Bolsonaro afrouxou vigilância, e Brasil tem 25% das mortes por varíola dos macacos de todo o mundo

Com o negacionismo no comando do Ministério da Saúde, os casos saltaram de 978 no fim de julho para 9.541 no início deste mês de novembro. O aumento coincide com o fechamento da chamada “Sala de Situação”, em 11 de julho, pela Secretaria de Vigilância em Saúde

Por Cida de Oliveira, da RBA

A política de saúde do governo Bolsonaro vai entrar para a história também por afrouxar a vigilância e permitir que o Brasil concentre um quarto de todas as mortes por varíola (chamada dos macacos) em todo o mundo. O país que tem menos de 3% da população mundial registra 25% das mortes pela doença registradas em todo o planeta. Curiosamente, o Brasil registrou o mesmo número de mortes que os Estados Unidos. Mas enquanto aqui foram notificadas apenas 9.367 – há cerca de 5 mil casos suspeitos –, as autoridades estadunidenses notificaram 28.730 casos. No restante da América do Sul, foram notificados 9.260 casos. É conhecida apenas uma morte, no Equador.

Com o negacionismo no comando do Ministério da Saúde, que está relacionado às 690 mil mortes pela covid no Brasil, o número de casos da varíola – ou Monkeypox – saltou de 978 no fim de julho para 9.541 no início deste mês de novembro. De acordo com o epidemiologista da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana, 88% desses casos estão concentrados nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, particularmente em suas capitais.

Orellana é autor do estudo inédito que aponta para o que chama de “indiscutível fracasso” do governo Bolsonaro na epidemia de monkeypox no país. Conforme o pesquisador, o aumento veloz de casos no país coincide com o fechamento da chamada “Sala de Situação de Monkeypox”, em 11 de julho, pela Secretaria de Vigilância em Saúde. “Programas de vigilância e detecção são ferramentas essenciais para entender cenários dinâmicos”, afirma.

Escalada de casos

Com essa medida, o monitoramento dos casos e ações do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) foram pulverizadas em outras áreas da secretaria. A escalada de casos tem outra motivação: ocorre em meio à pandemia de covid, que pelo jeito está longe de acabar. Entra onda, sai onda, com novas variantes e subvariantes, o país padece da falta de estrutura laboratorial para diagnóstico rápido de Monkeypox.

“Há desestruturação dos serviços de vigilância, com baixa capacidade de identificação de casos e dificuldades de isolamento de contatos oportunamente. E também não há sistema de informação em saúde transparente, ágil e apto para registrar e disseminar dados em tempo real”, diz o pesquisador.

Secretários alertaram Ministério da Saúde

Esse descontrole não é por falta de advertência, segundo o pesquisador da Fiocruz Amazônia. Em 10 de agosto, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) propôs ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que a doença fosse considerada uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) no Brasil. Isso permite ações rápidas, como a desburocratização na compra de vacinas e medicamentos, por exemplo. Ou seja, respostas sanitárias sobretudo em contexto diverso e adverso como o brasileiro.

Desde 23 de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tratava a disseminação mundial da Monkeypox como  Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional. Até porque ainda não há tratamento específico. “Acesso igualitário aos recursos disponíveis para o enfrentamento da doença é indispensável diante de mais uma emergência de saúde pública de doença transmissível. De modo geral, o que se viu foram ações por Estado, com critérios não muito claros para testagem e acompanhamento de casos e seus contatos’, diz Jesem Orellana.

Ele aponta ainda atraso nas investigações e rastreamento de contatos, rede de laboratórios de referência limitada e lenta. E também a ausência de coordenação em nível federal, além de limitação na compra de insumos, medicamentos e vacinas. Tamanha omissão possibilitou que o surto de Monkeypox assumisse padrão epidêmico.

Lista longa de falhas e omissões no combate à doença

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) recomenda vacinação contra a doença. Mas só no início de outubro o Ministério da Saúde recebeu as primeiras 9,8 mil doses da  vacina Jynneos (vacina não específica). Até o momento, não há previsão de quando as primeiras doses deverão serão aplicadas.

A lista de falhas e omissões do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da varíola dos macacos, entretanto, não se esgota aí, segundo ele. Pouco ou nada foi feito em parceria com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), no que tange à implementação oportuna e efetiva de medidas voltadas à prevenção e/ou controle da doença nos aeroportos. Tanto que os dois primeiros casos suspeitos foram reportados por estados que recebem muitos turistas, como Ceará e Santa Catarina, conforme lembrou.

As ações de capacitação aos trabalhadores de saúde são limitadas, as iniciativas de comunicação de risco junto a população e de combate ao estigma são insuficientes e não foram tomadas medidas coordenadas com agências multilaterais, como a OMS. “As lições da pandemia de covid-19 não podem ser negligenciadas, tampouco devem ser cometidos os mesmos erros, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Tudo se repete e pouco se aprende com emergências globais de saúde pública no Brasil. A Monkeypox está caminhando para o triste ‘armazém das doenças negligenciadas’”, critica Orellana.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber

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