Pedido é por um debate na Câmara antes da votação. PL tem uma via prevista para passar por cima do manguezal
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Um fantasma voltou a assombrar a luta pela proteção socioambiental de Vila Velha, a reboque das discussões a respeito do Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade (PlanMob), alertam fóruns populares mobilizadas em favor da criação do Parque Natural da Lagoa Encantada: a previsão de construção de uma via coletora, de aproximadamente 40 metros de largura, ao lado e até mesmo por cima do rio Aribiri, onde nasce a Lagoa Encantada.
A lagoa e seus alagados, bem como o manguezal do rio Aribiri, consistem em um dos últimos refúgios naturais da área urbana da cidade, com ocorrências de diversas espécies da fauna selvagem, incluindo ameaçadas de extinção, como lontra e jacaré-do-papo-amarelo.
Um Parque Natural Municipal que proteja toda essa região está em vias finais do processo de criação e deve abranger uma área de 200 hectares. A consulta pública sobre o projeto, encerrada no final de abril, teve em seus relatórios técnicos a orientação para que o PlanMob realizasse as adequações necessárias nas obras previstas, de forma a resguardar as Áreas de Proteção Permanente (APPs) do rio Aribiri e da Lagoa Encantada.
A ressalva já havia sido feita publicamente pela então secretária municipal de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano (Semud), Milena Ferrari, durante audiência pública do PlanMob realizada no dia três de abril, ao responder a questionamentos feitos por ambientalistas defensores da Lagoa Encantada.
“A secretária afirmou que as vias não irão passar por cima do manguezal que liga o rio Aribiri à Lagoa Encantada, nem sobre qualquer outra APP”, relatou, na ocasião, Wilerman da Silva Lucio, membro do Fórum de Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental do Grande Vale Encantado (Fórum Desea), um dos coletivos a trabalhar pela criação do parque junto do Fórum Popular em Defesa de Vila Velha.
É ele também quem relata o possível retorno da ameaça neste início de novembro. O texto do Projeto de Lei nº 063/2022, “que dispõe sobre a Política Municipal de Mobilidade e Acessibilidade, aprova o PlanMob e dá outras providências para adequação do Plano Diretor em relação à mobilidade urbana”, que tramita na Câmara, mantém algumas vias sobre APPs importantes, que já haviam sido adequadas e remanejadas, conforme consta no relatório da consulta pública sobre o Parque Natural.
“O que a gente consegue enxergar na documentação é isso e estamos preocupados. Houve um compromisso de não avançar sobre as APPs. O PlanMob que consta nessa mensagem tem vias muito próximas e até dentro da Lagoa Encantada, e a gente não sabe se irão passar sobre APPs”. Via coletora, ressalta, é uma obra muito impactante para a biodiversidade local, “principalmente a que está prevista de passar praticamente por cima do rio Aribiri”.
Em março, o grupo fez um alerta de que essa estrada poderia mesmo decretar a morte do rio, já tão castigado com aterros, retificações, esgoto e outros poluentes. Na ocasião, foi informado que o trecho da estrada proposto para passar ao lado do Atacadão, conectando essa via à Rodovia Carlos Lindenberg, aparece nos mapas históricos do Estado como leito do rio Aribiri.
Integrante do Fórum Popular em Defesa de Vila Velha, Irene Léia Bossois ressaltou que uma sugestão feita foi no sentido que essa conexão de vias fosse, minimamente, por meio de um elevado, para não prejudicar a ligação da Lagoa Encantada com o canal do rio. “Porque se não, a gente está praticamente extinguindo um rio”, alertou.
Diálogo
Após o encerramento da consulta pública sobre a criação do Parque Natural, no final de abril, os próximos passos previstos seriam o encaminhamento, pela Secretaria de Meio Ambiente (Semma), das propostas finais sobre delimitação da unidade de conservação e outras definições, para a Procuradoria do Município e Ministério Público do Estado (MPES), responsáveis pelas avalições fundiárias e outros desdobramentos. Por fim, a prefeitura deve elaborar uma minuta de projeto de lei para criação da UC e encaminhá-la para aprovação na Câmara de Vereadores.
Ao que se sabe, o PL ainda não chegou ao legislativo municipal, mas os vereadores estariam sendo pressionados a aprovar o PlanMob com obras que podem violar o parque. Diante da contradição, o pedido é por uma avaliação mais cautelosa do Plano de Mobilidade, expõe Wilerman. “O que a gente pede é que haja um diálogo com a comunidade e não uma votação urgente. Que a Câmara possa dar espaço para a comunidade expressar sua opinião sobre as vias que estão planejadas para a região, dialogar e entrar num consenso”, pondera.
Vigília continua
Em nota, a Semdu afirmou, a respeito o texto do PL 063/2022 enviado à Câmara, que há uma garantia para evitar tais obras sobre áreas sensíveis, por meio do Art.58, que acrescenta o §5° ao Art. 51, com a seguinte reação: “as vias projetadas previstas nos mapas G e H do Anexo 1 desta lei deverão respeitar os limites das unidades de conservação existentes e as que venham a ser criadas”.
Irene Léia reforçou o pedido de diálogo com os vereadores, diante da contradição existente no PL que tramita no Legislativo, já que, apesar da ressalva destacada pela Semdu, a via sobre o manguezal do rio Aribiri continua prevista no projeto. A posição dos integrantes dos fóruns populares, afirma, é de continuar tentando o diálogo com os vereadores, para garantir que os compromissos firmados sejam cumpridos.
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Imagem: Everton Thiago