Vazamento de operação federal por coronel da PM mostra alinhamento da classe política bolsonarista de Roraima com a atividade clandestina do garimpo dentro do território indígena
Por Fabio Pontes, em O Eco
A retirada de ao menos 20 mil pessoas da Terra Indígena (TI) Yanomami que exploram direta e indiretamente a atividade garimpeira se apresenta como um dos principais e maiores desafios do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua política de reconstrução da agenda ambiental e indígena do país.
Durante os quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) na cadeira de presidente, o garimpo avançou de forma descontrolada em toda a Amazônia, com a TI Yanomami, entre Roraima e Amazonas, sendo uma das áreas mais impactadas.
Com o governo de Roraima permanecendo sob o controle de políticos bolsonaristas simpáticos à causa garimpeira, a missão de devolver o território ao pleno controle dos Yanomami e de outros povos que nele vivem – além do próprio Estado em si – apresenta-se ainda mais desafiador.
A denúncia do vazamento da realização de operação de retirada dos garimpeiros, feita pelo secretário de Segurança Pública de Roraima, o coronel da PM Edison Prola, mostra a encrenca política do governo Lula na região amazônica.
Para as entidades indígenas de Roraima, ao antecipar a realização de uma grande operação na TI Yanomami, em janeiro, entre as Forças Armadas, Polícia Federal e Ibama, o secretário de Segurança acabou com todos os fatores do efeito surpresa que ela ocasiona. Informados sobre as pretensões de retomada do território pelo governo, garimpeiros estarão preparados para receber os agentes, criando a possibilidade de graves confrontos com os agentes.
Dentro da Ti Yanomami há a denúncia de que “soldados” de uma das maiores facções criminosas do país operaria na logística do garimpo, incluindo os serviços de “segurança privada”, com o uso de armas de uso restrito.
O vazamento da operação também deixa os indígenas ainda mais expostos à violência dos garimpeiros. Entre 2020 e 2021 várias foram as denúncias de ataques a tiros às aldeias da TI Yanomami como represália às denúncias de atuação do garimpo.
Também na semana passada, o Greenpeace divulgou resultados sobre uma atividade de fiscalização aérea do território. Na ocasião, foi confirmada a abertura de uma estrada de pelo menos 150 km de extensão para facilitar a logística do garimpo, em especial para o tráfego de maquinário pesado. No sobrevoo, foram avistadas quatro escavadeiras hidráulicas no entorno da estrada clandestina.
A presença deste tipo de maquinário mostra o poder financeiro da atividade garimpeira dentro de uma terra indígena, que, em tese, deveria ser protegida pelo Estado brasileiro.
Durante a campanha eleitoral de 2022, ao colocar a retomada da política de proteção da Amazônia como uma de suas principais promessas, o agora presidente eleito e diplomado afirmou que atividades ilegais dentro da região, com ênfase no garimpo, teriam tolerância zero e seriam combatidas de forma dura.
Para também recuperar a política indigenista do país (ante a desestruturação promovida pelo governo Bolsonaro na Fundação Nacional do Índio), Lula prometeu a criação do Ministério dos Povos Originários, a ser chefiado por um indígena. Até o presente momento, o nome do futuro ministro não foi anunciado.
O vazamento da operação na TI Yanomami mostra como se dará a correlação de forças entre o governo Lula e os governadores bolsonaristas reeleitos na Amazônia Legal, incluindo Antônio Denarium (PP), de Roraima.
Em seus primeiros quatro anos à frente do governo de Roraima, o empresário Antônio Denarium sancionou dois projetos de lei que tinham como objetivo garantir certo aspecto de legalidade à atividade garimpeira, que tem entre as populações indígenas do estado as mais impactadas pelos danos sociais e ambientais que provoca.
Tanto nas eleições de 2018 quanto na de 2022, Roraima se consolidou como um dos estados do país mais fiéis ao bolsonarismo. No segundo turno deste ano, por exemplo, Bolsonaro obteve 76% dos votos válidos.
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Cratera aberta pelo garimpo na região do Uraricoera, Terra Indígena Yanomami. Foto: Bruno Kelly /HAY