Sementes de Marielle florescem na luta pela terra nos acampamentos do MST

5 anos após assassinato da vereadora no Rio de Janeiro, seu legado de luta inspira acampamentos Sem Terra na luta pela Reforma Agrária

Por Gustavo Marinho, na Página do MST

A história de luta e resistência construída pela trajetória de bravura e responsabilidade com as causas populares eternizam Marielle Franco. No campo, seus passos seguem vibrando com a mesma força que inspira lutadores e lutadoras nos quatro cantos do país: desde sua partida física, Marielle é homenageada com acampamentos Sem Terra que reafirmam a luta pela terra na centralidade das questões que vive o Brasil hoje.

“Marielle Vive”, além de uma afirmação simbólica da permanência de suas lutas nos dias de hoje, também materializa a organização de centenas de trabalhadores e trabalhadoras que, sob a lona preta, posicionam a resistência camponesa nos acampamentos do MST.

É assim que as cerca de 120 famílias em Alagoas, na cidade de Atalaia, na Zona da Mata do estado, se reconhecem no território que respira luta frente à monocultura da cana-de-açúcar na região: o acampamento Marielle Franco.

Área que segue em disputa, marcada pelas ameaças de despejo e ações de intimidação pelo Poder Público Municipal que, em 2021, chegou a deixar a comunidade por dias sem abastecimento de água, segue na contramão dos interesses dos poderosos na região, tornando-se referência organizativa, na produção de alimentos saudáveis e na solidariedade popular, contando com dezenas de toneladas de alimentos doados para as periferias do município e em Maceió, na capital do estado.

A acampada Lidiane Ferreira, acampada desde 2020 no acampamento em Atalaia, comenta das mudanças em sua vida desde que foi para a lona preta: “ir para o acampamento mudou bastante minha vida, em vários sentidos. Não sei como eu seria hoje se não estivesse no MST”.

“É uma honra viver em uma comunidade que leva o nome de uma mulher guerreira e negra, relembrando todos os dias que Marielle segue viva na nossa luta”, reforçou Lidiane.

No Maranhão, o acampamento Marielle Franco tem sua bandeira hasteada na cidade de Itinga, localizado há 620 km de São Luís, são cerca de 150 famílias que vivem no acampamento que completa 5 anos em junho de 2023, se destacando na produção de alimentos saudáveis para abastecimento das feiras locais na região.

Com uma variedade de legumes, frutas e hortaliças nos quintais produtivos das famílias, o acampamento também se consolida na produção de macaxeira, abóbora, feijão e arroz. Somente de arroz, o acampamento chegou a alcançar 150 toneladas da produção em apenas um ano.

A resistência e a persistência das famílias maranhenses acampadas na área marcam ainda a luta contra o uso de agrotóxicos. Em 2022, os acampados e acampadas denunciaram a pulverização do veneno pela Viena Siderúrgica, que mantém plantação de eucalipto na região. Na época, as famílias denunciaram ainda uma série de ameaças e intimidações vindas da empresa aos trabalhadores e trabalhadoras. Relembre o caso através da reportagem do Brasil de Fato.

No sudeste do país, cerca de 450 famílias estão organizadas no acampamento Marielle Vive, no município de Valinhos, resultado de uma ocupação em 2018, logo após o assassinato de Marielle Franco, na capital carioca.

A área de mais de 130 hectares, antes da ocupação Sem Terra, era marcada pela degradação ambiental e pelo não cumprimento de sua função social, hoje é referência de produção de comida sem veneno, além de um espaço que reafirma o direito à educação, cultura e lazer para os trabalhadores e trabalhadoras.

“A vereadora assassinada dia 14 de março Marielle Franco simboliza as mulheres pretas e mães solos do Brasil afora, e dentro do nosso território não é diferente. Temos aqui muitas mulheres pretas, mães solos, chefes de família”, explica Cintia Zaparoli, do Coletivo de Comunicação do MST na Regional de Campinas.

