É preciso romper com o sequestro de nossa subjetividade. Para que a pequena janela de possibilidade que se abre com a derrota do presidente fascista vire horizonte, precisamos nos mover não mais em contraposição ao bolsonarismo, e sim numa relação radical com a vida
em Sumaúma
Sim, nós sabemos. Jair Bolsonaro foi derrotado nas urnas, deixará o Planalto após mais 2 meses de maldades, mas ele e o bolsonarismo permanecem muito vivos e respaldados pelo voto de 58 milhões de brasileiros feitos à imagem e semelhança de seu messias. E eles estão aqui, compartilhando do mesmo território chamado Brasil. Na semana pós-eleição, assistimos a seus seguidores cantarem o hino nacional fazendo uma saudação muito similar à nazista, marcharem com a camiseta da seleção em performances estranhas e até entoarem solenemente o “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas” para um pneu. Não me peçam para explicar por que um pneu, porque não tenho nenhuma pista. Os bolsonaristas estão ao redor de nós, às vezes dividem a mesma casa, e acham legítimo pedir o ilegítimo: a volta da ditadura. O ponto é: como vamos conviver com eles e elas?
Porque teremos.
Antes de pensarmos sobre isso, é preciso constatar que há algo muito grave acontecendo com os bolsonaristas. E não estou tentando fazer nem humor nem ironia. É grave, mesmo. As cenas que parte deles protagonizou nesta semana nos fizeram rir como há muito não era possível no país. Os memes, aliás, deveriam ser elevados à condição de arte e disputar um concurso próprio. Mas os fatos que viraram memes são graves. Que os bolsonaristas se alimentam de fake news, isso é notícia velha. Mas o pós-eleição revelou o que falsificar a realidade e acreditar na falsificação provoca na vida de uma pessoa – e o que uma massa de pessoas que falsificam a realidade e acreditam na falsificação provoca na vida de um país. É possível dizer muito sobre os bolsonaristas – e tem sido dito. Mas também é preciso dizer a sério que eles estão doentes.
Há um adoecimento social que precisa ser tratado como tal e deve ser enfrentado pelo governo eleito. Diante de um fato que não poderiam falsificar por completo, a vitória de Lula sobre Bolsonaro, eles destrambelharam. Não foram apenas as cenas que viraram memes, como a do sujeito que se agarrou por quilômetros a um caminhão que furava o bloqueio dos atos golpistas, nem somente fatos criminosos, como cantar o hino nacional fazendo a saudação similar à nazista, como aconteceu na cidade catarinense de São Miguel do Oeste. Diante de um fato que não poderia ser falsificado, a vitória de Lula, eles comemoraram que o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tinha sido preso. Acreditaram na notícia falsa e comemoraram a prisão que nunca houve como se fosse real. Comemoraram também que o educador Paulo Freire, que foi transformado num inimigo do bolsonarismo, havia sido preso. Paulo Freire morreu em 1997. Mesmo assim, comemoraram a prisão de alguém morto há um quarto de século. Falsificaram que Lula está com câncer terminal sem atentar que o presidente eleito está muito bem obrigado planejando brilhar na Cúpula do Clima no Egito.
Nos próximos dias, semanas, meses, saberemos o que acontecerá com essa massa de pessoas quando a realidade seguir se impondo. E, em alguns anos, saberemos o que se tornarão as crianças cujos pais romperam com a realidade. Este é outro ponto. Nos preocupamos muito com as crianças que foram violadas pelo governo Bolsonaro, que combateu seus direitos básicos, cortando verbas na área social enquanto estourava o orçamento primeiro para privilegiar sua turma, depois (também) para ganhar a eleição. E devemos nos preocupar muito com elas. Mas talvez precisemos também nos preocupar com as crianças, às vezes as mesmas, que moram na mesma casa com pessoas incapazes de se conectar à realidade. Faz sentido suspeitar que exista muito sofrimento, o que só aumenta a importância da escola.
