Reuniões de conciliação com empresas do crime Samarco/Vale-BHP e a Justiça são resultado da ocupação de trilhos em 2022
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Seguindo os desdobramentos da ocupação dos trilhos da Vale pelas comunidades indígenas durante 43 dias entre setembro e outubro passados, a Justiça Federal realizou, nessa quinta-feira (9), em Santa Cruz, Aracruz, norte do Estado, a primeira etapa das reuniões de conciliação entre as aldeias Tupinikim e Guarani, a Fundação Renova e suas mantenedoras.
O objetivo, nesse primeiro momento, foi permitir que as comunidades apresentassem suas escolhas em relação à elaboração do Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) e as indenizações pelos danos decorrentes do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, em 2015.
“Em resumo, todos querem indenizações individuais, respeitando as especificidades de cada aldeia”, relata o cacique Toninho, de Comboios. A escolha unânime reafirma um dos pontos da pauta reivindicatória das mobilizações nos trilhos ano passado. O estopim para a ocupação da ferrovia foi o corte do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE), equivalente ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) de atingidos não-indígenas, e o programa indenizatório considerado injusto pelas comunidades, que afirmam terem sido induzidas a aceitá-lo, sem o devido diálogo com os atingidos.
A respeito do PBAI, um dos compromissos de reparação ainda não cumpridos por parte das responsáveis pelo crime, algumas aldeias optaram por manter a empresa já contratada para concluir o trabalho, e as que ainda não iniciaram, querem escolher outra consultoria. “Cada comunidade vai protocolar sua posição junto ao juízo, respeitando suas realidades”, conta o cacique de Comboios.
A primeira das três reuniões de conciliação contou com a participação dos caciques de todas as aldeias Tupinikim e Guarani, bem como suas associações, os representantes da Renova e empresas mantenedoras, as instituições de Justiça que apoiam a luta dos atingidos – Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPES), Ministério Público Federal (MPF) – além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do perito do juízo da 4ª Federal, Frei Philip, que já havia visitado a ocupação dos trilhos em outubro, quando se comprometeu a levar as reivindicações indígenas até o juiz, Michael Procópio Alves Avelar.
As próximas reuniões estão agendadas para os dias 2 e 30 de março. Após essa rodada de oitivas, o magistrado irá tomar sua decisão em relação à elaboração dos PBAIs e do programa indenizatório mais apropriado para ser aplicado às comunidades indígenas.
“A Renova não aceita nossa posição, mas o que o juiz decidir, ela vai ter que cumprir”, pondera o cacique Toninho, confiante com o novo andamento das pautas. “A 4ª Vara está deixando as comunidades indígenas andarem com suas próprias pernas”, avalia.
Conquistas
O movimento de ocupação dos trilhos foi finalizado após as comunidades conquistarem o retorno do ASE, via decisão judicial, e o comprometimento de que as demais pautas seriam tratadas por intermédio da 4ª Vara Federal, entre elas a elaboração do PBAI e a revisão do processo indenizatório.
A ocupação durou 43 dias, reunindo milhares de indígenas Tupinikim e Guarani. A mobilização refletiu também na relação das comunidades com outras empresas que ocupam o território e seus arredores, como a Imetame, que retomou a elaboração do Estudo de Componente Indígena (ECI), que, apesar de pendente, não impediu que o licenciamento ambiental da expansão de seu porto fosse aprovado e as obras iniciadas. A comunicação da empresa a respeito do estudo foi feita em novembro, quando a Suzano também se pronunciou a respeito do PBAI referente ao Canal Caboclo Bernardo, construído na década de 1990. “Quem não entregou ou não se manifestou ainda, vai ser cobrado”, afirmou, na ocasião, o cacique de Comboios.