De acordo com Cintia, o processo de resistência no acampamento é marcado por uma série de reintegrações, ameaças, mas também de muitas conquistas. “Passamos por cinco reintegrações de posse nesses anos, mas tivemos muitas vitórias até aqui: na assistência social e na saúde coletiva, na educação infantil, por exemplo. No início do acampamento não tínhamos acesso a nada disso”.

No que diz respeito à luta pelo território, Zaparoli destaca os desdobramentos da pauta junto ao município. Segundo Cintia, que também integra a direção do MST na região, o acampamento que inicialmente foi inserido como núcleo irregular na discussão do Plano Diretor da cidade, hoje é defendido por especialistas e ambientalista pela importância do local na preservação ambiental, em especial na área da Serra dos Cocais, onde o acampamento está inserido.

Seja nas roças de feijão, milho, arroz e macaxeira, ou nas turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), nos espaços de cultura, esporte e lazer, a vida de Marielle se mantém permanente entre barracos, reuniões e organização coletiva no acampamento.

Por todo o país os territórios organizados pelo MST em homenagem à Marielle reafirmam o compromisso do povo Sem Terra em manter viva sua memória e sua referência com a organização popular, referendados pela luta pela terra, bandeira que mobiliza milhares de homens e mulheres que, assim como Marielle, dedicaram sua vida na construção de uma sociedade mais justa para todos e todas.

Mulheres e a luta pela terra

Para Margarida da Silva, da Direção Nacional do MST, a luta pela terra tem se colocado cada vez mais presente como alternativa para as famílias viverem com dignidade em todo o país. “A conquista da terra simboliza concretamente a possibilidade de comida na mesa, moradia e trabalho. Essas são necessidades reais das inúmeras famílias no país e a luta pela terra se apresenta como uma possibilidade real para essas conquistas, garantindo a produção de alimentos saudáveis e acabar com a fome”, comenta.

De acordo com a dirigente, essas necessidades são ainda mais presentes na vida das mulheres. “Quando olhamos para a realidade das mulheres hoje, em especial nas periferias urbanas e rurais, as condições de vida são ainda mais precárias: em sua maioria mães solo, vivendo em situações de trabalho que não garantem sua sobrevivência e dos seus filhos, tudo isso tem impactado diretamente a vida das mulheres no Brasil”.

“Nesse cenário é fundamental que o fortalecimento da luta pela terra tenha um olhar para a atualidade da classe trabalhadora em nosso país, com olhar especial para as mulheres”, destacou.

Ao se referir ao legado de Marielle, Margarida reforça que, mesmo com referência de luta e de organização nas periferias urbanas, em especial no Rio de Janeiro, a história de Marielle se transformou em um motor para a militância de muitas lutadoras também no campo.

“A simbologia de Marielle está presente em nosso cotidiano. Seja em nossa Jornada das Mulheres, nos processos de organização da produção em nossos territórios ou na luta pela terra, muitas de nossas companheiras carregam a mística de Marielle assim como a de tantas outras lutadoras brasileiras, fortalecendo a nossa identidade e nossas possibilidades de luta”.

5 anos de impunidade

O assassinato da então vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marielle Franco, junto com seu motorista, Anderson Gomes, há cinco anos, na cidade do Rio de Janeiro, marcou o país e o mundo. Ambos foram brutalmente assassinados em uma emboscada quando estavam no carro, saindo de uma agenda do mandato no centro da capital carioca.

O dia 14 de março é, desde então, marcado por uma série de iniciativas que cobram justiça pelo caso que segue impune.

Eleita com mais de 46 mil votos, Marielle era socióloga e, na época, única mulher negra entre os parlamentares. Mulher preta e periférica, ela vinha da Favela da Maré e teve sua trajetória marcada na defesa dos direitos das mulheres, da população negra e das periferias. Sua atuação enquanto vereadora cumpriu uma ampla agenda de enfrentamento às milícias no Rio de Janeiro, fato que está relacionado ao seu assassinato.

*Editado por Fernanda Alcântara

Foto: Reprodução

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