Referência na formação de pessoas do campo, Centro de Formação Paulo Freire foi atacado com fogo e pichações de “mito” e suásticas, em Caruaru (PE), mesma cidade onde “patriota” se pendurou em caminhão
Por Gil Luiz Mendes, na Ponte
No meio da madrugada do último domingo (13/11), Jaime Amorim, 62 anos, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), foi chamado com urgência. É que parte do Centro de Formação Paulo Freire, uma escola do movimento fica dentro do Acampamento Normandia, em Caruaru, no agreste pernambucano, estava em chamas.
Só depois que as chamas foram apagadas pelo Corpo de Bombeiros é que deu para perceber que aquele não era um incêndio comum. Espalhadas pelas paredes do local estavam pichações com a palavra “mito”, em referência ao atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), e desenhos de suásticas, principal símbolo do nazismo.
“Eles também colocaram fogo em parte da casa da coordenadora do centro e tentaram incendiar uma motocicleta, mas não conseguiram. Nós vimos que estavam de longe observando o prédio pegar fogo. Eram pessoas que usavam camisas amarelas”, detalha Jaime Amorim. “Esse ataque mostra que os bolsonaristas não querem entregar o jogo e admitir que perderam as eleições”, completa. O MST é um antigo aliado do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de um dos principais movimentos sociais do país.
Pichação nazista feita dentro do Centro de Formação Paulo Freire | | Foto: MST
Foi também nas imediações da cidade de Caruaru que o empresário bolsonarista Junior Peixoto, o “patriota do caminhão”, se agarrou a um caminhão e andou por alguns quilômetros grudado ao para-brisas do veículo, em 2 de novembro. A cena do homem com camiseta amarela pendurado no caminhão viralizou pelas redes sociais e se tornou um dos símbolos dos protestos antidemocráticos que ocorrem no país desde que Bolsonaro foi derrotado nas urnas por Lula.
“O que está ocorrendo é muito ruim para a nossa democracia. São pessoas que se identificam com o nazismo. Isso é muito grave inclusive para a segurança nacional”, opina Jaime Amorim. “Eu creio que grande parte das pessoas que votaram no Bolsonaro não são favoráveis a esses ataques violentos, mas teremos que conviver com essa parcela mais radicalizadas e que são estimuladas pelo núcleo do bolsonarismo. Acho que veremos ainda alguma ações desses ditos lobos solitários”.
Segundo o dirigente do MST, o governador de Pernambuco Paulo Câmara pediu celeridade nas investigações e na segunda-feira (14/11) policiais civis estiveram no local para dar início às investigações.
Esse foi o primeiro ataque concreto que o acampamento recebeu desde sua fundação em 1998. Porém, em outubro de 2019, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Advocacia Geral da União (AGU) entraram com um processo de reintegração de posse para tentar tirar o movimento do local, após mais de vinte anos de atividade que vão da agricultura à educação.
“A ocupação da Fazenda Normandia ocorreu no dia 1º de maio de 1993. O espaço era propriedade de servidor público federal que usava as terras apenas para especulação. Depois de quatro anos de luta foi decretada que a área era improdutiva e seria destinada à reforma agrária. Recentemente o governo Bolsonaro tentou nos atacar através da burocracia para nos intimidar, mas continuamos resistindo”, detalha Amorim.
Fachada do Centro de Formação Paulo Freire, antes do ataque | Foto: MST
Hoje o Centro de Formação Paulo Freire é referência na formação de pessoas do campo e tem parcerias com instituições de ensino superior, como a Universidade Federal Rural de Pernambuco, no programa de pós-graduação em questões agrárias. O Acampamento Normandia também abriga três agroindústrias que trabalham em cooperativa para escoação da sua produção.
“Esse tipo de ataque não vai fazer a gente parar. Isso nos faz querer mais elevar o nível de formação que damos aqui no Centro Paulo Freire. Acredito que, mesmo com esses episódios de violência, o país está caminhando. A gente percebe que a transição do governo está sendo feita, apesar de todos esses ações antidemocráticas”, defende Jaime Amorim.
Outro lado
A Ponte entrou em contato por email com a assessoria de imprensa da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno.
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