“O Ibama voltou”, diz chefe da proteção ambiental do órgão

Operação contra garimpeiros no território Yanomami marca retorno das operações de fiscalização após anos de sufocamento, diz atual presidente e diretor de Proteção Ambiental do órgão.

Por Nádia Pontes, na DW

“O Ibama está de volta”, resume Jair Schmitt, atual presidente e diretor de Proteção Ambiental no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sobre o retorno das grandes operações de fiscalização.

Depois de quatro anos de diversos casos de perseguição e retrocessos dentro do órgão, promovidos por ministros do governo de Jair Bolsonaro, o servidor com mais de duas décadas de carreira diz que o instituto está se reorganizando internamente para combater os crimes ambientais no país de forma mais ostensiva.

A primeira delas, sob a nova gestão da ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, ocorre na Terra Indígena (TI) Yanomami, onde pelo menos 20 mil garimpeiros atuavam livremente na extração de ouro. Apesar das seguidas denúncias de lideranças yanomami junto a órgãos públicos, do adoecimento da população e da contaminação ambiental causada pelo mercúrio, nenhuma providência efetiva para retirada dos invasores fora tomada até então.

Em entrevista para a DW, Schmitt afirma que a atual operação deverá ocorrer por prazo indeterminado. “A estratégia geral é neutralizar, apreender e destruir a infraestrutura usada para cometimento do garimpo ilegal. E, ao mesmo tempo, impedir que suprimentos sejam levados até eles, como combustível, comida, equipamentos, os elementos logísticos que dão suporte ao funcionamento do garimpo”, detalha.

Por isso, aviões, barcos, motores, acampamentos e demais equipamentos são destruídos na Floresta Amazônica durante as ações de fiscalização, que estão dentro das atribuições do Ibama.

Os garimpeiros, por outro lado, são só a ponta de lança. “Quem está por trás disso tudo, quem financia, quem vende e revende ouro, quem vende combustível de forma ilegal, quem opera as aeronaves para fazer essa logística são, na verdade, as grandes cabeças que precisam ser punidas por todo esse esquema criminoso que está afetando não só o meio ambiente, mas sobretudo as pessoas que vivem na terra indígena. Os danos são muito graves”, comenta.

DW Brasil: Até quando irá a operação de combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami?

Jair Schmitt: É papel do Ibama combater garimpo porque é crime ambiental, gera danos ambientais. Em TI é uma situação mais grave, pois afeta as comunidades que lá vivem.

O Ibama, no passado, fez ações mais pontuais e, agora, até mesmo para atender a uma decisão judicial de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público e uma ação no Supremo Tribunal Federal, estamos ingressando na área.

A Operação Xapiri não tem data para ser finalizada, será por tempo indeterminado.

A estratégia geral é neutralizar, apreender e destruir a infraestrutura usada para cometimento do garimpo ilegal. E, ao mesmo tempo, impedir que suprimentos sejam levados até eles, como combustível, comida, equipamentos, os elementos logísticos que dão suporte ao funcionamento do garimpo.

A lógica é: se os garimpeiros não têm suprimentos, não têm condições de explorar o ouro, eles não têm por que permanecerem na área. A estratégia é forçar a saída deles, haja vista que o território é grande e o volume de garimpo é grande.

Iniciamos na última segunda-feira (06/02) e já destruímos um trator utilizado para abrir estradas na TI, uma base de apoio para os aviões usados no garimpo ilegal, também destruímos um avião na base de apoio, apreendemos até agora cerca de dez embarcações que levavam suprimentos para garimpeiros via rio, e também destruímos um avião e um helicóptero. E também começamos a instalar as bases de controle desses suprimentos que são levados até os garimpeiros.

Os fiscais estão sendo recebidos com hostilidade, ou algum tipo de resistência, pelos garimpeiros? Quais são as dificuldades de levar esta operação adiante?

O primeiro desafio é fazer a logística. A área de atuação, os alvos, estão distantes de Boa Vista, capital de Roraima, e outros centros urbanos. Estamos com pelo menos seis aeronaves do Ibama. Existe toda uma complexidade de abastecimento, da logística aérea. A própria estadia dos agentes é difícil também.

Até o momento, não houve hostilidade, muito embora a gente tenha apreendido armas de fogo com os garimpeiros – é um porte ilegal. É sabido que o garimpo é um ambiente mais propício à violência, e as nossas equipes estão preparadas e atentas para qualquer hostilidade. Não só para uma reação contra os nossos servidores públicos que estão lá cumprindo a missão, mas também contra os indígenas, que são a parte mais vulnerável deste processo todo.

A destruição dos equipamentos apreendidos é parte da estratégia para trazer prejuízos aos financiadores dessa atividade ilegal e dificultar a volta deles ao local?

Correto. Existem alguns bens apreendidos que estão envolvidos nos crimes ambientais.

A legislação permite que Ibama apreenda e, em determinadas situações, possa proceder com a destruição sumária. Isso ocorre com motores, balsas usadas no garimpo, os aviões também. Eventualmente, outros equipamentos, como barcos, motores geradores de energia, freezers, motores de popa, são apreendidos e depois doados para os próprios indígenas.

