O peso de Dilma Rousseff na presidência do banco dos Brics

Ex-presidente da República é confirmada no comando do Novo Banco de Desenvolvimento. Eleição evidencia resgate de prestígio político da petista, que, à frente da instituição, terá o desafio de lidar com a questão russa.

Por Nilson Brandão, na DW

A chegada da ex-presidente Dilma Rousseff à presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) evidencia um resgate de prestígio político. Desde o impeachment, ela vinha afastada da vida pública. Diferente de quando era presidente, ela responderá a instâncias superiores na estrutura do banco, e não terá poder de decisão final em todos os assuntos. Enfrentará desafios, como a situação da Rússia no NDB, e terá que lidar com o ingresso de novos integrantes na instituição.

Eleita por unanimidade para a presidência do banco dos Brics nesta sexta-feira (24/03), Dilma deve tomar posse no cargo no dia 29, durante viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China. Especialistas acreditam que seu perfil, mais técnico-burocrata do que articulador político, deverá favorecê-la na liderança executiva do banco, que em março de 2020 anunciou a suspensão de empréstimos e financiamentos à Rússia, por conta de cenário de “incertezas e restrições”, conforme nota que não citava a guerra na Ucrânia.

O banco e as atribuições da presidência

O NDB foi criado em 2014 pelos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países fundadores, economias emergentes e em desenvolvimento. Desde então, aprovou financiamentos de 32,8 bilhões de dólares para 96 projetos. Hoje, são nove integrantes, com a admissão de Bangladesh, Egito, Emirados Árabes e Uruguai nos últimos anos.

Dilma Rousseff reportará a dois conselhos no NDB. A estrutura hierárquica do banco é encabeçada pelo Conselho de Governadores, composto pelos ministros das finanças dos países-membros, instância máxima decisória. Logo abaixo, vem o Conselho de Administração, do qual a presidência executiva faz parte, mas sem direito a voto (salvo para casos de desempate nas votações).

Em regra, terá atribuições como liderar e supervisionar as atividades do banco, representar a instituição diante de países-membros e garantir o cumprimento de prioridades traçadas, dentre outras. Contará com quatro vice-presidentes: Finanças; Gestão de Tesouraria e Portfólio; Estratégia e Risco; e Recursos Humanos.

O banco tem 207 funcionários – 62% homens e 38% mulheres –, conforme dados consolidados no fim de 2021.

“A presidência do NDB é uma indicação política e pode ser exercida por qualquer brasileiro ou brasileira de alto perfil no governo, desde que, a meu juízo, respeitado o prazo do mandato em vigor”, avalia o vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), embaixador José Alfredo Graça Lima. Como subsecretário para Ásia e Pacífico, Graça Lima atuou como sherpa (articulador e negociador) do Brics entre 2014 e 2016.

Dilma substitui indicado por Bolsonaro

A ex-presidente substitui Marcos Troyjo na liderança do banco. Troyjo foi apontado ao cargo pelo governo Jair Bolsonaro, para o período entre 2021 e 2025, em que a presidência rotativa do NDB cabe ao Brasil. A escolha de Dilma resolve, na prática, duas questões: indicá-la a algum ministério no país traria alto custo político ao governo Lula, além do desconforto que seria manter um presidente, no caso Troyjo, identificado ao governo anterior e rival nas últimas eleições.

“A indicação de Dilma é a busca por parte do governo Lula de ter uma pessoa de confiança em um cargo estratégico. O então presidente era tido como uma figura naturalmente incompatível para os anseios, podemos dizer, do governo Lula em termos de política externa”, comentou o professor de Relações Internacionais da UERJ, Paulo Velasco, citando que Dilma pode “dar a volta por cima” com o novo cargo.

Velasco também acredita que a performance econômica do governo Dilma, quando o país enfrentou crise e o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu, não se relaciona à “job description” para o cargo. “É uma função muito mais técnica. Ela exerceu funções técnicas no passado com alguma competência, quando ministra, e tem perfil técnico-burocrata”, completa Velasco, lembrando, porém, a dificuldade na articulação política.

Embaixador do Brasil na China, onde viveu doze anos, o diplomata Marcos Caramuru explica também que o NDB não é um banco tão complexo, comparado a outras instituições multilaterais. “É um banco que se dedica a financiar projetos de infraestrutura, em geral com risco soberano, portanto um banco razoavelmente simples. Não há grande dificuldade em administrá-lo”, analisa o embaixador.

Questão russa será desafio

Caramuru pontua, porém, que o banco tem um problema com o qual lidar: a questão russa. “Essa é uma questão difícil para lidar. Não sei como vai ser resolvido. Acho que não existe luz no final do túnel ainda. Enquanto a guerra estiver presente, vai ser difícil encontrar uma solução para isso”, diz Caramuru.

A situação russa e o ingresso de novos integrantes e o relacionamento com novos membros serão desafios para a nova presidência da instituição.

Analistas avaliam que a indicação de uma ex-presidente ao cargo é vista como uma espécie de deferência para os chineses. Sobre perspectivas futuras da gestão de Dilma Rousseff, os especialistas consultados não cravaram tendências esperadas por antecipação. Um deles, observador atento do Brasil na cena internacional e que não quis se identificar, chegou a comentar: “Esse é o tipo do caso que os americanos resumem dizendo que ‘the proof is in the pudding’ (a prova está na experimentação, tradução livre). Vamos ter de esperar para ver como será”, concluiu.

 

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