“Estamos em uma estrada para o inferno climático com o pé no acelerador”. Esse foi o tom do discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, na Cúpula dos Líderes da COP27 de ontem (7/11).
A fala é dramática, mas não exagerada: como a Economist mostrou em matéria de capa da edição desta semana, a meta de parar o aquecimento global em no máximo 1,5ºC prevista no Acordo de Paris está cada vez mais distante.
Em prol desta meta, Guterres pediu por um “pacto de solidariedade” entre países desenvolvidos e economias emergentes, com um recado especial para os dois maiores emissores do planeta: “As duas maiores economias, os Estados Unidos e a China, têm a particular responsabilidade de unir esforços para tornar este pacto uma realidade. Ou fazemos um pacto de solidariedade climática ou um pacto de suicídio coletivo.”
Estadão e g1, entre outros, repercutiram a fala de Guterres.
A julgar pelas emissões dos mais ricos, não será fácil chegar ao tal pacto de solidariedade. Em relatório divulgado ontem, a OXFAM revelou que os investimentos de apenas 125 das pessoas mais ricas do mundo são responsáveis pela emissão anual de quase 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa à atmosfera – o equivalente às emissões anuais da França, país com 67 milhões de cidadãos.
Não estamos falando do estilo de vida dos bilionários, mas de sua participação coletiva, estimada em US$ 2,4 trilhões, em 183 empresas. Por meio destes investimentos, a média anual individual de emissões de cada um desses super-ricos é de 3,1 bilhões de toneladas, ou cerca de um milhão de vezes maior do que a dos 90% da população mundial que estão abaixo na pirâmide de concentração de renda: estas contribuem com a média anual de 2,76 toneladas de CO2. O Globo e o Guardian trazem mais detalhes sobre o relatório.
Outro indicador das dificuldades que se colocam no caminho do pacto de solidariedade é o escorpião que vive nos bolsos dos países grandes emissores. Levantamento divulgado pelo Carbon Brief mostrou que os EUA deveriam pagar quase US$ 40 bilhões para a meta de financiamento climático de US$ 100 bilhões – simplesmente US$ 32 bilhões a mais do que os US$ 8 bilhões que estima-se terem sido doados em 2020. O Reino Unido, por sua vez, desembolsou 76% do que supostamente lhe caberia, ficando US$ 1,4 bilhão abaixo. Já o Canadá pagou 37% do devido, ou US$ 3,3 bilhões a menos. Alemanha, França e Japão deram proporcionalmente mais do que a contribuição relativa às suas emissões históricas, mas boa parte desse dinheiro foi encaminhado na forma de empréstimos. O Globo contou essa história, explicando como ela se encaixa no financiamento climático em negociação nas COPs.
Depois de falar para presidentes e ministros, o secretário geral da ONU foi à Blue Zone, área destinada na COP aos estandes dos países e das ONGs. Lá, Guterres falou no pavilhão do Paquistão que, neste ano, mostra em um telão as enchentes, secas e os problemas sociais que o país enfrenta.
Segundo relato do Estadão, o discurso de Guterres “deu conteúdo e emoção” à questão da transferência de recursos de nações ricas para que os países pobres possam frear a crise climática.
Em tempo 1: Segundo o Observatório do Clima, o lançamento da Forest and Climate Leaders Partnership promovido ontem pelo Reino Unido na COP27 foi marcado pela ausência do Brasil: “O painel reuniu representantes de diversos países e regiões que se comprometeram a zerar o desmatamento e recuperar florestas até 2030, como desdobramento de acordo firmado no ano passado em Glasgow.” Sem representação no evento, o Brasil foi citado nos discursos de diversos líderes globais em tom de saudação ao “retorno” do país à agenda climática.
Em tempo 2: Matéria do site Politico mostra as mudanças climáticas como o novo front global na guerra cultural da extrema direita e cita as eleições de meio de mandato dos EUA como exemplo. A matéria inclui aspas da ex-ministra Izabella Teixeira, para quem “o populismo reacionário é agora o maior obstáculo para se combater as mudanças climáticas”.