Canções. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Canta, canta minha gente! Deixa pra lá a tristeza de tudo ficar um pouco mais caro a cada dia. Deixa pra lá a panela vazia do vizinho enquanto na sua ainda tem arroz e dois ovos. Ignore a fome do outro e o seu minguado. Faz-se de rico e diz que cada um mereceu o que comeu e o que não comeu.

Deixa chover, deixa a chuva molhar e levar barranco para o chão e vidas para o caixão. Aplaude o voto e ofende quem não vota no que gasta o dinheiro com festa, mas economiza na proteção do morro. Olha pra ele com cara feia quando a chuva forte de todo verão vem forte. Aceita a desculpa de que São Pedro exagerou. Diz que aquecimento global é coisa de cientista comunista e desmata dizendo que ninguém tem nada com isso.

Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor vendendo, na tragédia, água a 90 reais. Ofende o repórter que chorou ao noticiar a insensibilidade. Agride o jornalista que mostra as tristezas da lama para entristecer outras pessoas e, quem sabe, torná-las mais solidárias.

Chega de tentar, dissimular e disfarçar e esconder o que não dá mais pra ocultar. Que, da tragédia, faz manchete espetacular. Sensacionalismo para notícia e anúncio vender. Chega de pesar a letra e a palavra e a imagem em qualquer coisa que possa mudar qualquer coisa. Chega de dizer e desdizer e não entender os porquês de se tratar o que se escreve nas notícias do jeito que se trata qualquer mentira na internet. Chega de dizer que quem te lê, que quem te assiste é deseducado, ignorante, revoltado por não saber ou não querer tuas ideias e teu glamour. Não sem antes conseguir, de quem te paga e de quem te escreve, respeito e dignidade.

Quem parte leva saudades de alguém, que fica chorando de dor. Por isso eu não quero lembrar de tantos que nos deixaram, tão cedo, por nada. No susto de uma bala. Sem tempo para choro nem vela. Nem rosa amarela. Sem chance contra gente covarde e armada. Gente que só ama a si mesmo e que, por isso, não é amada. Que fez arminha com o dedo e quis muito se armar para se proteger, dizia. Mas que mata protegendo só sua baixeza, sua vileza, sua incapacidade de aceitar a derrota num jogo de sinuca. Espírito abjeto, cuja moral e bons costumes o fazem atirar de escopeta nas costas de uma criança.

Malandro é malandro e mané é mané, podes crer que é. Malandro é quem dá receita de como salvar o país, morando noutro país. Disfarça em bilhões a contabilidade e diz que é detalhe técnico. Ganha de jornalista e do mercado o tratamento respeitoso que o trabalhador honesto sonha em ganhar dessa mesma gente. Esperto é quem paga à moça 200 para trabalhar a noite toda numa festa servindo à modelo que ganhou dez milhões pelo trabalho de estar ali e fazer os manés, que pagaram caro para também estarem ali, acharem que foram espertos por estarem numa festa em que a modelo famosa também foi.

Brasil, Brasil! Mostra a tua cara. Quem te paga pra gente ser assim? Mas que, mesmo assim, meu coração, não sei por quê, bate feliz quando vê essa terra e essa gente que tira energia e sorriso sei lá de onde. Que vive não sei como. E que sofre, não sei por quê.

 

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