Carta fechada ao senador Plinio Valério. Por José Ribamar Bessa Freire

Vai cartinha fechada / não deixa ninguém te abrir,
Pra casa da Pequepê / onde moram as letras PLI.
(Paráfrase de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. 1953).

No TaquiPraTi

Exmo. sr. senador Plínio Valério (PSDB-AM vixe vixe))

Saudações bozozoicas

Com a autoridade de quem foi teu professor no Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas, escrevo esta carta que só pode ser lida exclusivamente por ti, por estar sob sigilo de cem anos. Advirto os curiosos e fofoqueiros que, se a lerem, serão punidos com os rigores da Lei de Acesso à Informação (LAI). De saída, esclareço que não tenho culpa, no teu caso, do resultado do meu trabalho docente, afinal aluno não é discípulo.

Olha só, cara, fiquei tocado com a tua visita solidária nesta terça-feira (7) aos presos da Papuda (DF) acusados de terrorismo e de depredação da sede dos Três Poderes. Quanta coragem de quem, em vez de covardemente fugir para Flórida, preferiu confortar os “manifestantes” no xilindró, sob a justificativa de que “é preciso ajudar os nossos irmãos que estão nessa situação difícil. É papel de um senador? Não. Mas é papel de um cristão”.

Efetivamente, é uma obra de misericórdia visitar encarcerados, ainda mais se são “irmãos”. Está lá no Evangelho (Lucas 4,18-19): “O Espírito do Senhor enviou-me para anunciar aos cativos a redenção, para pô-los em liberdade”. Dessa forma, consolas teus “irmãos patriotas”, mesmo aqueles “patriotários” que não se arrependeram do crime cometido. Que lindo! Que nobreza de espírito! Já é um bom começo. Mas precisas definir quem são teus “irmãos”.

Mito e Mitinho

Os índios, os ribeirinhos, os enfermos, os mortos na epidemia são teus “irmãos”? Teus ex-colegas de sala de aula me informam que até hoje não visitaste uma única aldeia invadida pelo garimpo ilegal e por madeireiros assassinos de indígenas, que envenenam rios e queimam a floresta. Não te solidarizaste com as famílias de amazonenses que morreram asfixiados sem oxigênio, nem com as comunidades ribeirinhas afogadas em inundações. Tua misericórdia não devia ser estendida a outros “irmãos”?

Nos quatro anos como senador pelo Amazonas, nunca pronunciaste um só discurso em favor dos desvalidos e em defesa da floresta. Ao contrário. Em vídeos nas redes sociais, disseminaste fake news aos borbotões e espalhaste montão de mentiras que açulam ódio contra instituições democráticas, contrariando os dados comprovados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Te aviso que o Xandão está de olho em ti.

O que aconteceu com aquele menino idealista nascido em Eirunepé? Todo aquele que subscreve discurso tão sinistramente idiota e cruel, como o fizeste, sinaliza que apodreceu:

– Os brasileiros precisam se orgulhar de que, no mundo, o Brasil é o país que mais preserva florestas. A floresta amazônica é úmida, por isso não queima. Os poucos focos de incêndio acontecem na ‘periferia’ e são provocados por índios e cabocos. O Brasil é nosso (…) A Gisele Bundchen antes de defender a floresta devia encontrar solução para a pobreza na região”.

Já ouvi essa xaropada antes em algum lugar dita pelo Mito Brochável, a quem segues caninamente. Aliás, dizem que na Papuda os presos agradeciam tua visita te saudando com o diminutivo: “Mitinho, Mitinho”, sem desconfiar que assim fichavam tua pequenez e sabujice.

Na goiabeira da Damares

Com todo respeito, cá entre nós, foste um aluno medíocre, mas não precisavas exagerar tanto, ao exigir de uma supermodelo, defensora da floresta, que ela realize tarefa tua, que és pago para isso. Acusar Ongs de “picaretas”, sem citar uma única delas, é tentativa de desmoralizar aquelas organizações aliadas dos índios, que realizam um trabalho sério. Culpar índios e cabocos por delitos cometidos pelo garimpo é discurso fake do Brochável, que carece de endosso do Brochavelzinho.

