Fabio Mazzitelli (Unesp)*, Agência Fiocruz de Notícias
Em artigo publicado (21/11) na revista científica The Lancet Regional Health Americas (da Elsevier), pesquisadores da Fiocruz, do Observatório Covid19 BR, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade de São Paulo (USP) fizeram uma análise estatística apurada para dimensionar, em números, o papel fundamental da vacinação em massa contra a Covid-19 e a eficácia desta estratégia sanitária implementada em meio a muita desinformação e hesitação ao longo da crise sanitária instalada no Brasil. O estudo indica que, em estimativas consideradas conservadoras pelos autores, as vacinas contra a doença causada pelo Sars-CoV-2 salvaram de 54 mil a 63 mil vidas de idosos com 60 anos ou mais de janeiro a agosto de 2021. Neste mesmo período, a imunização também evitou de 158 mil a 178 mil internações de idosos nos hospitais brasileiros.
Intitulado Estimating the impact of implementation and timing of the Covid-19 vaccination programme in Brazil: a counterfactual analysis, o estudo vai além de quantificar o número de vidas salvas pelas vacinas no Brasil. A análise dos pesquisadores construiu outros dois cenários para dimensionar quantas vidas poderiam ter sido salvas e quantas hospitalizações poderiam ter sido evitadas caso a vacinação em massa contra a Covid-19 começasse com o ritmo de aplicação de doses mais acelerado, como o verificado quatro e oito semanas depois da data inicial da imunização, em 18 de janeiro de 2021. Esses cenários são descritos como de moderada e alta aceleração da imunização, respectivamente.
Embora tenha iniciado em janeiro, a imunização no Brasil foi ganhando escala aos poucos: 250 mil doses por dia foram atingidas entre fevereiro e março, o patamar de 500 mil doses diárias foi alcançado entre abril e maio e o ritmo de 1 milhão de doses por dia se consumou em junho de 2021. Se o ritmo de aplicação de doses da campanha de imunização fosse aquele verificado oito semanas depois de seu início, por exemplo, o número de mortes de idosos poderia ter sido de 40% a 50% menor em relação àquele observado no pico da variante de preocupação (VOC) Gama do Sars-CoV-2, segundo o estudo. As estimativas indicam que outras 47 mil vidas de idosos poderiam ter sido salvas e aproximadamente um adicional de 104 mil hospitalizações poderia ter sido evitado num cenário de maior aceleração das imunizações.
Coautor do estudo e pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz, Marcelo Gomes fala sobre a análise publicada em artigo.
Para chegar a estes números, os pesquisadores se concentraram nos primeiros meses em que as vacinas começaram a ser aplicadas no país e nas faixas etárias dos idosos, os primeiros a completarem o esquema vacinal pelo calendário do programa de imunização. Ao traçarem a curva de mortes e hospitalizações por Covid-19 na população brasileira, sobrepondo-a à curva similar nos grupos de idosos que estavam sendo imunizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2021, ficou evidente a correlação positiva entre vacinação e prevenção de mortes e casos graves: quanto mais crescia a cobertura vacinal nos idosos, mais se reduzia o impacto da Covid-19 nesses grupos com 60 anos ou mais.
Com o modelo de análise contrafactual construído, assumindo que a imunização está diretamente relacionada à queda de casos graves e mortes e que a exposição à infecção pelo Sars-CoV-2 era a mesma para todas as faixas etárias ao longo do período analisado, foram construídos cenários distintos de forma a compará-los com um suposto cenário de ausência total de imunização. Daí foi possível observar uma redução de aproximadamente 35% nas internações hospitalares de idosos de janeiro a agosto de 2021. Tomando-se por base que cada pessoa hospitalizada teve, durante a pandemia, um custo médio no Brasil de US$ 12 mil, evitar de 158 mil a 178 mil internações representou uma economia estimada em uma faixa de valores de R$ 1,9 bilhão a R$ 2,1 bilhões ao sistema de saúde, impacto comparado pelos pesquisadores no artigo aos US$ 2,2 bilhões investidos em imunizantes pelo país no período analisado, até agosto de 2021.
