Dossiê Pandemia vê o SUS diante do ativismo dos mercados

Documento lançado na semana passada pela Abrasco reúne análises de dezenas de pesquisadores e debate legados e perspectivas da crise sanitária. Em suas páginas, fica clara a incompatibilidade entre saúde pública e neoliberalismo

Por Gabriel Brito, Outra Saúde

Após reunir milhares de pessoas em centenas de oficinas, debates e apresentação de pesquisas, o 13º Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva entrega uma relevante contribuição a toda a sociedade. Trata-se do Dossiê Abrasco da Pandemia de Covid-19, documento escrito em conjunto por dezenas de pesquisadores e profissionais do campo da saúde, dividido em três partes que somam 315 páginas.

“O Dossiê sobre a covid-19 nos chega em um momento decisivo para debatermos os legados e as perspectivas da pandemia. Ao mobilizar seus associados, que atuam nas várias disciplinas da Saúde Coletiva, a Abrasco nos apresenta uma análise técnica e política que é, ao mesmo tempo, profunda e abrangente. Uma reflexão fundamental para aprendermos com o passado e nos prepararmos melhor para as emergências sanitárias do futuro”, afirma Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, na apresentação do documento.

O Dossiê se divide em três grandes capítulos, que se desenvolvem em subtemas associados. São eles: 1) A emergência da covid-19 em um país desigual e injusto; 2) A gestão da pandemia no Brasil em toda sua complexidade; 3) Lições aprendidas e desafios pós-pandemia.

O estudo conecta a realidade brasileira com a mundial, ao destacar que mesmo nos países líderes do capitalismo, os sistemas de saúde não estiveram à altura das necessidades impostas pela pandemia. E o motivo é um só: a “razão de mundo” neoliberal que hegemoniza as relações políticas, sociais e econômicas globais. São décadas de desmonte do chamado bem-estar social.

“Uma análise da Organização Mundial de Saúde (OMS), referente ao período imediatamente anterior à pandemia, registrou que os países apresentavam como principais fragilidades: insuficiência das ações de vigilância, monitoramento e gerenciamento de risco; ausência ou inadequação da comunicação de risco; inexistência de uma rede global de vigilância genômica; deficiências dos sistemas nacionais de saúde em relação à assistência aos infectados e aos enfermos, incluindo a proteção dos trabalhadores de saúde; incapacidade de assegurar a provisão adequada de medicamentos, equipamentos e insumos, destacando-se o acesso equitativo a vacinas”, informa o dossiê.

Dessa forma, a pandemia apenas pôs a nu o reflexo de um modelo de governança global que prioriza formas pouco produtivas, ambientalmente destrutivas e até fictícias de acumulação privada de capital, dentro do qual os Estados são meros balcões de negócios onde oligarquias colocam a vida a serviço dos movimentos e instintos dos mercados financeiros. Não à toa um país como a Espanha se depara com fuga de médicos e imensas manifestações em favor do sistema público de saúde.

No Brasil não é diferente e, mesmo quando estamos diante de um razoável acordo social em favor de aumento dos investimentos no SUS, o cerco ideológico neoliberal, desproporcionalmente amplificado pela mídia empresarial, continua a tentar impor condições que em nada se referem às necessidades objetivas dos usuários de serviços de saúde.

É evidente que o contexto específico brasileiro, que enfrentou a pandemia sob a administração de um neofascista que combateu as posições respaldadas pela ciência com afinco, ampliou as nossas adversidades. Morreu-se muito acima da média no Brasil de Bolsonaro, Pazuello e uma classe médica politicamente alinhada. Mas ainda há pandemia e neoliberalismo em nosso cotidiano. O vírus não desapareceu. A ditadura dos mercados tampouco. Como é consenso no campo da saúde, devemos também nos preparar para novas epidemias globais.

“O combate à covid-19 requer o aprofundamento da democracia e de relações virtuosas entre direitos individuais e coletivos, esses últimos de reconhecimento tardio, mas de importância crucial para o futuro da humanidade. De fato, só será possível construir projetos orientados por mais equidade, justiça e cidadania ao fortalecer a dimensão política das relações sociais. São esses valores que devem orientar o esforço interdisciplinar e as consequentes respostas a serem dadas frente à crise sanitária, econômica, social e humanitária que abalou o mundo neste início de século XXI”, sintetiza o documento.

Não se trata de meros apontamentos ideologicamente motivados, como costumam atacar os teóricos neoliberais a respeito de tudo que contrarie seus objetivos privatistas. “São os principais autores e autoras da Saúde Coletiva no Brasil. São muitas vozes, que tratam dos legados e perspectivas para tratarmos emergências catastróficas como esta que ainda vivemos”, completa Rômulo Paes, vice-presidente da Abrasco e editor do dossiê.

Você pode acessar por aqui o Dossiê Abrasco da Pandemia de Covid-19.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

três + sete =