Os crimes ambientais, no geral, serão fiscalizados com mais rigor a partir de agora? Há ações planejadas, para além da atual operação na TI Yanomami?

É importante dizer que a estratégia de combater o garimpo nos yanomami não é fazer ações pontuais, eventuais. É preciso uma presença duradoura para realmente forçar a saída [dos garimpeiros]. É uma quantidade muito grande de garimpeiros, e o território é enorme, então não há como sair prendendo pessoa por pessoa. A lógica é inviabilizar que eles continuem lá dentro, seja por escassez de alimento ou de suprimentos para extração mineral. Isso deve durar um tempo, não é de imediato.

A estratégia também é manter-se presente na região para evitar o reingresso dos invasores e a reativação dos garimpos, coisa que já ocorreu no passado. Por isso também é importante essa abordagem de destruir o que é empregado no crime.

Há uma certa dificuldade em punir os criminosos, quem financia essas atividades, e que as multas aplicadas em operações contra garimpo e desmatamento, por exemplo, sejam pagas. O que pode ou deve ser feito para que a lei seja cumprida na área ambiental?

É importante separar o papel do Ibama e dos órgãos ambientais, da fiscalização, com aquilo que a gente chama de responsabilização administrativa, e as medidas punitivas que os órgãos ambientais aplicam. Pagamento de multa é apenas uma das funções. Mas a perda de bens, embargo e inviabilização econômica do empreendedor e da atividade são outras sanções que podem ser estabelecidas.

O que a gente observou aqui, no âmbito do Ibama, é que houve um retrocesso muito grande nos últimos anos com a letargia, demora, no julgamento dos processos, e muitos acabaram prescrevendo.

A instituição está se reorganizando para rever esse cenário. Inclusive como presidente substituto, recentemente, nós anulamos várias decisões administrativas da instituição que acabaram colaborando para essas prescrições. Agora estamos trabalhando para reforçar a nossa equipe.

Do ponto de vista criminal, quem executa é o Ministério Público, as polícias judiciárias, a própria Justiça Federal. A legislação às vezes acaba sendo branda para determinados crimes e, como estratégia, a polícia ou o MP investiga e acaba tentando identificar outros crimes conexos. No caso de garimpo, há crime organizado, formação de quadrilha, evasão de divisas, ou seja, tenta-se amarrar outras acusações para ampliar a capacidade de punição a esses criminosos.

O sistema judiciário passa por problemas semelhantes aos administrativos, que é uma demora no rito de julgamento e, muitas vezes, isso cria uma sensação de impunidade nos infratores.

No caso específico do garimpo, os garimpeiros que lá estão só são a ponta de lança. Eles são as pessoas que menos lucram com a atividade ilegal, às vezes são compelidos a uma situação de vida degradantes.

Quem está por trás disso tudo, quem financia, quem vende e revende ouro, quem vende combustível de forma ilegal, quem opera as aeronaves para fazer essa logística são, na verdade, as grandes cabeças que precisam ser punidas por todo esse esquema criminoso que está afetando não só o meio ambiente, mas sobretudo as pessoas que vivem na terra indígena. Os danos são muito graves.

Veremos mais o Ibama em ação no campo?

O Ibama voltou.

É importante declarar que esse retorno do Ibama ocorre graças ao apoio ilimitado que temos da ministra Marina Silva. Como grande expoente na área ambiental, ela tem sido muito grandiosa em dar todo o respaldo e orientações de trabalho. Nós tivemos uma atuação política importante dela e de alguns parlamentares para aumentar o orçamento do Ibama para que houvesse essas condições mínimas de trabalho.

Esse respaldo da ministra é decisivo para nossas equipes atuarem.

Sob os dois últimos ministros [Ricardo Salles e Joaquim Leite, ambos do governo de Jair Bolsonaro], as equipes certamente não tinham qualquer respaldo para trabalho, muito pelo contrário. As equipes só encontravam obstáculos, eram criticadas.

É um cenário diferente quando se tem apoio do mais altíssimo nível. Isso motiva as equipes. Temos servidores pedindo para cancelar férias, pedindo para ir para campo, é um momento especial que estamos vivendo no Ibama, apesar, claro, de todas as mazelas e sequelas que herdamos dos últimos quatro anos.

Você se manteve no Ibama nos últimos quatro anos e acompanhou tudo isso de perto?

Até o início de 2019, eu estava como Diretor de Combate ao Desmatamento no Ministério do Meio Ambiente. Com a mudança de governo [eleição de Jair Bolsonaro], eu fui exonerado da função e voltei ao Ibama. Ali acabei ficando em atividades secundários, para ser mais discreto nas palavras.

Acabei acompanhando tudo por estar na instituição. Vimos muitos colegas serem perseguidos por cumprirem a função apenas, ou seja, como servidores públicos manterem o compromisso com a sociedade. Tentavam trabalhar, recebiam só obstáculos, eram perseguidos, eram intimidados, o que inviabilizava o trabalho.

O cenário de agora é totalmente diferente desse.

Temos outras ações que devemos deflagrar nos próximos dias relacionadas a TI Yanomami. Logo teremos outros anúncios de resultados.

Ibama combate desmatamento ilegal na região de Castelo dos Sonhos, em Altamira (PA), em 2016. Foto: Felipe Werneck/Ibama.

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