Como o racismo faz parte do seu cotidiano? Por Gil Luiz Mendes

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Não tenho como saber o recorte racial da audiência da Ponte, mas esse texto, que você recebe um dia antes de mais um 20 de novembro, é para pessoas brancas. A data da Consciência Negra existe por conta do racismo, que no nosso país é estrutural, e foi inventado por vocês, brancos.

A cena se repete quase todos os anos. Chega o penúltimo mês do calendário, e empresas e organizações das mais variadas se prontificam a debater a chaga mais exposta resultante dos anos de exploração de pessoas vindas de África. É o momento que pedem para que pessoas da minha cor falem sobre como é ser negro, o que precisa ser feito para combater o racismo, dentre outros temas.

Acredito que é natural a curiosidade de quem nunca sentiu o racismo lhe atravessar. Porém, eu como negro gostaria muito de saber como uma pessoa se sente ao saber que seus iguais nos perseguem e nos matam. Como vocês reagem ao saber que pessoas que têm a mesma cor que vocês processam pessoas pretas que ousaram chamar racistas pelo nome que os cabem, como noticiamos esta semana.

Como vocês, brancos, lidam com a informação de que ninguém da sua cor morreu pelas mãos da polícia no Recife no ano passado, como mostrou a pesquisa Pele Alvo: A Cor que a Polícia Apaga, feita pela Rede de Observatórios da Segurança? Pergunto porque fazer essa matéria me tocou como negro e pernambucano. Faço esses questionamentos de forma sincera porque sei que o racismo também pode os atingir de forma muito direta.

Não faz mais que um mês que eu estava na praça em frente ao edifício onde o humorista Eddy Jr foi vítima de racismo, perseguição e ameaça de morte feita por uma vizinha e seu filho no bairro da Barra Funda, em São Paulo. Umas das primeiras a chegar no local marcado para uma manifestação organizada por pessoas negras era uma mulher loira de cabelos muito lisos.

Ela estava acompanhada pelo advogado Ewerton Carvalho, uma das lideranças daquele ato. Ela me foi apresentada como também advogada que estava ali para dar suporte caso fosse preciso durante o protesto. Confesso que tive preconceito. Uma mulher branca e rica naquele espaço me causou estranheza.

Alguns poucos dias depois, eu estava ao telefone com a mesma mulher. Ela me disse que seu filho de 15 anos foi vítima de racismo em um grupo de alunos de um dos colégios mais caros do Brasil. Ali eu vi que Thaís Cremasco se parecia muito com a minha mãe e lembrei que mulheres brancas sofrem com o racismo que seus filhos negros são vítimas.

No começo dos anos 1990, Dona Conceição Mendes foi abordada na praça de alimentação de um shopping por uma mulher desconhecida que a olhava com espanto para ela e para criança que estava ao seu lado. Sem nenhuma cerimônia ou pudor ela lançou a pergunta/ofensa: seu filho é adotado?

Minha mãe foi testemunha e vítima ao mesmo tempo da primeira vez que, mesmo sem eu entender, o racismo me atingiu. Hoje faz sentido para mim a cena da minha mãe chorando em casa contando o episódio para uma tia minha logo que chegamos em casa.

A data deste domingo além de ser um momento de visibilidade da causa racial e de orgulho para o povo negro, é momento para que a branquitude ponha a mão na consciência e se questione como o racismo também faz parte do seu cotidiano.

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