TI Karipuna: cercada pelo agronegócio e novamente atingida pelas hidrelétricas no rio Madeira. Por Luis Fernando Novoa Garzon

O Território Karipuna, situado entre o município de Nova-Mamoré e de Porto Velho, no estado de Rondônia, é testemunha de desfiguramentos contínuos produzidos pelo agronegócio como se vê na figura n.1. O retrato desta política de extermínio histórico se expressa também no quantitativo dos remanescentes deste povo, contando com cerca de 60 integrantes. A TI que virou uma pedra no caminho desta expansão predatória da fronteira agrícola vem sofrendo os efeitos da expansão de outra fronteira em expansão: a fronteira hidrelétrica com seus reservatórios em expansão horizontal. O rio Jacy Paraná, que deu sentido e abrigo para os Karipuna, às margens do qual firmou-se sua aldeia principal, foi repentinamente alagado entre sexta-feira última e o sábado (dias 18 e 19 de março de 2023).

A cota máxima do reservatório de Santo Antônio é de 71,5, cota esta que garante a motorização de suas 50 turbinas de 70 MW. Observando os dados disponibilizados pela Agência Nacional de Águas, observa-se que a cota do rio Madeira se mantém em seu teto, com oscilações resultantes do balanço das águas afluentes (que chegam da UHE Jirau) e das defluentes (que são liberadas pelo reservatório). A ANA, assim como a ANEEL, contudo, não monitoram o tamanho e a conformação de reservatórios em “pool”, que compreendem tanto a calha original do rio barrado quanto os corpos hídricos que afluem ou se intercomunicam. A Figura n. 2 mostra o desastre socioambiental embutido em reservatórios de Usinas a “fio d´agua” que afogam igarapés, lagos e afluentes como o rio Jacy Paraná, que pode ser identificado como o primeiro “braço” na margem direita do rio Madeira.

O efeito de “repiquete” nos afluentes e igarapés que ocorria antes apenas sazonalmente, depois da instalação das hidrelétricas, passou a ser permanente, de forma que águas adicionais, que venham a montante, arrombam corpos hídricos que circundam o reservatório. Os reservatórios das UHEs Jirau e Santo Antônio, desta forma, continuam em expansão lateral, fazendo com que a cota máxima de cada uma, 90 m e 71,5 m respectivamente, seja alcançada e mantida por maior tempo durante o ano. As “externalidades” derivadas desta busca de “otimização dos reservatórios” são identificadas na área boliviana a montante da UHE de Jirau e nas sub-bacias dos rios Mutum e Jacy Paraná, a montante da UHE Santo Antônio. (Figura n.03)

O último episódio deste sanfonamento extrapolado dos reservatórios hidrelétricos no rio Madeira se deu durante a cheia histórica de 2014, amplificada pelo mesmo tipo imprudente de operação dos reservatórios. Neste momento, o rio Jacy e a TI estão sendo afetados em uma situação ainda mais sui generis que aquela, pois abaixo das represas, na área urbana de Porto Velho, o rio Madeira vem secando paulatinamente, enquanto acima das represas, suas águas se espraiam na forma de sobre-cheias localizadas e desastrosas.

Dessa forma, as Licenças Ambientais concedidas aos consórcios controlados pela Suez e pela Odebrecht negligenciam o que possa ser o limite máximo dos reservatórios, extraindo da mensuração formal deles o enchimento dos corpos tributários. Esta camuflagem sobre os reais limites dos reservatórios vai criando novas áreas de sacrifício nos distritos urbanos de Jaci-Paraná e Abunã e sobre territórios de povos tradicionais situados em seu entorno.

O caso agudo, neste momento, é da TI Karipuna e de sua aldeia Panorama (Figuras n. 04 e 05). As águas subiram de forma rápida, gerando a inusitada situação de um povo indígena desabrigado em seu próprio território, povo atingido não por uma cheia natural, mais uma cheia induzida e administrada por concessionárias privadas de geração elétrica (Odebrecht e Suez). O acesso por meio terrestre está interditado e o acesso fluvial precisa se dar de outros pontos de acesso. Os órgãos estadual e municipal de Defesa Civil precisam atuar de forma emergencial para garantir suprimento de alimentos, água potável, medicamentos e retirada de pessoas enfermas em situação crítica[1]. A FUNAI, a ANA e a ANEEL precisam definir as reparações devidas e responsabilizar os agentes econômicos que estão se beneficiando diretamente com tais danos, ao produzir energia com cota máxima, extravasando as bordas laterais dos reservatórios.

Depois de seguidas invasões de madeireiros, garimpeiros e grileiros, os Karipuna sofrem agora o acosso de águas invasoras. É preciso deter este genocídio operacionalizado em diversas dimensões. O Ministério dos Povos Indígenas, em coordenação interministerial, precisa coordenar um mutirão de ações no território para que continue a pulsar. É preciso proporcionar garantias imediatas pelo direito de existir do povo Karipuna.

Luis Fernando Novoa Garzon, doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR-UFRJ e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia

[1] Informações concedidas por Adriano Karipuna.

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