Sim, até então acredito nisso; só o grau/percentual de racismo e baixa autoestima é que varia de pessoa para pessoa: umas não-negras estão sendo 10% e outras 90% racistas; umas negras estão com 10% e outras 90% de baixa autoestima. Assim, toda a população brasileira padece dessa mais grave doença social – racismo. É alta a probabilidade de que isso se aplique também ao machismo/sexismo, ao classismo, à aporofobia, ao capacitismo, à LGBTQIA+fobia, à violência – embora todas as citadas sejam violência, aqui destaco-a, pois existe a violência decorrente de outras violências.
Não acredito que a pessoa negra brasileira seja racista quanto uma não-negra. Desde criança, a maioria das pessoas negras são ensinadas, aprenderam e internalizaram que são inferiores à pessoas de outras raças. Quando vão crescendo lhes é ensinado que existe ‘democracia racial’ e que para ter mobilidade vertical precisa adotar a ideologia do embraquecimento/branqueamento, inclusive ‘casar’ com pessoas não-negras para ‘melhorar a raça’ (de seus descendentes; esse é o maior genocídio, por ser ‘silencioso’).
A baixa autoestima coletiva da maioria da população negra é consequência e não a causa do racismo. Em sendo fato que uma das características do racismo é não gostar de pessoas e/ou da cultura de outra raça e, no Brasil, a maioria da população negra tenta ‘imitar’ os brancos e brancas, inclusive adotando o eurocentrismo como ‘padrão’ a ser alcançado; então não deve ser considerado racista e sim como sofrendo de autodesvalorização coletiva.
O racismo é cruel e seus efeitos são dolorosos; falar em ‘vitimismo’ de pessoas negras é racismo puro. É verdade que o sistema capitalista cria, gera, alimenta e reengendra as discriminações, essas violências para se manter, mas também é verdade, que em alguns experimentos de outros sistemas também isso ocorre/ocorreu[2], talvez com um certo “baixo impacto” – para usar expressão da Profa. Rita Laura Segato[3]. Então, apesar desses reengendramentos-superposições-interações-interpenetrações de discriminações que alimentam o sistema capitalista, não devemos (como querem alguns), que priorizemos a ‘luta de classes’ (no sistema não existem ‘pobres’, existe pobreza: pessoas/famílias podem entrar e/ou sair dessa condição; mesmo ocorre com a riqueza); o viver é holístico, pois tudo está ligado a tudo. Não se deve, pois, fragmentar as questões: sociais, econômicas, culturais, ambientais e outras; o viver está no ‘gerúndio’ e é ‘gestáltico’ (no sentido que sinaliza que: o todo é maior – e diferente – que a soma de suas partes).
Então, há sugestões?
Atuar em todos os flancos possíveis, a longuíssimo, longo, médio, curto prazos:
- Insistir que um projeto político a ser construído leve em conta os princípios do “Bem Viver Ubuntu-Teko Porã- Florestania- Decrescimento-Feminismo Decolonial”, principalmente : * não a mercantilização dos elementos da natureza (inclui água, madeiras, minérios, órgãos e serem humanos) ; * não ao consumismo; * coletivismo subordinando o individualismo (“sou porque somos”/ “propriedade coletiva” / “fim da propriedade privada”); *cooperação subordinando a competição* ; * respeito a saberes ancestrais (inclui ‘justiça restaurativa’, comunidades pensada em termo do diálogos constantes entre: “mortos viventes/viventes/ e/ os ainda não nascidos” ); * economia subordinada à ecologia. Isso, apoiando-se, também, no Paradigma do Cuidado: * Cuidar de Si ( autocuidado: alimentar/higiênico/saúde; intelectual ; mental-espiritual) ; * Cuidar de Outros (inclui cuidar, também, de estrangeiros/migrantes e para isso, tratar de criar-fortalecer órgãos públicos de educação, saúde, segurança, ambientais e outros); *Cuidar do Planeta inclui: a) contribuir evitar fatores ligados à mudanças climáticas: evitar uso de combustíveis fósseis, evitar produzir lixo, de desmatar, queimadas; b) criar e usar tecnologias mitigadoras de efeitos das mudanças que já ocorrem; etc.) ; c) pensar em planejamento familiar; d) impedir extrativismo bruto e agronegócios deletérios ( inclui impedir devastação ambiental/garimpos – mercúrio, uso de agrotóxicos, extensos monocultivos; total uso de sementes geneticamente modificadas, etc.); e) estimular agroecologia/ manejo florestal/agro-florestal; agricultura familiar/pequena -média agropecuária; circuitos curtos de produção-comercialização; reflorestamento, educação ambiental , matriz energética não poluente e/ou não devastadora sócio-ambiental, economia circular/bioeconomia , etc.
