdade de expressão que aconteceram no Brasil entre 2019 e 2022 e estão compilados no relatório da Campanha Calar Jamais. Lançado nesta quarta-feira (19), o documento foi elaborado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

No debate entre presidenciáveis na TV Bandeirantes no último domingo (16), o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) caminhou até a câmera, como fez Lula (PT) logo no início, e repetiu, nas suas considerações finais, uma fala que permeou seu mandato. “[Quero] um país onde seja respeitada a liberdade de expressão”.

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O argumento já foi usado pelo presidente, por exemplo, para atacar o inquérito das fake news, elogiar uma reunião com representante da Telegram (rede social mais usada para a disseminação de conteúdo bolsonarista) e criticar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) como a que autorizou mandados de busca e apreensão contra empresários que defenderam um golpe de Estado no país.

A partir da análise qualitativa de casos emblemáticos, o relatório do FNDC aponta, no entanto, que durante o governo Bolsonaro as violações à liberdade de expressão escalaram no país.

“O principal polo violador da liberdade de expressão e de imprensa no Brasil é o governo de Jair Bolsonaro e o próprio presidente”, caracteriza Renata Mielli, pesquisadora do relatório e doutoranda em Ciências da Comunicação na USP.

“À medida em que ele ataca de forma agressiva e estimula a violência contra jornalistas e comunicadores e que ele, de forma pública e estrutural, impõe censura e assédio moral aos trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)”, exemplifica Mielli, o próprio chefe de estado “cria um ambiente na qual o exercício da profissão de jornalista e todos os comunicadores sociais passa a ser um exercício perigoso”.

O documento avalia que, “nos últimos quatro anos, o Brasil retrocedeu ao período pré-Constituição de 1988, quando o país vivia o fim do regime militar, mas ainda perseguia e tentava calar – e muitas vezes calou – quem ousava levantar a voz contra o autoritarismo e a censura”.

Cerceamento protagonizado pelo Estado

As denúncias foram organizadas nas seguintes categorias: ataques a jornalistas e meios de comunicação; censuras a manifestações artísticas; cerceamento a servidores públicos; repressão a protestos; censura a instituições de ensino; desmonte da comunicação pública; discriminação contra grupos oprimidos e crimes contra a saúde pública.

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Relatório analisa quem são os agentes cerceadores de liberdade de expressão nos 110 casos abordados / FNDC

Entre os casos apurados pelo FNDC, 61,3% deles foram episódios de censura levados adiante por órgãos ou agentes públicos e outros 6,3% pelo próprio presidente Bolsonaro. Pouco menos de 70% das situações abordadas no documento, portanto, foram de cerceamento da liberdade de expressão protagonizadas pelo Estado brasileiro.

“A liberdade de expressão não é um direito que está acima de outros direitos. E tampouco é um direito que abriga manifestações homofóbicas, racistas ou outras violências”, defende Renata Mielli.

Edição: Nicolau Soares

Imagem: Sem máscara e no auge da pandemia, Jair Bolsonaro discute com jornalistas que o abordavam em evento em Sorocaba (SP) | Foto: Edilson Dantas

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