Povo Akroá Gamella, do Piauí e do Maranhão, realiza Encontro Cultural e Ancestral

O encontro ocorreu entre os dias 18 e 20 de novembro, na Aldeia Laranjeiras, município de Currais (PI); estiveram presentes representantes de outros povos e instituições voltadas à causa indígena

POR JESICA CARVALHO, ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL MARANHÃO

Histórias de resistência e luta, cultura e ancestralidade estiveram entre os temas do I Encontro Cultural e Ancestral do povo Akroá Gamella, dos estados do Piauí e do Maranhão. O evento ocorreu entre os dias 18 e 20 de novembro, na aldeia Laranjeiras, município de Currais, sudoeste do estado do Piauí, a 619 km da capital Teresina. Na oportunidade, participaram, também, indígenas dos povos Tabajara e Tukano.

O encontro contou, ainda, com representantes do curso de Educação do Campo, do campus de Bom Jesus, e do Curso de Ciências Sociais, do campus de Teresina, da Universidade Federal do Piauí (UFPI); do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regionais Nordeste e Maranhão; da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME); da Fundação Nacional do Índio (Funai); da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PI); do Observatório de Conflitos Socioambientais do Matopiba; entre outras instituições voltadas à causa indígena.

A ocasião é fruto do desejo de reencontro do povo Akroá Gamella, disperso no Vale do Rio Uruçuí Preto, desde o século XVII, com a invasão dos colonizadores criadores de gado, da família Dávila Torres. O encontro teve como objetivo o fortalecimento da luta deste povo contra os conflitos violentos que vêm acontecendo nas comunidades indígenas do Piauí, além do intercâmbio cultural entre os Akroá Gamella presentes nos estados do Piauí e do Maranhão.

De acordo com Maria do Socorro Silva, professora da UFPI, o encontro é uma das ações do Projeto “Ancestralidade Gamella”, aprovado junto à Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), que visa o fortalecimento da luta do Povo Akroá Gamella. O momento contou também com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Nesse projeto, um dos propósitos é o reencontro, as aproximações com o povo Akroá Gamella do sudoeste do Piauí, incluindo os Akroá Gamella do Maranhão”, enfatizou.

“Nesse projeto, um dos propósitos é o reencontro”

“Esse encontro é fundamental para reafirmar os direitos dos povos Akroá Gamella do Piauí e do Maranhão, referentes à demarcação da terra, à educação e à saúde indígena e, principalmente, para fortalecer a organização e a autonomia desse povo”, acrescentou Maria do Socorro Silva.

As atividades do encontro foram iniciadas com uma audiência pública realizada na Câmara de Vereadores do município de Currais (PI). A audiência tratou sobre a presença do povo Akroá Gamella, do Piauí; as violências que eles vivem devido à expansão do agronegócio no sul do estado com a produção de monoculturas, como a soja; e as lutas de enfrentamento e de resistência dessas comunidades indígenas nos municípios de Currais, Santa Filomena, Uruçuí, Bom Jesus e Baixa Grande do Ribeiro, todos localizados no Piauí.

“A presença do povo indígena, neste espaço, é a manifestação de que o projeto de morte dos colonizadores não alcançou seu fim”, afirmou Kum’tum Akroá Gamella, da Terra Indígena (TI) Taquaritiua, no estado do Maranhão. Os vereadores presentes firmaram o compromisso de apoiar os indígenas na luta pela efetivação dos seus direitos.

“A presença do povo indígena, neste espaço, é a manifestação de que o projeto de morte dos colonizadores não alcançou seu fim”

O primeiro dia foi finalizado com a roda de conversa “Ancestralidade e resistência indígena na demarcação da terra”, que discutiu os processos de regulação fundiária em tramitação na Funai. A demarcação das terras indígenas é um processo de suma importância para a vida dos povos originários, pois, com os seus direitos territoriais garantidos, os indígenas têm espaço para expressar suas identidades, culturas e preservar os seus modos de vida.

