Mourão recebia responsável por invasões na TI Yanomami em seu gabinete

Ex-vice-presidente é próximo de José Altino Machado, o “rei do garimpo”, e de outros lobistas do setor; governo Bolsonaro e bancada ruralista tentaram regularizar a atividade ilegal, principal causa da crise humanitária no território indígena

Por Mariana Franco Ramos, em De Olho nos Ruralistas

O governo Jair Bolsonaro não foi apenas negligente com o povo Yanomami, ao ignorar 60 pedidos de socorro e minimizar o genocídio em curso no território, em Roraima. Enquanto mais de 570 crianças morriam de desnutrição, malária e outras doenças tratáveis, figuras como o então vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) atuavam a favor de lobistas e garimpeiros.

Alertado sobre a crise sanitária e humanitária na TI, tanto por líderes como por associações indígenas, o senador eleito preferiu se aliar ao aviador e minerador José Altino Machado, conhecido como “rei do garimpo”, a quem recebeu ao menos quatro vezes em seu gabinete no Palácio do Planalto. A proximidade entre os dois, para além das agendas oficiais, não é novidade. Foi noticiada pelo Observatório da Mineração e pelo Diario do Rio Doce.

A atividade ilegal defendida por Altino Machado e por outros aliados de Mourão e Bolsonaro é a principal causa da crise sanitária na TI, uma vez que tem como consequência direta a contaminação dos rios por mercúrio. Conforme o Ministério dos Povos Indígenas, somente no ano passado 99 crianças da etnia perderam a vida na reserva, a maior do país. As vítimas tinham entre um e quatro anos.

“Foi um encontro muito proveitoso”, afirmou Zé Altino, como é conhecido, ao final da primeira dessas reuniões, em 2019. O deputado federal reeleito Euclydes Pettersen (PSC-MG) também esteve presente. “Quando ele me reconheceu, a reunião durou mais ainda”, completou o garimpeiro, antes de propor um acordo ao então vice-presidente:

— Eu fiz uma proposta, que ele achou interessante. Apresentei a ideia de criar responsabilidades mútuas no Brasil. Nós ficamos com a responsabilidade de tomar conta do trabalho que nós temos na Amazônia, enquanto o governo assume a responsabilidade de administrar. Não tem cabimento um pedido de licença ambiental ficar pendente por mais três anos.

RICARDO SALLES, GENERAL HELENO E DEPUTADOS TAMBÉM ESTIVERAM COM  GARIMPEIROS

Fundador da União Sindical dos Garimpeiros da Amazônia Legal (Usagal) e ex-presidente da Fundação Instituto de Meio Ambiente e Migração da Amazônia (Finama), Altino Machado comandou vários garimpos abertos na Amazônia, como contou a Repórter Brasil. Ele foi o responsável pelas três maiores invasões na TI, nos anos 70, 80 e 90.

Outro lobista próximo de Mourão é Dirceu Frederico Sobrinho. Agente financeiro acusado de lavagem de dinheiro e danos ambientais em Itaituba (PA), ele comanda a Associação Nacional do Ouro (Anoro). Em setembro de 2019, Sobrinho participou de uma audiência na Câmara ao lado de Zé Altino, de Alexandre Vidigal, do Ministério de Minas e Energia (MME), de Eduardo Leão, da Agência Nacional de Mineração (ANM), de Antônio da Justa Feijão e dos deputados federais Silas Câmara (Republicanos-AM) e Joaquim Passarinho (PSD-PA).

No mesmo mês, os dois garimpeiros se reuniram também com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com o general Augusto Heleno e com Onyx Lorenzoni. E, em junho de 2020, Mourão, Zé Altino, Sobrinho e Pettersen voltaram a se encontrar em Brasília, segundo informações da Agência Pública. Houve ainda uma agenda oficial do ex-vice-presidente com os representantes da Anoro e da Finama em 25 de janeiro de 2021, no Palácio.

O presidente do próprio PL, Valdemar Costa Neto, tem ligação com a atividade predatória. Ele é sócio da Agropecuária Patauá, empresa de comercialização de madeira e de atividade agropastoril, como De Olho nos Ruralistas já contou: “Presidente do PL de Bolsonaro é sócio de coordenador do Movimento Garimpo é Legal“.