O que podemos fazer? Como sociedade, precisamos nos manter firmes na realidade. Ao divórcio da realidade é preciso responder com mais realidade. E a realidade mais profunda é a própria vida. A melhor maneira de combater o projeto de morte que seguirá com o bolsonarismo e seus adeptos será nos mantermos fiéis à vida. Digo isso porque nós, a parcela da sociedade brasileira que se horrorizou com a falsificação e foi abusada por ela, que passou 4 anos como refém de um criminoso no poder usando a máquina do Estado contra a população, também estamos adoecidos. Os sinais estão por toda parte. Não tenho pesquisa para comprovar, apenas a percepção de que ao redor de mim muitos caíram doentes mesmo após a eleição, como se o corpo finalmente pudesse colapsar com algum amparo fornecido pelo resultado das urnas.
Nosso adoecimento, porém, que o corpo expõe com doenças que podem ser tratadas com medicina, é muito mais persistente em nossa subjetividade. Estamos presos ao bolsonarismo e seu cotidiano de sobressaltos e abusos. Estamos conectados ao horror bolsonarista como o refém a seu sequestrador, porque fomos mesmo reféns. E porque foi a forma que muitos de nós encontramos para sobreviver ao impossível.
É hora de romper.
E só poderemos romper de fato se conseguirmos romper subjetivamente. Se nossa esfarrapada democracia conseguiu chegar até aqui foi pela resistência de cada coletivo e das instituições que, mesmo com enormes falhas, foram capazes de colocar limites, em especial neste ano eleitoral. Foi pelas brechas de vida a que nos agarramos que fomos capazes de nos manter respirando. É hora de ampliar essas brechas e convertê-las em horizonte.
Penso que precisamos seguir, mas seguir deixando de nos preocupar com o que eles fazem todos os dias – e como os partidários da seita de Donald Trump nos mostraram, mesmo após a invasão do Capitólio, continuarão fazendo se não conseguirmos dar uma resposta, como sociedade, ao adoecimento de 58 milhões de brasileiros. Isso não significa de forma nenhuma ignorar a realidade que representam. Significa que precisamos nos mover não mais em relação a eles, e sim em uma relação profunda com a vida. Precisamos ser. Não ser em contraposição a eles, como fomos até agora, mas sendo na costura do presente que só é possível na imaginação do presente. Nem falo mais do futuro, mas do presente, mesmo. Do aqui e agora. Fazendo o que nos faz bem. Retomando a arte, a dança, a poesia, a educação emancipadora, a espiritualidade, seja ela religiosa ou não, a alegria de conviver falando do que nos dá alegria. Retomando o debate que nos amplia porque o outro não nos ameaça, ao contrário: nos alarga. Precisamos imaginar nossa própria vida e imaginar um país, libertar a nossa subjetividade subjugada que passou 4 anos acordando de um sono mal dormido para saber o que eles fizeram, o que disseram, o que conspiram, o que precisamos fazer para nos defender.
Chega de viver segundo os adoecidos, porque isso nos adoece também. E agora temos uma pequena janela, muito pequena mesmo, que precisamos alargar com todas as nossas forças somadas. Mais do que somadas, porque o que soma ainda é um. Precisamos misturar nossas forças.
É o que aprendi vivendo na floresta e observando os povos-floresta, eu como aprendiz ainda muito iniciante. Se a floresta existe apesar de todos os ataques é porque ela vive ferozmente. Onde há morte, alguma vida vai se sobrepor. Aquilo que seca até esturricar, na primeira chuva desperta selvagemente. O que morre é de imediato devorado para garantir a vida dos que vivem. Há flores se abrindo nos lugares mais devastados, há animais semeando florestas o tempo todo, há fungos se comunicando em vastas comunidades, árvores em conversas ininterruptas. Construímos nossas casas, em geral um ato violento porque destrói a casa de outros, e a floresta passa o tempo todo sabotando tudo o que erguemos, tentando nos devorar e se estabelecer mais uma vez. Impossível esquecer qualquer resto de comida literalmente por um minuto sem que de imediato uma multiplicidade de seres vivos o transformem em sua comida ou em elementos para criar sua casa. Se for por dias, vira um ecossistema, um miniplaneta. Sempre me espanto quando visito São Paulo com o fato de que lá a comida deixada num prato pode virar a noite que nada acontece. Descanso, mas sei que o silêncio é a voz da morte. A vida é sempre muito barulhenta, repleta de cheiros e movimentos.