- Reforma política-econômica-tributária, incluindo aprovação e implementação de dispositivos ligados à políticas de ação afirmativas[4] (pensar em ´reparações´ e considerar também, nos meios de comunicação/mídia, reafirmação do Estado Laico), para população negra, mulheres (sobretudo negras e indígenas[5]) e para outros segmentos discriminados, buscando equidade sócio-econômica-cultural-ambiental.
- Embora haja controvérsias, tudo indica ser necessário também uma revisão da dívida pública. Difícil compreender e aceitar que enquanto mais de 600 mil pessoas tenham morrido na pandemia Covid 19, justamente no período mais agudo (até então), muitos credores da dívida brasileira[6] tenham tido elevados lucros. Muitas ‘reformas’ serão necessárias (inclui tratar de questões como do ‘desarmamento da população’/ ‘milícias-desmilitarização das polícias’/’policiais só com armas não-letais’; (re) distribuição de terras// construção – redistribuição de moradias// “reidustrialização” MAS ligada a construção de bens públicos focados em saúde, educação e ciência-tecnologia e outros SOCIAIS.
Que tal em 2023 serem efetivadas campanhas que:
- estimule as pessoas não-brancas a: Reduzir seus, respectivos, percentuais de racismo e as pessoas negras aumentem seu, respectivo, percentual de autoestima?
- os homens reduzam seus percentuais de machismo/sexismo/misoginia e as mulheres aumentem seus percentuais de conscientização sobre o quanto de machismo/sexismo/misoginia está internalizado?
- toda a população reduza seus percentuais de violência que está abrigada em cada ser, conscientemente ou não.
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[1] Nilma Bentes – Mulher negra, engenheira agrônoma, ativista do movimento negro, uma das fundadoras do CEDENPA-Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará e da Rede Fulanas NAB-Negras da Amazônia Brasileira, propositora da Marcha de Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver -2015.
[2] Cuba, ex-União Soviética, por exemplo.
[3] Antropóloga argentina; creio que usa mais quando trata de ‘patriarcado’ (indígena).
[4] Não dá para se tentar equidade falando em ´meritocracia´, quando as pessoas discriminadas não partem da mesma linha (em qualquer ´corrida´ saem sempre atrás: geralmente trabalham e estudam, têm segurança alimentar precária, não têm aulas de ´reforço´, não têm aulas de outras línguas, de ´kumons´, muitos têm acesso à internet, mas de forma precária, etc. Ou seja, há injustiça sócio-econômica e isso invalida a chamada ´meritocracia´; trata-se sim, de privilégios de ´brancos´ /´brancas´
[5] Observa-se que mulheres brancas (homens também) são absolutamente priorizadas nas emissoras de TVs, inclusive como apresentadoras de programas. Acredita-se que, no Brasil, o movimento de mulheres e LGBTQIA+ tem avançado mais que o movimento negro, não só porque na nossa “pirâmide sócio-econômica” tem mulheres e LGBTQIA+ em todas as camadas e a população negras está concentrada na base, mas também, porque mulheres são mais da metade da população mundial (quase 4 bilhões) e LGBTQIA+s existem também no mundo inteiro, o que não ocorre com a população negra.
[6] : fundos de previdência (25,5%); fundos de investimento (25,2%); instituições financeiras (22,3%); não residentes (12,1%); seguradoras (4,8%); governo (4,5%) e outros (5,6% )// Fonte: https://monitormercantil.com.br/quem-s-o-os-detentores-da-d-vida-p-blica/