“Nosso modelo parte do princípio de que o comportamento da epidemia, nas diversas faixas etárias, é o mesmo. Não no sentido que eles tenham o mesmo número de casos, mas que eles têm o mesmo comportamento de subida e descida, mais ou menos no mesmo momento. Se a gente pega uma faixa etária que não está recebendo a vacina naquele momento e compara com uma faixa etária que está recebendo a vacina, há diferença neste comportamento. O número de casos graves em idosos começou a descer, enquanto o número de hospitalizações em pessoas mais jovens continuava a subir. Este comportamento é devido à vacinação naquela população. Esta é a variável explicativa para a diferença entre essas duas faixas etárias”, diz o pesquisador Leonardo Souto Ferreira, primeiro autor do artigo e pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp. “O fato de as vacinas terem feito diferença é algo incontestável”.
Mais vidas poderiam ter sido salvas
A disseminação da variante Gama foi marcada por uma dramática crise sanitária em Manaus, no Amazonas, em janeiro do ano passado e determinou atitudes mais extremas por parte de alguns agentes públicos, como o lockdown decretado em fevereiro na cidade de Araraquara (SP). “Ainda que não pudéssemos evitar a emergência da variante Gama, visto que ela surgiu em novembro e as vacinas foram disponibilizadas em janeiro, uma vacinação rápida poderia diminuir consideravelmente o pico de hospitalizações e óbitos, especialmente entre idosos e principalmente nos estados em que a Gama demorou um pouco para chegar”, afirma a pesquisadora Flávia Maria Darcie Marquitti, do Instituto de Física Gleb Wataghin e do Instituto de Biologia, ambos da Unicamp.
O estudo destaca que, em meados de 2021, a imunização da população brasileira cumpriu um “papel decisivo” para impedir uma nova onda severa de hospitalizações e mortes quando outra variante de preocupação do Sars-CoV-2, a Delta, começou a se disseminar pelo país e tornar-se predominante. Àquela altura, a vacinação já estava em ritmo bastante acelerado, similar ao de campanhas anteriores, como na aplicação de doses contra o vírus H1N1 em 2010, quando o SUS vacinou 88 milhões de pessoas em três meses. “Quando a Delta chegou, encontrou dificuldade maior de circular”, explica Marcelo Gomes, coautor do estudo e pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz.
Os pesquisadores destacam que a vacina de primeira geração contra a Covid-19 permite que o nosso organismo aprenda sobre determinado vírus sem que a pessoa sofra o impacto da infecção trazida por ele, evitando o risco de agravamento e de morte. “Isso precisa ficar muito claro para a nossa população. As vacinas têm um impacto social tremendo, não só direto quanto indireto. Quanto menor número internações, melhor podemos alocar os recursos para atender aqueles que ainda assim acabam agravando ou que sofrem de outras doenças”, pontua Marcelo.
Apesar de o estudo se concentrar na população acima dos 60 anos, para os pesquisadores ele dialoga com a questão da vacinação infantil. Aprovada na segunda quinzena de dezembro de 2021, a imunização do público de 5 a 11 anos foi iniciada na segunda quinzena de janeiro de 2022, coincidindo com o pico da variante Ômicron. “Se tivéssemos conseguido iniciar a vacinação infantil já em dezembro, teríamos tido um saldo extremamente positivo do público de 5 a 11 anos”, observa Marcelo. “A vacinação infantil tem sido lenta porque se criou uma série de questionamentos infundados a respeito da segurança da vacina, o que acabou gerando o que chamamos de hesitação vacinal, ou seja, parte da população ficou em dúvida em relação à segurança e eficácia do imunizante”, acrescentou.
Desde o início da pandemia, em março de 2020, a Covid-19 já causou a morte de cerca de 689 mil pessoas no país.
*Colaborou Cristina Azevedo, da Agência Fiocruz de Notícias (AFN).
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Imagem: Reprodução ISA