Analistas apontam desgaste de Bolsonaros entre evangélicos

Estada prolongada nos EUA, atos golpistas do 8 de Janeiro e, mais recentemente, episódio das joias da Arábia Saudita afetaram mobilização pelo ex-presidente e pela ex-primeira-dama em redes sociais

por Malu Delgado, em DW

O desgaste de imagem de Jair e Michelle Bolsonaro tem se mostrado mais perceptível entre o público evangélico, que votou em peso no ex-presidente em 2018, quando eleito, e em 2022, quando perdeu a disputa para Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com especialistas que fazem monitoramento de redes sociais.

Já havia sinais de desgaste gradual da figura de Bolsonaro desde 8 de janeiro de 2023, quando houve a invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília, acentuado pela decisão do ex-presidente de permanecer fora do Brasil desde 30 de dezembro de 2022.

Agora, com o episódio das joias que ele e Michelle receberam de presente do governo da Arábia Saudita e não declararam à Receita Federal na entrada ao Brasil, ficou mais perceptível a desaprovação entre os eleitores mais religiosos.

De acordo com Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e editora-geral do Coletivo Bereia, que faz checagem de fatos publicados em mídias religiosas e em mídias sociais brasileiras com conteúdos sobre religiões, foi visível nas redes um certo silenciamento deste público em relação ao caso das joias.

“Pelo nosso monitoramento de mídias cristãs, o silêncio e o apoio reservado [do público evangélico e católico] tem um significado: a imagem está manchada. Não é simples fazer esta defesa [sobre a aquisição das joias] como em outras situações”, afirma a especialista, que também é membro da Associação Internacional em Mídia, Religião e Cultura.

O Coletivo Bereia captou que houve “muitas curtidas, mas poucos compartilhamentos” do discurso montado por Michelle e Jair Bolsonaro para se defender no caso das joias. Significa, na visão dos especialistas em monitoramento, pouco engajamento e baixa disposição para defender o casal.

“A avaliação é que há um certo esgotamento da figura de Bolsonaro e da família. O público das igrejas teve um estresse grande com o discurso polarizador e de ódio das lideranças de direita. O 8 de Janeiro foi uma espécie de ápice do esgotamento. O fato de Jair Bolsonaro estar fora do Brasil e a aparente separação do casal tirou o brilho da liderança dos dois, juntamente com os escândalos da destruição do Palácio Alvorada e agora as joias, o que faz cair muito o apoio”, diz Cunha.

Michelle reage
Em relação às especulações sobre a separação de Michelle e Bolsonaro, a ex-primeira-dama decidiu retornar aos Estados Unidos e na última semana fez postagens sobre a vida de casada e apareceu ao lado do marido em um evento em Orlando, Flórida, na quarta-feira (15/03), para afastar boatos de separação.

Além de fazer postagens dizendo que estava indo ver seu amor, Michelle afirmou que está “pedindo a Deus” que leve Bolsonaro “logo para a nação que ele tanto ama, para a nação que ele lutou tanto e que continuará lutando”. O ex-presidente, que havia dito que retornaria ao Brasil logo após o Carnaval, afirmou que vai avaliar sobre o retorno ao final de março.

O arranhão na imagem de Michelle pelo caso das joias fez o PL adiar um evento com a participação dela, que assumirá a presidência do PL Mulher. O partido tem planos políticos para a ex-primeira-dama, sobretudo contando com a aceitação dela entre o público evangélico.

Na última aparição pública nos EUA, Bolsonaro admitiu que poderá perder os direitos políticos em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e descartou a possibilidade de Michelle disputar um cargo para o Executivo, ou seja, de presidente. O projeto do PL é que Michelle dispute o Senado.

“A história das joias prejudica o projeto [de se cacifar para 2026], apesar de o peso maior recair sobre Jair Bolsonaro. O anúncio de morar de aluguel para reforçar que não tem bens não se sustenta, e se une a outras questões que estão sendo atreladas [ao episódio das joias], como o caso do cheque [de R$ 89 mil] que recebeu do Fabricio Queiroz”, diz Cunha.

Ainda muito pode mudar no cenário político até 2026, e a pesquisadora salienta que há novas lideranças de extrema direita entre o público religioso conquistando espaços importantes. O que mais se destaca, segundo ela, é o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que foi o mais votado do país. O jovem político, diz, “conseguiu trazer de volta a moralidade sexual para o centro da disputa política e segue a estratégia da banalização da política e do deboche”, a mesmas que alavancou Jair Bolsonaro.

Silêncio coletivo
Professor de estudos de mídia e antropologia na Universidade da Virgínia, David Nemer monitora redes de extrema direita no Telegram. Ele confirmou à DW que houve uma espécie de silêncio coletivo após o caso das joias.

O silêncio, explica, é uma reação comum nestes grupos radicais quando são surpreendidos por um episódio de desgaste e não sabem como reagir prontamente. Após um período de silenciamento, vem o ataque, que normalmente “não é uma resposta plausível para explicar o que está acontecendo”. “Sempre atacam o Lula ou a esquerda.”

Nemer enfatiza que a tática usual da extrema direita, visível também agora, é reciclar notícias velhas e argumentar que “Lula teria roubado trilhões”. Seria, segundo ele, uma tentativa de estabelecer parâmetros, como se o valor das joias fosse ínfimo perto do que Lula, na visão deste público, “roubou”. “Ou seja, não estão muito preocupados em defender a honestidade de Bolsonaro”, conclui o professor.

Nemer pontua que a atividade dos grupos está bastante fraca nos últimos meses, sobretudo após os atos terroristas de 8 de janeiro, que estão sob investigação da Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal (STF).

Para ele, ações do STF e também do TSE estão inibindo os extremistas. O ataque do Judiciário às fontes de financiamento do extremismo, na opinião do professor, tem surtido resultado e afetou tanto a criação quanto a distribuição de conteúdos de desinformativos ou falsos. No Telegram, por exemplo, a queda do número de usuários nestas redes chegou a 30%, aponta.

Narrativa convence mais radicais
Segundo a cientista política Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a preocupação tanto de Bolsonaro quanto Michelle de se pronunciarem sobre o episódio mais recente das joias é um claro sinal de que houve prejuízos para o capital político de ambos.

A narrativa dos apoiadores é que se trata de “uma trama da grande mídia para desgastar Bolsonaro”, diz ela, que monitora e faz pesquisas qualitativas com grupos de direita. “[Esse episódio das joias] teve uma repercussão muito grande e ficou muito conhecido, inclusive na mídia internacional.”

No entanto, ainda que tenha ocorrido desgaste de imagem, Rocha sustenta que, para os apoiadores radicais, a narrativa montada pelo clã Bolsonaro, de que se trata de um alvoroço e de que nem ele nem Michelle tinham a intenção de ficar com as joias, deve prevalecer neste grupo.

Arranhão na imagem de Michelle pelo caso das joias fez o PL adiar um evento com sua participação (Foto: Amanda Perobelli/REUTERS)

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