Durante seu terceiro mandato como deputado federal, em 2000, Valdemar vendeu 75% da Patauá para um grupo de investidores holandeses, o Eco Brasil B.V., representados pelo brasileiro Francisco Jonivaldo Mota Campos. “Joni”, como é conhecido, atua hoje como coordenador do “Movimento Garimpo É Legal” no Amazonas, além de ser filiado à sigla desde 2007.

GOVERNADOR ABRIU CAMINHO PARA AÇÃO PREDATÓRIA NA TERRA INDÍGENA

Bolsonarista, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), é outro entusiasta do garimpo. Reportagem do observatório mostrou que um de seus aliados, o pecuarista Leandro Massao Itikawa, exigia combustível para que servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) passassem pela TI Yanomami. Isso em plena pandemia de Covid-19: “Em RR, fazendeiro cobra “pedágio” da equipe da Funai durante a pandemia“.

A mãe de Leonardo Massao, Izabel Cristina Ferreira Itikawa, preside a Federação das Indústrias de Roraima. Dona da indústria arrozeira Itikawa, Izabel foi organizadora dos atos antidemocráticos em Boa Vista, em 07 de setembro de 2021. O evento contou com a presença de Denarium.

Contra a democracia, o Sindicato dos Beneficiadores de Grãos do Estado de Roraima (Sindigrãos), também presidido por Izabel, informa ter doado cerca de 1,8 toneladas de arroz para distribuição no ato do “eu vim de graça”.

Em julho daquele ano, o governador sancionou uma lei, inconstitucional, que proíbe a destruição de equipamentos do garimpo apreendidos em áreas de competência do Estado. Dessa forma, Denarium quer garantir a atividade garimpeira intensa no entorno das terras indígenas.

De acordo com o relatório “Yanomami Sob Ataque”, divulgado pela Hutukara Associação Yanomami, é justamente nos municípios do entorno da TI, portanto em áreas de competência estadual, que as estruturas de apoio ao garimpo se estabelecem.

O documento aponta que a destruição provocada pelo garimpo no território cresceu 46% em 2021, em relação a 2020. Na região Xitei, o aliciamento de jovens através do fornecimento de armas e bebida alcóolica fez a atividade ilegal avançar em 1.101% no mesmo período.

SENADOR ELEITO IGNOROU ALERTA E DESACREDITOU DADOS SOBRE GARIMPO

O senador eleito Hamilton Mourão, vice-presidente de Bolsonaro, presidiu o Conselho Nacional da Amazônia Legal (Conamaz), que deveria prestar assistência aos povos originários do bioma. Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara, conta que o alertou sobre a crise na comunidade. “Mas não aconteceu nada e não foram tomadas as providências que pedi”, disse, em entrevista à TV Globo. O alerta foi registrado em editorial do Instituto Socioambiental (ISA).

No ano passado, após reunião do Conselho, Mourão desacreditou os dados da Hutukara sobre o avanço da exploração na TI. “Existem alguns dados que muitas vezes são fantasiados, como aquela história de que existem 20 mil garimpeiros”, comentou, em coletiva. “Nossa avaliação é que temos na faixa de 3 mil, que já é um número, vamos dizer assim, extremamente fora do que se destina a terra indígena”.

Levantamento feito em junho de 2020 pelo Greenpeace, com base em informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontava os mesmos 20 mil. De acordo com a organização Yanomami, o dado é o segundo mais alarmante desde o final dos anos 80, quando cerca de 40 mil garimpeiros invadiram a região.

FORÇA-TAREFA FEDERAL ATENDEU MAIS DE MIL INDÍGENAS

Nesta terça-feira (24), o secretário nacional de Saúde Indígena, Ricardo Weibe Tapeba, informou que o governo federal realizou mais de mil atendimentos emergenciais nos últimos dias na TI, de 30 mil habitantes. O governo Lula começou a estruturar o Hospital de Campanha da Aeronáutica, para receber 700 pacientes que estão em estado grave.

Uma força-tarefa federal atua na região desde o dia 20, após decreto da Presidência da República, instituindo o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária no território Yanomami, e uma portaria do Ministério da Saúde, declarando emergência em Saúde Pública.

Foto principal (Reprodução): Hamilton Mourão é aliado de garimpeiros

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