Prezado ex-aluno, em pronunciamento no Senado, leste uma carta que terias recebido de supostos “índios jovens”, reivindicando a entrada do garimpo em áreas indígenas. Por acaso esses jovens cantaram o Hino Nacional para um pneu? Eles “não temem a própria morte”? Algum deles entoou o “desafia o nosso peito a própria morte”?

Recomendo a leitura da nota de repúdio à mineração em terras indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) assinada também pela Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri. A nota denuncia os impactos sociais e ambientais genocidas, como testemunham o Brasil e o mundo inteiro no caso Yanomami e Munduruku e exigem o cumprimento da Constituição de 1988 que proíbe o garimpo em terras indígenas.

Bem que gostaria de me orgulhar de ti, meu ex-aluno, mas só sinto vergonha com tanta falta de compostura e tanta subserviência. Não foi isso que Renan Freitas Pinto, Tomzé e outros colegas te ensinaram. O Amazonas, que já teve senadores de renome nacional, grandes tribunos como Álvaro Maia, Arthur Virgílio Filho, Jefferson Peres, Fábio Lucena e senadoras do porte de Vanessa Grazziotin e Eunice Michiles, não merece um “Mitinho” que disputa um lugar na goiabeira da Damares.

Um rio sem fim

Cara, te espelha no exemplo da tua colega Verenilde Pereira, que saiu do jornal em que trabalhava perseguida por ti, que estavas empoderado não por teu talento, mas por laços de parentesco. Demissionária, a dona de um dos melhores textos jornalísticos fez concurso para a Suframa, tirou em primeiro lugar, assumiu com um salário igual ao de seus professores da UFAM e logo pediu demissão “porque queriam que eu escrevesse mentiras”. Ela estava se lixando e andando para a grana, ao contrário de uns e outros.

Lê Um rio sem fim, o romance escrito pela Veré, que equivale ao “Torto Arado” do Itamar Vieira Junior e por isso foi celebrado pela Universidade de Princeton. Sua leitura, além do prazer do texto, proporciona a compreensão da realidade indígena do Rio Negro até mesmo a um senador que comeu caroço de tucumã. Afinal, ela é doutora em comunicação pela UnB com a  tese defendida em 2013 “Singularidade Jornalística e violência: o ‘massacre’ da Expedição Calleri”,  de cuja banca tive a honra de participar.

Se me permites, me despeço com a fórmula aprendida na Escola de Datilografia Underwood, na rua Luiz Antony, com Carmela Faraco, que nos ensinou a terminar uma carta assim:

Amos. Atos. Obros.

Taquiprati

P.S. – Embora a memória falha me leve a omitir vários nomes, vale a pena citar nominalmente alguns alunos inesquecíveis de uma geração talentosa e brilhante da área de comunicação e literatura com quem tive a sorte de conviver em sala de aula na UFAM, um deles por quem o afeto continua, apesar de ter sido capturado depois pelo Bozo, não importa, não tem defeito de caráter:

Mário Adolpho, o curumim que inspirou esse taquiprati, Verenilde Pereira, Natasha Fink, Otoni Mesquita, Carlos Rubens, Zeca Torres Torrinho, Ivania Vieira, Sérgio Bartholo, Bernadete Andrade, Socorro Oliveira, Fátima Sampaio, Izane Torres, Inácio Oliveira, Adeice Torre, Circe Alves, Ana Maria Pina, Izabel Melo, Etra Batista, Eliana Ribeiro, Wandler Cunha, Regina Helena Magnoni, Cláudio Barbosa, Josely Ribeiro, Regina Melo, Ana Célia Ossame, Wilson Reis e outros mais.

Ver Blog do Mario Adolpho – https://www.blogdomarioadolfo.com.br/em-discurso-equivocado-plinio-diz-que-as-queimadas-nao-amazonia-nao-passam-de-balela/

 

 

 

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