A hipótese do orçamento participativo nacional. Por Selvino Heck

E se, no lugar de emendas controladas pelo interesse fisiológico, destinadas a beneficiar reeleições, a decisão popular fosse priorizada? Experiência em Porto Alegre, que dá voz ao povo – e é exemplo internacional – pode inspirar Lula

No Sul21/Outras Palavras

Sábado, 03 de dezembro de 2022, tive a alegria, o privilégio, a honra de, mais uma vez, participar de uma Assembleia do Orçamento Participativo na Lomba do Pinheiro, Porto Alegre, Escola Villa Lobos, com centenas de moradores das vilas populares.

Lembrei das primeiras vezes em que estive na Lomba, início dos anos 1970, para visitar a comunidade franciscana da parada 13, Vila São Pedro, onde o confrade e primo Frei Arno Reckziegel foi morar no meio do povo, começando um trabalho de CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), Associações de Moradores, que continua até hoje, 2022. Quando chovia, anos 1970, o ônibus não subia a Lomba do Sabão, entrada da Lomba, porque não tinha asfalto.

Mais adiante, 1977, fui morar com Frei Arno e confrades. Nas primeiras Assembleias do OP municipal de Porto Alegre, início dos anos 1990, achávamos que o povo da Lomba, dono da decisão sobre o orçamento municipal, iria pedir, em primeiro lugar e acima de tudo, escolas, postos de saúde. Ao contrário do que pensávamos, pediu, como prioridade, asfalto nas ruas das vilas. Não queria mais ter que andar no barro para pegar o ônibus. Hoje, grande parte das ruas da Lomba do Pinheiro é asfaltada. A voz e decisão do povo foram respeitadas.

Escrevi em ´Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil´: “Nos anos 1990, fui trabalhar na Prefeitura Porto Alegre, no Orçamento Participativo: Assembleias em todos os bairros, também na Lomba do Pinheiro. O governo municipal escutava o povo diretamente, construindo o orçamento de cada ano, atendendo as-os mais pobres, trabalhadoras-es, dando-lhes vez e voz, garantindo seus direitos mais fundamentais – vida digna, alimentação, serviços públicos de qualidade -, respeitando suas decisões, construindo uma cidade humana e democrática” (Caderno de Educação Popular e Direitos Humanos, SG/PR, SDH/PR, CAMP, 2013, p. 73).

O OP ganhou o mundo. Foi o principal motivo de o primeiro FSM, Fórum Social Mundial, ´um outro mundo possível´, acontecer em Porto Alegre em 2001, OP  então também estadual, praticado e acontecendo no Estado do Rio Grande do Sul.

Hora e tempo, pois, de, em 2023, construir o Orçamento Participativo, OP, nacional, como o candidato Lula, hoje presidente eleito, anunciou na campanha. E recuperar avanços e conquistas dos governos Lula e Dilma: o combate à fome, a educação popular, a PNPS – Política Nacional de Participação Social -, com a construção do Sistema Nacional de Participação Social, o Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas, instituídos em 2014, a PNEP-SUS – Política Nacional de Educação Popular em Saúde -, de 2013, a Política de Formação da Economia Solidária, mais a quase instituída PNEP – Política Nacional de Educação Popular.

Consequência do golpe de 2016, houve o desmonte de todas estas Políticas e Programas, e do diálogo sociedade civil – governo federal. Conselhos de participação Social, Conferências, o Plano Plurianual, PPA Participativo, a RECID – Rede de Educação Cidadã – e todas as políticas de educação popular e de participação social, assim como as políticas de segurança alimentar e nutricional, de agroecologia e produção orgânica, foram extintas, ou foram colocadas em absoluto segundo plano. A elite brasileira escravocrata nunca permitiu, na frase de Frei Betto, “matar a fome de pão e, ao mesmo tempo, saciar a sede de beleza”.

O Orçamento Participativo nacional, a partir de 2023, deverá estar ligado diretamente à Presidência da República, possivelmente à Secretaria Geral da Presidência, localizada, assim,  no Palácio do Planalto, para ter força política e ser assumido pelo conjunto do governo federal.

Democracia e soberania constroem-se com participação popular, assim garantindo os direitos do povo trabalhador. O desafio de construir o OP nacional num país de dimensões continentais é grande. Mas é possível, urgente e necessário, com participação da Rede Brasileira de OP, de movimentos sociais e populares e de toda sociedade civil organizada, no exemplo histórico de participação popular e de Orçamento Participativo implantados no Brasil e outros países, contando hoje, 2023, com a ajuda e apoio das redes digitais e sociais.

Tempo, pois, de impulsionar a participação social e popular, garantir a construção de políticas públicas decididas pela população, que é quem deve dizer, e decidir, onde serão investidos os recursos e o dinheiro que são do povo, no diálogo permanente entre governo e sociedade. Uma nova agenda de democracia direta e participativa está no horizonte: na luta contra o racismo, nas lutas feministas, com as questões ambientais, na justiça tributária, com comida no prato de todas as brasileiras e todos os brasileiros, e o cuidado com a Casa Comum. O OP, Orçamento Participativo nacional, será fundamental para a democracia e a soberania de um povo livre, lutador e sonhador.

Viva a democracia! Viva a participação popular!

Selvino Heck é deputado estadual Constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).

Em 2019, escola de samba Mangueira levou à Sapucaí um enredo que reivindica para os livros “a história que a história não conta”.Foto: Richard Santos /Riotur

 

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