A Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil), do Cimi, se reuniu entre os dias 26 de novembro e 1 de dezembro, no Maranhão; durante o encontro, foi analisado o cenário desses povos perante o novo governo
A Equipe de Apoio aos Povos Livres (EAPIL), do Conselho Indigenista Indigenista Missionário (Cimi), se reuniu entre os dias 26 de novembro e 1 de dezembro com o objetivo de definir quais serão os próximos passos para continuar o levantamento de vestígios dos povos em situação de isolamento voluntário. O encontro ocorreu em São Luís do Maranhão (MA).
Logo no primeiro dia, foi realizada uma socialização entre integrantes dos Regionais do Cimi na Amazônia que atuam, diretamente, na defesa dos povos em situação de isolamento voluntário. Em seguida, foi feita uma análise de conjuntura, destacando, nesse momento, como será o cenário desses povos perante o governo Lula.
De acordo com Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi Regional Maranhão, e membro da Eapil “o objetivo da Eapil é sistematizar informações já existentes e fazer um trabalho de campo para levantar novos elementos sobre a realidade dos povos indígenas isolados, identificando as situações de maior risco. Dessa forma, conseguimos exigir a devida proteção junto ao poder público”.
“O objetivo da Eapil é sistematizar informações já existentes e fazer um trabalho de campo para levantar novos elementos sobre a realidade dos povos indígenas isolados”
Gilderlan afirmou, ainda, que a reunião é uma prática da equipe para sistematizar as inúmeras notícias que denunciam os riscos que esses povos correm, inclusive o da ameaça de extinção.
Povos indígenas em situação de isolamento
Os povos indígenas em situação de isolamento estão localizados na Amazônia, na região do Grande Chaco paraguaio, entre outras partes do mundo. Esses povos decidiram, por diferentes razões, se desfazer das relações que mantinham com as sociedades nacionais e, até mesmo, com outros povos indígenas.
Atualmente, de acordo com a Eapil, existem aproximadamente 150 grupos de povos em situação de isolamento no mundo, sendo que dos 127 localizados na América do Sul, 117 encontram-se no Brasil. Na Amazônia, esses povos estão presentes no Brasil, no Peru, no Equador, na Colômbia, na Bolívia e na Venezuela.
De acordo com a Eapil, a denominação “isolados” não é a mais adequada para nos referirmos a esses indígenas. “O uso dessa denominação se dá tão somente por falta de uma conceituação que os identifica de forma apropriada. Esses povos mantinham relações, como é próprio de todas as civilizações, com outros povos indígenas e com sociedades, no passado. Mas, por algum motivo, decidiram se isolar”.
“São conhecidos também como povos ‘sem contato’, ‘em situação de isolamento voluntário’, ‘autônomos’ ou ‘livres’. São testemunhas da presença originária dos povos indígenas no continente e, portanto, anteriores aos estados nacionais, sobreviventes da violência dos conquistadores, que se reproduz até os dias atuais”, segue a explicação da Eapil sobre os povos indígenas em situação de isolamento voluntário.
“São testemunhas da presença originária dos povos indígenas no continente e, portanto, anteriores aos estados nacionais, sobreviventes da violência dos conquistadores”
A Eapil diz, ainda, que, para entender a vontade e escolha desses povos pelo isolamento, deve ser considerada a autonomia, evitando relações de dominação ou de conflitos que possam desencadear desequilíbrios internos às comunidades.
Ameaças
A violência contra os povos indígenas no Brasil não é algo que estacionou no passado. Aliás, muito pelo contrário. Com o governo Bolsonaro (2018 – 2022), esse cenário ficou ainda mais dramático com a retirada de direitos – como o direito à saúde, à educação e ao território –, e com os constantes ataques feitos por ruralistas, madeireiros, garimpeiros, pescadores e grandes empresários contra os indígenas.
Outro aspecto que potencializa a situação de vulnerabilidade, acentuando a violência contra os povos indígenas isolados, é a publicação das portarias de restrição de uso, ou seja, terras indígenas não demarcadas, onde há presença de índios isolados por apenas três meses.
Nesses dias de encontro, a Eapil concluiu que essa onda de violência continua perseguindo os sobreviventes dos povos que optaram por viver em situação de isolamento. Nesses dias de reuniões, foi lembrado também a respeito do cenário de violência e ameaças no chamado “arco do desmatamento”, que percorre os estados do Maranhão, Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
“A exploração madeireira e o desmatamento, seguidos da ocupação da terra pelo gado e pelos monocultivos do agronegócio fazem desaparecer todo e qualquer vestígio de presença humana anteriormente identificada naqueles locais. Além disso, eliminam as provas de massacres recentemente praticados contra esses povos indígenas”, afirma a Eapil.
“A exploração madeireira e o desmatamento, seguidos da ocupação da terra pelo gado e pelos monocultivos do agronegócio fazem desaparecer todo e qualquer vestígio de presença humana”
“A volta dos grandes projetos de infraestrutura governamentais na Amazônia, implementados por meio da IIRSA [Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana], que visa facilitar o acesso para o uso e exploração dos recursos naturais da região, associam-se à lógica predatória em curso, restringindo ainda mais os espaços de refúgio dos povos isolados”, conclui.
Os trabalhos continuam
Ao final do encontro, os integrantes da Eapil construíram um planejamento de atividades previstas, em âmbito nacional e internacional, para o próximo ano.
Diante dos levantamentos e diálogos, foi definido que haverá um foco prioritário aos povos Piripkura, do Rio Pardo (MT), e Xinane, do Acre. Ambos têm sido alvos constantes de madeireiros e grileiros – entre outros tipos de invasores. Outro trabalho a ser realizado será o levantamento dos impactos nos territórios indígenas onde vivem os povos isolados, devido à construção da estrada de Cruzeiro do Sul a Pucallpa, no Peru, bem como de uma hidrovia.
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Invasão possessória na TI Piripkura, onde vivem indígenas em isolamento voluntário, registrada em julho de 2021. Foto: Christian Braga/Greenpeace