As rodas de conversas do segundo dia continuaram a discussão sobre a demarcação dos territórios, a partir do tema “Demarcação ou regularização: Direito Originário à terra do povo Akroá Gamella”, além de temáticas como os “Elementos de resistência do povo Akroá Gamella” e a “História e memória ancestral do povo Akroá Gamella: aproximações e reencontros”.

Neste segundo dia, os participantes revisitaram a memória coletiva deste povo, por meio do desenho do rio Uruçuí Preto, região que ainda vive o povo Akroá Gamella no Piauí, e reconectaram-se a partir dos relatos das comunidades, presentes nos dois estados, sobre as histórias de expulsão, de violência, de silenciamento e de dispersão que, até então, atinge os territórios.

Para Pjihcre Akroá Gamella, da TI Taquiritiua, o reencontro com o povo do Piauí foi um momento repleto de trocas de experiência e de aprendizagem. “Quando nos juntamos, ganhamos força de todas as formas, juntando o corpo a corpo e o calor dos parentes”, explicou.

“Quando nos juntamos, ganhamos força de todas as formas, juntando o corpo a corpo e o calor dos parentes”

“Há muito tempo nós viemos fazendo a busca desses parentes e agora nos reencontramos com a intenção de fortalecer a nossa luta como povo e pela nossa terra. Quando falamos em povo, falamos em compartilhar, de companheirismo, de força e de ancestralidade”, ressaltou Pjihcre Akroá Gamella.

O último dia, no domingo (20), foi iniciado com a corrida de flecha e as trocas de presentes – cuias, cabaças, colares – e de nomes originários. Em seguida, foi tratada da organização política e territorial do povo Akroá Gamella. O encontro foi finalizado com os encaminhamentos, momento em que os participantes teceram uma organização entre o povo dos dois estados para seguir lutando pela regularização do território e para o fortalecimento cultural.

“Esse encontro para a comunidade Laranjeiras, que está nesse processo de retomada, foi muito importante e mostrou ser maior do que prevíamos, pois tratamos, aqui, de pautas importantes juntamente com o povo do Maranhão e com os povos dos territórios vizinhos no sudoeste do Piauí e com as demais entidades participantes”, afirmou José Wilk Akroá Gamella.

Ainda segundo José Wilk, o encontro possibilitou ao povo Akroá Gamella, do Piauí, uma retomada da sua própria história. “O encontro para o território marcou a presença do nosso povo e revelou tudo aquilo que foi, um dia, invisibilizado e que tentaram nos calar e silenciar. Mas, agora, a nossa voz veio bem forte e com muita gente”, ressaltou.

“O encontro para o território marcou a presença do nosso povo e revelou tudo aquilo que foi, um dia, invisibilizado”

A antropóloga e professora da UFPI, Carmen Lima, apontou que o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia trouxe contribuições significativas para o mapeamento do povo Akroá Gamella no Piauí e o seu reencontro com o povo do Maranhão.

“O mapeamento, a definição dos mapas e as legendas foram feitos pelo povo Akroá Gamella, inclusive as legendas foram feitas pelas crianças”, explicou a professora, acrescentando que “apesar de estarem separados geograficamente, o povo Akroá Gamella sempre esteve junto com a força dos seus encantados”, evidenciou.

Já Meire Diniz, missionária do Cimi Regional Maranhão, destacou que o encontro fortalece as ações da entidade no acompanhamento que é realizado ao povo Akroá Gamella do estado desde 2012. “O Cimi esteve sempre envolvido nesse processo de memória, ancestralidade, encontro e reencontro internamente, contribuindo com a organização, no aprendizado da língua materna e em outros processos que o povo daqui realiza. Então, o reencontro com o povo do Piauí só fortalece a luta desse povo indígena, que foi sempre inviabilizado e que agora busca essa vivência fraterna”, definiu.

“Voltaremos às nossas aldeias com a certeza de que nunca mais ninguém irá nos separar. Somos uma grande nação! Somos povo das águas!”, proclamaram os indígenas Akroá Gamella ao som dos maracás e tabocas, como manifestação ao final do Encontro.

Povo Akroá Gamella, do Piauí e Maranhão, se reuniram em encontro entre os dias 18 a 20 de novembro. Foto: Cruupyhre Akroá Gamella

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