Não tenho a menor dúvida de que a natureza vai se reimaginar após nosso desaparecimento deste planeta, o desaparecimento que as corporações transnacionais legais e ilegais e seus acionistas e executivos, os governantes que as servem, assim como parte dos parlamentos e parte do judiciário têm feito tanto esforço para acelerar a ponto de alterar o clima e a estrutura do planeta.
Quem vive quer viver. Talvez a inação de grande parte da sociedade diante do que fazem todos os dias contra a natureza – em nosso nome – possa nos dar uma pista de que grande parte das pessoas humanas esteja meio morta. É hora de deixar o mundo dos mortos e assumir que queremos viver. Para isso, precisamos abandonar o cotidiano determinado pela contraposição ao bolsonarismo e retomar nosso compromisso com o viver nos mínimos atos. Uma boa chance é prestar atenção à vida ao redor de nós, a vida que acontece o tempo todo.
O compromisso com a vida não é um ato que começa e acaba no indivíduo. É um ato em que aquele que se entende como um descobre que só pode ser em relação ao outro. O compromisso com a vida na esfera pública é lutar – juntes — para que os famintos possam comer. O compromisso na esfera pública com a vida é lutar – juntes – para que Bolsonaro e todos os criminosos do bolsonarismo sejam investigados, julgados e punidos, porque foi – não só, mas muito – a impunidade dos criminosos da ditadura que gerou Bolsonaro e o bolsonarismo. O compromisso com a vida na esfera pública é lutar – juntes – para identificar e responsabilizar quem mandou matar Marielle Franco e matou também Anderson Gomes. O compromisso com a vida na esfera pública é combater o racismo – todo o racismo, inclusive o cometido cotidianamente contra outras espécies. O compromisso com a vida é conviver, esse verbo que nos foi interditado. Lutamos enquanto dançamos, fazemos arte, conversamos, festejamos, beijamos, rimos até doer a barriga. Rimos com o outro, não do outro. Gozar do outro – e não com o outro – é a perversão do bolsonarismo.
É esse o choque de realidade, o da vida que se impõe ferozmente, mas que tínhamos esquecido, que pode curar os doentes do bolsonarismo para além das urnas. Essa força primal que faz tantas pessoas terem filhos quando o planeta está em colapso climático e o fascismo se espalha pelo mundo não como vírus, mas como só o humano é capaz de se espalhar e produzir morte.
Dias antes das eleições, quando meu livro Banzeiro òkòtó – uma viagem à Amazônia Centro do Mundo ganhou o prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, fiz uma pequena fala ao receber o lindo troféu feito pelo tão saudoso Elifas Andreato (1946-2022). Essa fala foi filmada, alguém acelerou minha voz para caber no tempo da internet, e o vídeo viralizou. Eu dizia, como escrevi tantas vezes, que precisávamos vencer a catástrofe representada pela reeleição de Bolsonaro, mas que, se conseguíssemos, teríamos que acordar no dia seguinte à vitória de Lula já em pé e lutando. Vencida a catástrofe, teríamos pela frente o muito difícil. E é nisso que acredito. Não pela fé, mas pela experiência e pela investigação. Mas lutar, para mim, é lutar como floresta. É ferozmente viver, me encantando com cada retalho de vida e alargando cada brecha de vida.
A vitória de Lula, mais que a reconstrução de um país, significa a possibilidade da volta à conexão com a realidade. Para isso, precisamos resistir a qualquer vontade de mistificação do próprio Lula, porque aí seguiríamos no mesmo lugar. Não temos um país para reconstruir, porque isso implicaria acreditar na fake news de que este país algum dia foi algo para onde devêssemos voltar. Se isso fosse verdade, nem Bolsonaro nem o bolsonarismo teriam sido produzidos nas tripas do Brasil. Não temos um país para reconstruir, temos um país para imaginar. Imagin-ação. Temos que imaginar um país sem racismo e temos que imaginar um país sem fome. Temos que imaginar, principalmente, porque esta é a mudança estrutural que determinará todas as outras, um planeta em que os centros sejam a vida e não os mercados. Imaginar para libertar o presente de sua falta de futuro.
