Há quatro semanas, eu acreditava que poderíamos estar em uma hora de decisão – da decisão do processo eleitoral no país. O roteiro armado pelo destino, entretanto, foi ainda mais dramático, e agora temos que votar para decidir nosso futuro, num ambiente que talvez seja o mais radicalizado no país, em toda a nossa história.
A dramaticidade está em colocar em campos opostos democracia e autocracia, liberdade e ditadura, praticamente em um plebiscito que não tivemos nos anos 1980, na saída da ditadura militar iniciada em 1964. E em um ambiente de crise política, econômica e social no país, e em um ambiente também muito instável no cenário internacional.
Em torno da candidatura de Lula consolidou-se uma enorme frente de forças políticas em defesa da democracia. Talvez, se for cobrada mais rigorosamente, essa conjunção de forças não consiga ir além de algumas consignas importantes, mas sem muitos detalhes. A defesa da democracia, o fim da miséria e da fome, saúde e educação para todas e todos, a defesa do meio ambiente e a soberania nacional seriam alguns desses pilares, sem muito detalhamento de como fazê-los.
Do outro lado, temos a crítica aos valores que nortearam a sociedade civil e política brasileira desde a luta pela redemocratização, culminando com a Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, quando, no momento de sua promulgação, o presidente do Congresso Constituinte, o então deputado Ulisses Guimarães, afirmava seu ódio e nojo à ditadura militar. Temos a crítica à redemocratização, a defesa da ditadura e da tortura, a crítica simultânea aos governos do PSDB e do PT que governaram o país por 21 anos, de 1995 a 2015. Temos o “cada um por si”, o fim dos valores de solidariedade social, a desregulamentação ambiental; temos as limitações à institucionalidade democrática e à participação popular; temos a perda dos direitos do trabalho. Temos um país em que a exclusão é a regra.
Para quem viveu a luta pela reconquista democrática parece uma opção simples, e deveria ser. Duro é perceber que, pouco mais de 30 anos após a redemocratização, o país parece estar dividido frente a essas duas opções. Talvez tomar consciência do que é o “Brasil real” seja para nós o mais duro.
Mas também é um desafio. Primeiro, é preciso ganhar esse processo eleitoral. Ganhar para as forças da vida contra a morte, dos livros e da educação contra as armas, da saúde contra a “terra plana” e a desmoralização da ciência, da defesa do meio ambiente contra as queimadas, da solidariedade contra o individualismo raivoso.
Mas ganhar vai ser só a primeira batalha. Pois o monstro do outro lado pode sentir o baque, mas não vai morrer, não vai desistir de lutar, e pode até se tornar mais raivoso com a derrota e tentar revertê-la a qualquer custo. O Brasil que tem que ser construído a partir da vitória eleitoral de domingo tem que ser um país onde não caiba todo esse ódio que veio à tona com esse governo atual e essa política que o construiu e da qual ele se nutre.
Além disso, vamos ter outra batalha: a batalha da transigência e da paciência. A frente formada em defesa da democracia é enorme, diversa e conflituosa. A definição e harmonização de políticas a partir dessa diferenciada coalisão não serão simples; será um governo em permanente disputa, que exigirá um trabalho de negociação permanente de artesãos que deverão extrair resultantes que, ao mesmo tempo, sejam capazes de atender aos enormes anseios de uma população esmagada pela crise social e econômica e, simultaneamente, manter coesas forças tão diversas. E, como dito anteriormente, fustigadas pelo ressentimento das forças antidemocráticas que seguirão existindo, alimentadas por um ambiente de crise.
Ou seja, o país estará longe de viver uma quadra trivial da sua história. O ambiente de crise está instalado, e as dificuldades não serão poucas. Mas… é uma encruzilhada decisiva para o país, e se existem enormes dificuldades, a tarefa que temos pela frente como brasileiras e brasileiros é enfrentá-la, como em outros momentos foi feito, no Brasil e no mundo. Se temos a possibilidade de construir um país melhor, não podemos nos furtar a tentar fazê-lo.
Para quem defende a democracia e almeja um país melhor, o voto em Lula é uma obrigação, mas ganhar a eleição, montar o governo e governar não serão tarefas fáceis. Viver no Brasil dos próximos anos não será para amadores. Mas todos sabemos que é enfrentando momentos difíceis e decisivos que crescemos como pessoas e, nesse caso, também como cidadãos. Vamos em frente, com Lula, para construir um país melhor, o país que todas e todos merecemos.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone