Considerações sobre a escolha pela Ministra da Cultura do presidente da instituição
Por Gabriela Faria e Fabio Jardim, no A Terra é Redonda
Desde 2017 o regimento interno da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB) prevê, em seu artigo 3º, que o “Ministro de Estado da Cultura auscultará previamente o corpo funcional da FCRB para a escolha do Presidente da Fundação com vista à submissão à Presidência da República”. Evidentemente, durante o governo de Jair Bolsonaro esse artigo não só foi desconsiderado como o próprio Ministério da Cultura (MinC) foi desfeito, indicando o descaso daquela gestão com as questões culturais do país. Essa desconsideração foi confirmada com a escolha de Letícia Dorneles como presidente da instituição, decisão baseada puramente na negociação de cargos entre aliados políticos de um grupo que ignorava totalmente o funcionamento e a importância da Casa Rui.
Conforme documento enviado ao então Ministério da Cidadania, por ocasião daquela nomeação, servidores registraram sua preocupação por Letícia Dorneles sequer ter a formação indicada para assumir o referido posto, visto que o presidente da Casa é também reitor do mestrado a ela vinculado, o que indicaria, idealmente, o título de doutorado, característica comum a todos os últimos presidentes. Osmar Terra, então ministro, ignorou os argumentos do corpo funcional e manteve a decisão. Não coincidentemente, os últimos anos da gestão da instituição foram desastrosos, marcado pela inexperiência, pela perda de projetos importantes e principalmente pela perseguição ostensiva aos servidores.
Após anos de assédios, de falta de respeito e com a implementação de um clima funcional que deixou diversos servidores doentes e totalmente desmotivados, a eleição de Luís Inácio Lula da Silva e a recriação do MinC deram aos servidores da Fundação Casa de Rui Barbosa a esperança de que as ferramentas democráticas disponíveis nas instituições seriam amplamente respeitadas. Seguiu-se à eleição a discussão na Fundação Casa de Rui Barbosa sobre organizar novamente o procedimento de consulta para a sua presidência.
Dele se dispuseram a participar Conceição Evaristo e José Almino de Alencar, oferecendo seus nomes e suas envergaduras acadêmicas não somente para uma eleição, mas para um debate sincero sobre os rumos que a instituição deveria tomar, num cenário de reconstrução da democracia interna. Almino venceu com cerca de 80% dos votos. Infelizmente, imediatamente após a reunião de divulgação do resultado, o MinC informou que o nome para a presidência da Casa Rui estava definido e tratava-se de Alexandre Santini, o que gerou profunda decepção e frustração entre os funcionários da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Esses sentimentos não giram em torno de simplesmente ter uma consulta respeitada, ainda que isso fosse motivo suficiente. A indicação seca, sem nenhuma nota sobre os motivos que nortearam a escolha parece, mais uma vez, colocar a Casa Rui como um órgão passível de atender necessidades políticas de um Ministério que precisa cumprir acordos políticos. Ignorou-se a importância, para um corpo funcional tão maltratado pela gestão passada, de ter como seu representante um nome que viesse de dentro para fora, não de forma tão vertical.
Para além das inúmeras obras publicadas (poesia, crônicas etc.), tradução de obras de literatura e teatro, autoria de música em parceria com Caetano Veloso, doutorado em sociologia, experiência no Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas e um sem número de atividades capazes de qualificá-lo, José Almino Alencar possui outros predicados que o transformam na melhor alternativa para ocupar o cargo de presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, a qual o MinC deveria aproveitar.
Além de servidor e pesquisador, José Almino Alencar foi presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa por duas vezes, diretor do Centro de Pesquisa da instituição, é professor voluntário do mestrado da mesma e principalmente: durante a gestão de Letícia Dorneles defendeu arduamente a FCRB, sofrendo perseguições diversas e respondendo aos mais absurdos processos investigativos. Almino poderia ter se poupado e solicitado aposentadoria para preservar seu nome e sua saúde, porém escolheu ficar ao lado dos funcionários ativos do quadro, enfrentando com a mais absoluta coragem uma presidência vil.
Esse processo o aproximou dos colegas dos mais diversos cargos e de todas as gerações de servidores, abrindo um lugar de troca que somente sua sensibilidade e generosidade permitiriam. José Almino Alencar representa a possibilidade de o MinC atuar de forma completamente oposta ao que o governo Bolsonaro produziu ao ignorar a prerrogativa regimental de indicação do corpo funcional em 2019, assim como a chance de alçar a presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa um servidor que, além de sua capacidade de conduzir a instituição e de experiência no cargo, foi perseguido, mas ofereceu resistência ao desmonte em curso e hoje conta com o apoio de mais de 80% dos seus colegas servidores, conforme procedimento de indicação realizado no início desse ano.
A posse de José Almino seria, simbolicamente, a posse de todos aqueles que foram perseguidos pela gestão passada, que segue ainda hoje ofendendo amplamente os servidores em suas redes sociais. Almino não é somente José, Almino é Ana, é Maria, é João, é Miguel e todos nós.
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*Gabriela Faria é funcionária da Fundação Casa de Rui Barbosa.
*Fabio Jardim é funcionário da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Casa Rui Barbosa. Crédito: Daniel Silva Barbutti – Wikimedia Commons