Precisamos olhar para a saúde das mulheres encarceradas

Pesquisa inédita revela lado pouco conhecido do aprisionamento feminino. Além do crescimento explosivo, devido a um punitivismo primitivo, ele expõe detentas a condições sanitárias dramáticas. Adivinhe que grupos sociais são os mais atingidos?

Por Gabriela Leite, em Outra Saúde

O Brasil precisa olhar para a saúde de suas mulheres encarceradas. É o que sugere um artigo elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, Estados Unidos. Eles organizaram um estudo que avaliou, em 1.327 mulheres em presídios femininos em todas as regiões do país, alguns indicadores de saúde como presença de doenças infecciosas. Entre as condições analisadas estão ISTs, doenças crônicas, fatores de risco como uso de álcool, peso e nível de sedentarismo. Uma primeira conclusão que salta aos olhos é a de que as mulheres têm mais eventos adversos à saúde do que os homens presidiários.

Este foi o primeiro inquérito nacional feito para avaliar a saúde das mulheres encarceradas no Brasil, população que cresce a um ritmo mais acelerado que os homens. Entre 2000 e 2016, o aumento foi de 656%, e estima-se que aproximadamente 38 mil mulheres estejam cumprindo penas de privação da liberdade, hoje. O artigo, publicado na última edição da revista Ciência & Saúde Coletiva, traz os principais dados coletados sobre o perfil socioeconômico e sobre a saúde, e faz uma breve análise da situação. “A maior parte da população prisional é de procedência dos estratos mais pobres da sociedade, com acesso limitado a educação, renda e serviços de saúde. Como consequência, têm uma prevalência maior de doenças infecciosas, crônicas não transmissíveis e problemas de saúde mental.”

O Brasil é o país com a segunda maior população carcerária do mundo e dentro dos presídios há um retrato de nossas desigualdades sociais e de gênero. Entre as mulheres pesquisadas, 65% eram pretas ou pardas; 60% tinham cursado no máximo até o ensino fundamental; 22% estavam desempregadas quando foram presas, enquanto 23% eram trabalhadoras domésticas; quase 30% haviam sofrido violência sexual antes de chegar ao presídio e 16% dentro dele. As prisões brasileiras também confirmam uma “feminilização” da epidemia de HIV/aids: o vírus foi detectado em 2,3% delas, taxa mais alta do que entre internos masculinos.

Entre todas as doenças examinadas, as maiores prevalências foram de hipertensão (24,2%), asma (20,1%), sífilis (11,7%) e hanseníase (7,4%). Sobre a última, o estudo conclui: “Entre [as nações em desenvolvimento], o Brasil figura como o único país na América Latina que ainda não alcançou o objetivo de eliminar essa doença endêmica. As prisões são um dos muitos obstáculos que devem ser considerados na luta do país contra a hanseníase, dada a alta prevalência encontrada nesse estudo”. No Brasil, segundo dados de 2020, a prevalência de hanseníase é de 1,08 por 10 mil habitantes.

A pesquisa também analisou a saúde mental das encarceradas. Encontrou 64,2% de mulheres com transtornos mentais, em um questionário com 20 perguntas relacionadas a sintomas físicos e psíquicos – incluindo fadiga, irritabilidade e insônia. Também a violência é presente em níveis alarmantes entre as entrevistadas. “Estudos apontam para uma relação significativa entre a experiência de violência na vida dessas mulheres, com ênfase nos abusos sexuais em algum momento da vida, e seu comportamento violento”, escrevem os pesquisadores. E adicionam: “Para além de questões físicas, a violência estrutural em comunidades marginalizadas, o papel da classe e da etnia como precursores para o encarceramento dessas mulheres, a desumanização e o abuso que acontecem em presídios, a perda de direitos e o estigma são amplificados nas encarceradas”.

O fato de as mulheres internas no sistema carcerário serem aquelas que vêm de classes marginalizadas é um dos que explica suas condições de saúde serem inferiores às da população em geral. Por isso, conclui o estudo, é preciso que a vigilância em saúde seja fortalecida nesses ambientes. E os presídios femininos precisam de atenção especial, como fica claro a partir dos dados. “Atualmente, na medida em que esses serviços são prestados, eles são construídos principalmente com base em modelos masculinos, com pouca atenção à saúde reprodutiva ou a dietas adequadas, por exemplo. Fornecer saúde regular e precisa, vigilância para prisioneiras e funcionários é, no mínimo, um imperativo nacional”, concluem os pesquisadores.

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