Mais de 300 pessoas participaram do encontro realizado entre os dias 8 e 10 de novembro para celebrar os 50 anos do Conselho Indigenista Missionário
Com celebração religiosa e a leitura do “Manifesto do Congresso de 50 anos do Cimi: memória e compromisso esperançando a causa indígena”, missionários e missionárias, lideranças indígenas e defensores dos direitos dos povos originários encerraram as atividades do Congresso de 50 anos de caminhada do Conselho Indigenista Missionário na tarde desta quinta-feira (10). O evento foi realizado de 8 a 10 de novembro, no Centro de Formação Vicente Canãs, em Luziânia (GO).
Com a participação de mais de 300 missionárias, missionários, aliadas e aliados da causa indígena e representantes de pelo menos 20 povos indígenas, o Congresso foi estruturado em quatro eixos: Mística, Memória, Resistência e Esperança.
“A esperança que se renova em cada luta, em cada movimento, em cada ato de resistência dos povos e comunidades indígenas é facho de luz, que ilumina e orienta também a nossa missão”
“O primeiro dos quatro eixos do Congresso, a Mística, perpassa as outras dimensões – a Memória, a Resistência e a Esperança – singularizando a atuação profética do Cimi nestes 50 anos”, afirma o manifesto.
“O Congresso foi também espaço para fazer Memória do passado colonial e nos protege contra a repetição traumática desse passado”, prossegue o documento, no qual o Cimi pede perdão aos povos indígenas pelos pecados da colonização, “da qual participamos ao longo desses mais de 500 anos”, e agradece aos povos pelos aprendizados compartilhados.
“Agradecemos aos povos originários a graça pascal de acompanhar suas incansáveis lutas, sustentadas nas ancestralidades e na certeza de que há outros mundos possíveis”, afirma o documento. “A esperança que se renova em cada luta, em cada movimento, em cada ato de resistência dos povos e comunidades indígenas é facho de luz, que ilumina e orienta também a nossa missão”.
Confira o manifesto na íntegra:
MANIFESTO DO CONGRESSO DE 50 ANOS DO CIMI: MEMÓRIA E COMPROMISSO ESPERANÇANDO A CAUSA INDÍGENA
Celebramos, entre os dias 8 a 10 de novembro de 2022, o Congresso dos 50 anos de caminhada do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Realizado no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, teve como tema “Mística, Memória, Resistência e Esperança: 50 anos a serviço da vida dos Povos Indígenas” e o lema “Vivendo com as diferentes culturas na perspectiva do Bem Viver”. Participaram mais de 300 missionárias, missionários, aliadas e aliados da causa indígena e representantes de pelo menos 20 povos indígenas.
O primeiro dos quatro eixos do Congresso, a Mística, perpassa as outras dimensões – a Memória, a Resistência e a Esperança – singularizando a atuação profética do Cimi nestes 50 anos. O Congresso foi também espaço para fazer Memória do passado colonial e nos protege contra a repetição traumática desse passado. A RESISTÊNCIA histórica dos povos indígenas contra o colonialismo, renovada constantemente em lutas, atos, mobilizações, retomadas e autodemarcações, abre caminhos de ESPERANÇA.
Nesses 50 anos, a luta pela justiça e em defesa da vida em plenitude orientou e orienta a atuação do Cimi, que caminha solidariamente com povos e comunidades, almejando a construção de outra sociedade, inspirada na visão real e utópica das sociedades indígenas. Nelas prevalece a construção da pessoa sobre a produção de bens, a participação sobre a competição, a reciprocidade sobre a acumulação e o diálogo sobre a palavra autoritária.
O Cimi nasceu como filho do Concílio Vaticano II (1962-1965) e como organismo anexo à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1972, no oitavo ano da ditadura militar. A ideologia desenvolvimentista e autoritária daquela época vislumbrava o extermínio e a integração compulsória como destino para os povos indígenas. Neste contexto, instaurou-se a urgência de se criar uma pastoral em defesa destes povos.
No mesmo ano, em 25 de setembro de 1972, foram inaugurados os primeiros 1.254 km da rodovia Transamazônica (BR-230), cujo traçado atingiu mortalmente 29 territórios indígenas. Pela TV brasileira, o evento foi festejado como um dos esteios do “milagre brasileiro”. Na mesma época, a denúncia de uma “Biafra brasileira” no Vale do Guaporé percorreu a imprensa internacional. O traçado da BR-364, de Cuiabá para Porto Velho, que atravessou o coração do território Nambiquara, causou a contaminação por sarampo e a morte de todas as crianças e jovens menores de 15 anos. Esse foi um entre tantos outros genocídios e crimes praticados nos anos de autoritarismo.
Passados 50 anos desde a fundação do Cimi, pedimos, nesse manifesto, em nome da nossa Igreja, perdão aos povos indígenas pelos pecados da colonização da qual participamos ao longo desses mais de 500 anos. Ao mesmo tempo, agradecemos aos povos originários a graça pascal de acompanhar suas incansáveis lutas, sustentadas nas ancestralidades e na certeza de que há outros mundos possíveis. A esperança que se renova em cada luta, em cada movimento, em cada ato de resistência dos povos e comunidades indígenas é facho de luz, que ilumina e orienta também a nossa missão.