Para que isso seja possível, a floresta precisa seguir sendo floresta. Segundo os cientistas, a Amazônia chega ao ponto sem retorno, o momento em que a floresta já não consegue agir como floresta, a grande reguladora do clima, entre 20% e 25% de desmatamento. Estamos muito perto dos 20%. É óbvio que não é uma destruição homogênea: há partes da floresta que já chegaram ao ponto sem retorno e já estão emitindo mais gás carbônico do que absorvendo, e há outras mais longe do ponto sem retorno, caso das terras indígenas, as mais protegidas. Mas a floresta é interconectada, e tudo o que acontece nela age em cadeia, e o que acontece com a floresta age em cadeia em um planeta multidiverso, mas intimamente conectado.
A derrota de Bolsonaro significa uma chance única de barrar a destruição da Amazônia e encontrar maneiras de recuperar as áreas degradadas antes que seja impossível. O ato mais eficaz para que isso aconteça é demarcar as terras indígenas ainda não demarcadas. E não é nenhum favor: primeiro, porque a Constituição de 1988 determinou que todas as terras de povos originários deveriam ser demarcadas em 5 anos. Já se passaram 3 décadas e a determinação constitucional não foi cumprida. Segundo, porque disso depende a qualidade da vida de todes, da população de qualquer cidade do Brasil, da população de qualquer cidade do planeta. O governo eleito precisa reconhecer e titular as terras quilombolas, ampliar as unidades de conservação e proteger tudo o que foi desprotegido pelo governo Bolsonaro. Mas não só isso, porque mesmo antes de Bolsonaro o sistema de proteção estava muito, mas muito aquém do necessário. O governo eleito precisa fazer a reforma agrária na Amazônia, reconhecendo e apoiando os assentamentos de camponeses comprometidos com a agroecologia. Quem vive na Amazônia e/ou acompanha os massacres cometidos contra os agricultores familiares, os assentados, sabe que sem reforma agrária não será possível proteger a floresta.
O que é preciso fazer está estabelecido há muito, há planos e projetos para tudo, inclusive para retirar imediatamente os 20 mil garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, parte deles escravizada. Só é preciso fazer.
E este é o ponto. Sabemos que Lula se elegeu com um arco de alianças que abrigou desde Marina Silva, ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008, principal responsável por reduzir a taxa de desmatamento da Amazônia, até conhecidos predadores da floresta e de outros biomas, como o Cerrado. É evidente que Lula não conseguiria se eleger sem esse arco de alianças. O que permitiu a vitória (apertada) de Lula, porém, é o que pode impedir a proteção da Amazônia. Não será possível conciliar o inconciliável no momento limite vivido pela maior floresta tropical do planeta. Tudo o que precisa ser feito é pra ontem. A proteção da Amazônia tem que ser um compromisso radical porque dela depende a nossa vida – e até, embora eles não percebam, a vida daqueles que a destroem.
Não bastará criar um Ministério dos Povos Originários com uma ministra ou um ministro indígena. É preciso que esse ministério tenha poder real. É vital que a promessa da transversalidade da questão climática seja de fato cumprida no novo governo. O que significa que a questão climática vai atravessar e nortear todos os ministérios. Não há nada – nada – mais importante do que enfrentar a crise climática, porque deste enfrentamento depende o futuro próximo das crianças que já nasceram. Quanto mais o planeta aquece, com seus efeitos em cadeia que basta abrir a janela para ver, mais se acentua a desigualdade de gênero, raça, classe e espécie. Embora ninguém vá escapar, são as mulheres, os negros e os mais pobres os primeiros a ser afetados, como os fatos já mostram. Os multimilionários constroem bunkers de luxo debaixo da terra em países como a Nova Zelândia, na tentativa de escapar. Bilionários como Elon Musk, o novo dono do Twitter, tentam encontrar um outro planeta para colonizar.
