Veja, em imagens e vídeos: havia orientação clara – inclusive no Batalhão Presidencial – de permitir a criação do caos. Revelações confirmam que redes fascistas identificam no Brasil laboratório para tomada de poder por meios brutais
Por Antonio Martins, em Outras Palavras
Três enormes torres de transmissão de energia foram derrubadas entre domingo e segunda-feira – duas em Rondônia e uma no Paraná. Esta última conduz eletricidade gerada na hidrelétrica de Itaiupu, a segunda maior do planeta. O objetivo, não concretizado, era provocar um apagão que sugerisse um país descontrolado e ajudasse a criar ambiente para a “intervenção militar”. Além disso, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu ontem ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, que tome providências para impedir novas ações golpistas, que estariam planejadas para esta quarta-feira. Falta, à tentativa de golpe no Brasil, capacidade de mobilização popular. Mas, como alertou ontem Boaventura Santos, a ultradireita pode ter visto no país um novo laboratório onde testará estratégias de tomada do poder por meios antidemocráticos e brutais. Três matérias publicadas hoje na imprensa apontam as conexões deste experimento nas Polícias Militares e no Exército.
As repórteres Amanda Rossi e Lúcia Valentim Rodrigues revelam, em reportagem no portal UOL, que a ação do último domingo foi planejada em detalhes e – detalhe essencial – previa eclosão de violência. As jornalistas tiveram acesso a grupos formados no Instagram para orientar a ação de grupos golpistas que se deslocaram de várias partes do país. Havia inclusive mapa atualizado em tempo real para coordená-los. Atos como a “ocupação” e vandalização do Congresso Nacional estavam claramente desenhados. Detalhe crucial: a mobilização popular fracassou. As mensagens imaginam, de modo delirante, “milhões” em Brasília. As fotos sugerem que havia em torno de 5 mil pessoas, mas é possível imaginar o que ocorreria se o plano se concretizasse.
Ontem, Ricardo Capelli, o interventor nomeado por Lula para comandar a segurança pública no Distrito Federal, deu detalhes sobre a participação destacada do ex-secretário de Segurança Pública do DF na trama. Anderson Torres exonerou, no dia 2 de janeiro, toda a linha de comando da PM. Em seguida, viajou à Flórida, onde teria se encontrado com Jair Bolsonaro. E foi no dia 7, horas antes da chegada das hordas golpistas a Brasília, que o governo do DF alterou, sem aviso prévio, o esquema de segurança da Esplanada dos Ministérios, permitindo a entrada de supostos “manifestantes”. Torres, cuja prisão preventiva está decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, segue foragido nos EUA até a manhã desta quarta-feira (11/1).
Deve-se aos jornalistas Dimitrius Dantas e Katlen Barbosa o detalhamento, em matéria publicada hoje no Globo, do que suas ordens significaram na prática, na tarde fatídica do domingo. Depois de analisar dezenas de vídeos e fotos, os repórteres demonstram que o governo do DF tinha informação plena sobre o que se preparava em Brasília. Ainda assim (ou exatamente por isso…), um policial subiu no palanque golpista montado diante do QG do Exército para dizer que a tropa iria “colaborar, ajudar e fazer segurança”. Dito e feito: os bloqueios policiais que teriam impedido o saque da Praça dos Três Poderes nada fizeram. E as imagens demonstram que, após consumarem a invasão dos prédios públicos, os criminosos são orientados pelos PMs sobre que direções tomar. Os “agentes da lei” sorriem e fazem sinais de positivo.
Mas a matéria mais devastadora é do colunista Guilherme Amado, no site Metrópoles. Ela documenta a atitude passiva-atônita adotada, diante da tentativa de golpe, pelo Batalhão de Guarda Presidencial, a tropa formada há 200 anos por D. Pedro I com a missão específica de proteger a sede do governo. Amado obteve um vídeo gravado no meio da tarde, quando a atitude da PM havia mudado: após o decreto de intervenção de Lula, Ricardo Capelli articulava a retirada dos invasores. Mas o batalhão do exército mantinha-se inoperante. Dá-se, então, uma cena insólita. Um oficial da PM, ainda não identificado, vê-se obrigado a comandar, ele próprio, um grupo de cerca de vinte soldados que até então estava prostrado. “Comanda tua tropa, porra”, ordena o PM ao chefe dos militares, e detalha: “Bora, Exército, faz a linha, porra, fecha a linha aí! Para de frouxura, caralho!”. Só então, mostra o vídeo, os soldados começam a agir.
Um fato intriga, desde domingo, os que analisam os acontecimentos daquele dia. Por que autoridades com mandato, como o governador do DF, Ibaneis Rocha, atreveram-se a ser cúmplices de um atentado na aparência patético, praticado em grande parte por senhores em terceira idade? As novas revelações e a derrubada das torres elétricas confirmam a hipótese de Boaventura: o Brasil pode ser hoje o laboratório de horrores do fascismo. A situação dramática do país – onde há clara percepção de que o sistema político volta as costas à maioria – contribui para a trama. O esforço de reconstrução será imenso e, para se defender, a democracia precisará reinventar-se . Mas há muitas razões para celebrar a primeira vitória.