MPF reitera que o megaempreendimento está em terras públicas da União e pede ao governo da Bahia a sua revogação imediata
Aldem Bourscheit, ((o))eco
Autarquias federais comentam a licença do projeto Ponta dos Castelhanos, cujo imóvel ocupa 1.651 hectares ou quase 20% da ilha de Boipeba, no litoral sul da Bahia. A empreitada é da Mangaba Cultivo de Coco e foi aprovada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).
A autorização inicial prevê infraestrutura viária, píer para pequenos e médios barcos, 69 lotes residenciais e de uso coletivo, 2 pousadas com 25 quartos cada, aeródromo e desmatamento de 3 hectares de Mata Atlântica. Eventuais novos pedidos da empresa serão avaliadas pelo Inema.
Mídias locais replicaram no fim de semana que “órgãos se manifestaram a favor do projeto, entre os quais o IPHAN, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Fundação Cultural Palmares (FCP) e a Superintendência do Patrimônio da União (SPU)”. ((o))eco apurou as afirmações.
O ICMBio informa que “não há manifestação favorável do órgão ao empreendimento, uma vez que este não se encontra ou afeta unidades de conservação [federais]”.
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) reforçou o afirmado em nossa reportagem de 2019, que o “imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos é totalmente da União” e que só após a destinação de terras a comunidades tradicionais outras demandas na região “poderão ser avaliadas”.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) deu sinal verde à licença, mas aguarda um relatório da empresa com medidas para proteger 10 sítios arqueológicos na área do empreendimento.
A Fundação Cultural Palmares (FCP) não atendeu ((o))eco até o fechamento da reportagem. Todavia, 8 remanescentes de quilombos já são certificados pelo órgão nas ilhas de Tinharé e de Boipeba.
Além de abrigadas numa área protegida estadual, as ilhas integram o Sítio do Patrimônio Mundial Natural da Costa do Descobrimento e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecidas pelas Nações Unidas respectivamente em 1999 e 1991.
Ilegalidade fundiária
O Ministério Público Federal (MPF) reforçou na terça-feira (14) que o projeto está em “área pública federal reservada a comunidades tradicionais” e demandou a “imediata revogação” da “ilegalidade de caráter fundiário”.
Também pede que o governo baiano não mais licencie obras em terras federais, sobretudo afetando remanescentes de quilombos e pescadores nas ilhas de Boipeba e de Tinharé, como Cova da Onça, Monte Alegre e Batateira.
“É importante questionar: qual parte o INEMA não entendeu? Ou não quer entender? O caso envolve área pública federal”, destaca o MPF.
O órgão espera que a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) na Bahia cancele todas as inscrições de ocupação de terras da “Mangaba Cultivo de Coco, ou quaisquer de seus sócios ou sucessores, pessoas físicas ou jurídicas”.
Em 2019, o Ministério Público Federal já havia pedido a interrupção do licenciamento pelo Inema, bem como a fiscalização e a regularização das terras das comunidades tradicionais pela SPU.
Boipeba e Tinharé ficam no município de Cairu. Obtido por ((o))eco, um ofício da prefeitura pedia à SPU, em 2017, que abrisse mão das terras federais para consolidar as “vocações imobiliárias e ecoagroturísticas” do arquipélago.
Caso os órgãos públicos estaduais descumpram as demandas do MPF, podem ser alvo de ações judiciais, diz sua Assessoria de Imprensa.
O Governo da Bahia não atendeu aos nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem.
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Imagem: Praia de Moreré, em Boipeba. Foto: Panta LH/Creative Commons