O compromisso de campanha de Lula só poderá ser cumprido se os povos originários e as populações tradicionais (quilombolas, ribeirinhos e dezenas de outras) forem escutados. Mas isso não basta. É necessário que sejam também protagonistas. Como os movimentos negros ensinaram à sociedade brasileira, sem divisão de poder a estrutura da sociedade não muda. É preciso que os povos-floresta e os povos de outros enclaves de natureza ocupem posições dentro do governo, também no primeiro escalão.
O retrato oficial tanto da equipe de transição quanto do governo que assumirá a partir de 1º de janeiro terá que ser composto por mais mulheres, mais negros (recorte racial da maioria da população brasileira, é importante lembrar), mais indígenas e outros povos-natureza. Terá também que ser menos binário e menos cisgênero. E terá, sim, que ser mais evangélico, com representantes que respeitem o Estado laico. A esta altura, a esquerda brasileira já deve ter aprendido que é tão imprudente quanto impossível ignorar a força determinante e crescente dos evangélicos no país. Ignorar esse fenômeno só serve para fortalecer os pastores de mercado, que usam o fundamentalismo para chantagear e lucrar, e perder o apoio de lideranças evangélicas dignas que querem trabalhar para o país sem impor sua religião.
Como isso vai acontecer com o arco de alianças que levou Lula à vitória e com um vice como Geraldo Alckmin (PSB)? Só vai acontecer com a pressão da sociedade brasileira. A sua, a minha, a de todes. Sem essa pressão, será muito difícil para Lula avançar com seus compromissos de campanha de proteção da Amazônia e de enfrentamento da crise climática. Além das posições antagônicas dentro do próprio governo em formação, haverá um Congresso ainda mais tóxico do que o atual, com um número significativo de forças comprometidas com o agronegócio predatório não só na Câmara de Deputados, mas também no Senado. Para poder avançar, a sociedade brasileira vai precisar garantir a sustentação das propostas de proteção da Amazônia e dos demais enclaves de natureza.
Será preciso fazer muita pressão. A mesma energia empregada para fazer o Lula candidato vencer precisa ser ativada agora para que o Lula presidente cumpra as promessas com a Amazônia e com o enfrentamento da crise climática. É bem importante compreender que do cumprimento desses compromissos de campanha depende o combate às desigualdades de classe, gênero e raça.
Estamos em guerra, não se iludam. Não é uma guerra entre nós e os bolsonaristas. É uma guerra entre a minoria que, como diz o xamã Davi Kopenawa Yanomami, comeu o planeta e a maioria que já está vivendo em um planeta mais hostil. O Brasil tem um papel crucial nessa guerra não por causa do agronegócio que destrói a Amazônia e o Cerrado para produzir soja para alimentar animais escravizados em todo o mundo, mas sim porque tem no seu território 60% da maior floresta tropical do planeta.
Os presidentes dos Estados Unidos e de países da Europa não se apressaram em cumprimentar Lula pela vitória por causa do Brasil, mas sim por causa da Amazônia. Se acabarem com a Amazônia, o interesse no Brasil desaparece e o país será pária para sempre, independentemente do governante, por ter colocado toda a humanidade em alto risco. Está na hora de agir conforme a realidade: o Brasil, hoje, é a periferia da Amazônia.
Não há escolha entre lutar e não lutar. Mas há, sim, escolha em como lutar. Lutemos como floresta, agarrando-nos às brechas de vida para fazer delas horizonte, usando a alegria como instrumento de resistência, imaginando o país onde queremos viver. Ocupando, como faz a natureza, todos os espaços vazios, encontrando o último sopro de vida na terra arrasada e renascendo, sabotando os agentes da morte dia após dia pela afirmação da vida. Vamos lutar con-vivendo. O que precisamos agora, como dizem os movimentos sociais da floresta, não é des-envolvimento, entendido como deixar de se envolver para servir ao mercado, mas en-volvimento. Lutar como floresta é justamente isso: se envolver radicalmente com a vida.