Na construção de um projeto de vida em plenitude para os povos originários, sofremos a dor de ver assassinados tantos líderes indígenas e também tantos missionários e missionárias. Neste momento de celebração dos 50 anos do Cimi, lembramos muitos nomes desses mártires na memória e no coração. Tantas vidas indígenas são ceifadas, ano a ano, pela ação ou omissão do Estado brasileiro. Cada um e cada uma marcaram os 50 anos do Cimi e estão inscritos “no livro da vida” (Apc 13,8).
Nesse manifesto agradecemos, sobretudo:
– aos povos indígenas, que nos ensinaram a viver na alegria de uma “sobriedade feliz” (Laudato Si, 224s) e resistir ao colapso ambiental;
– aos nossos mártires, que assumiram a missão com todos os riscos que ela implica e que deram sua vida pela causa indígena;
– à CNBB, que nos deu o amparo institucional para navegar contra as correntezas destrutivas e excludentes em tempos de autoritarismo e que assume conosco, no tempo presente, o compromisso com a defesa da justiça, da dignidade e da vida dos povos originários;
– aos movimentos sociais, instituições e entidades, no Brasil e no exterior, que comungam da mesma mística, esperança e resistência e cooperam, articulam e se somam à luta dos povos indígenas por seus direitos, especialmente às suas terras.
Os povos indígenas, quando se preparam para iniciar uma luta importante, vinculada aos seus projetos de vida, inscrevem com tintas suas ancestralidades nos corpos, invocam seus guardiões e as forças espirituais que guiam e guardam seus caminhos, cantam, dançam, ritualizam o conflito que se anuncia e a força do estar junto, do agir coletivo. Nossa mística se inspira nas espiritualidades plurais dos povos indígenas, fazendo frente ao individualismo e às imposições de uma sociedade de consumo privilegiado, de acumulação e aceleração.
Também a nossa fé no Deus da Vida é uma instância crítica que inspira horizontes de libertação e razões de esperança. A nossa mística é militante. A causa indígena nos coloca no centro de um furacão de conflitos: a redistribuição dos bens acumulados, o reconhecimento de privilégios estruturais e o reconhecimento da alteridade. A mística que sustenta nossa militância nos permite sonhar a socialização de todos os latifúndios – o latifúndio da terra, do capital e do saber – e replantar os sonhos dos povos indígenas e dos pobres nas rachaduras do sistema.
A missão do Cimi, que no silêncio e na solidão da ditadura militar, assumiu, em 1972, a dívida histórica da Igreja Católica com os povos indígenas, continua. Não vamos “cair na tentação de virar a página” (Fratelli Tutti 249).
Desde sua primeira Assembleia Geral, em 1975, o Cimi assumiu seis prioridades que, até os dias atuais, orientam sua atuação. São elas: Terra; Cultura; Autodeterminação; Encarnação/inculturação como descolonização das práticas pastorais; Conscientização; Pastoral Global como pastoral indigenista específica, integral, contextual, universal, libertadora.
Depois de 50 anos, o horror não passou. Lembramos do ocorrido na área indígena Tanarú, onde o seu último sobrevivente, depois de encontrado morto, teve seu corpo vilipendiado. Que sua terra seja demarcada e protegida, em memória do martírio desse povo.
A violência contra os povos indígenas intensificou-se e tornou-se um combate cotidiano contra seus espaços, suas terras, as florestas que as recobrem, a vida que pulsa em todas as suas expressões. Em nome de um projeto desenvolvimentista e de uma acumulação capitalista sem precedentes, devastam-se os territórios, incendeiam-se as matas, exterminam-se os animais, contaminam-se as fontes de água, profanam-se os espaços sagrados, perfura-se o corpo da terra-mãe em busca de minérios.
Contra esse projeto de morte, a missão do Cimi e de seus aliados continuam sendo a de assumir com coragem e profetismo a defesa da causa dos povos indígenas. O Cimi renova seu compromisso de seguir, junto a esses corpos ancestrais de sonhadores e lutadores indígenas, num caminhar contínuo, esperançoso, compartilhado, solidário, comprometido com o Bem Viver e com a construção de um outro mundo possível.
Dedicamos tempo no Congresso dos 50 anos do Cimi para fazer memória, para celebrar, para refletir sobre nosso caminhar coletivo, para assumir nossas fragilidades, para reconhecer os desafios do tempo futuro. Dedicamos tempo para os abraços, os afetos e os sorrisos. E dedicamos tempo para mirar o horizonte que guia nossos passos, com memória e compromisso, esperançando a causa indígena: hoje, como há 50 anos, esperançar é ato revolucionário e profissão de fé.
Luziânia/GO, 10 de novembro de 2022.
Conselho Indigenista Missionária – Cimi
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Terceiro dia do Congresso de 50 anos do Cimi, realizado em Luziânia entre os dias 8 e 10 de novembro de 2022. Foto: Hellen Loures/Cimi