De outubro do ano passado até fevereiro, 1,5 mil novas árvores foram plantadas no Lago Sul; distante 38 km da região nobre, o Sol Nascente não teve nenhuma árvore plantada. Segundo especialistas, comparação explicita falta de políticas públicas e escancara o ‘racismo ambiental’.
Por Ana Clara Alves, g1 DF
Uma postagem no Twitter, feita na última semana, mostra o contraste entre o número de árvores no Sol Nascente, maior favela do Brasil, e no Lago Sul, região nobre de Brasília que, se fosse um município, seria o mais rico do país. A junção de duas imagens viralizou nas redes sociais e, segundo pesquisadores, abriu espaço para o debate sobre como o racismo ambiental se expressa no país.
O verde do Lago Sul contrasta com o cinza do Sol Nascente (veja imagem acima). Distantes 38 quilômetros uma da outra, as duas regiões do Distrito Federal são tratadas pelo poder público de maneiras opostas.
Para exemplificar a situação, de outubro do ano passado até fevereiro deste ano o Lago Sul recebeu 1.510 novas árvores por meio do programa de Arborização da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). No Sol Nascente, nenhuma árvore foi plantada pelo poder público.
Segundo a Novacap, “de fato, há regiões mais arborizadas”, no entanto, o departamento “não poupa esforços para contemplar todas as cidades” (leia nota completa ao final da reportagem).
Rita Santos, especialista em educação ambiental, diz que a foto no Twitter expressa “a violação do direito de todo ser humano de conviver em um ambiente ecologicamente equilibrado”.
“Há vários estudos que demonstram como a vivência em áreas verdes é fundamental para a saúde humana, implicando no bem-estar físico, mental, emocional. Em uma abordagem socioambiental, incluímos aspectos referentes às condições dignas de moradia”, diz Rita.
Para Raphael Sebba, especialista em planejamento urbano que publicou a foto na rede social, o resultado da comparação mostra a desigualdade no acesso à qualidade urbanística. “Da mesma forma que não há preocupação no planejamento urbano, não há preocupação com a qualidade ambiental”, explica.
“A imagem aponta uma falha na política habitacional. Se ela não funciona, nasce uma ocupação. O planejamento urbano no país é falho e não considera todas as demandas que as pessoas têm. As pessoas pensam na moradia como teto e não pensam no ambiente”, diz Sebba.
Sol Nascente, Lago Sul e o ‘racismo ambiental’
O Sol Nascente nasceu de uma invasão. A 35 km do centro de Brasília, a região começou a ser habitada na década de 1990, com terrenos ocupados de forma irregular.
Sem uma política pública e sem planejamento urbano, o lugar se tornou a maior favela do Brasil, ultrapassando a Rocinha, no Rio de Janeiro, em número de domicílios. Os dados são da prévia do Censo 2022, do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE).
Os moradores convivem com a falta de saneamento básico, lazer e urbanização. Na última terça-feira (21) os efeitos da chuva aumentaram os problemas: casas foram alagadas, muros caíram, o asfalto novo foi destruído e crateras se abriram nas ruas, impossibilitando a mobilidade.
“O planejamento urbano, como previsto nas normativas brasileiras, é participativo e democrático. Nesse sentido, deveria ser para todos e com todos. A realidade da desigualdade racial é o que afeta o acesso. A maioria da população que reside nesses lugares é negra e isso ocorre não por uma questão econômica, mas porque o racismo dificulta o acesso da população negra aos direitos fundamentais”, diz Rita Santos.
Na região do Sol Nascente, onde 67,9% dos moradores se consideram pardos ou pretos, de acordo com a última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), de 2021, mais de 40% das famílias vivem com uma renda de um a dois salários mínimos por mês.
Na “parte verde” da imagem, o Lago Sul tem 32,7% de moradores que se autodeclaram pretos ou pardos. Na região, o rendimento mensal é de mais 20 salários mínimos por mês em mais de 60% dos domicílios.
“O conceito de racismo ambiental evidencia como a degradação ambiental impacta mais intensamente as populações étnico-racializadas”, diz Rita Santos.
Além disso, conforme a especialista, o processo excludente ou subjugado dessas populações reflete no processo decisório das políticas públicas. Segundo Rita Santos, tratar problemas ambientais está diretamente ligado a tratar problemas sociais.
“A desigualdade racial dificulta a participação efetiva de pessoas negras, indígenas, povos e comunidades tradicionais nos processos de elaboração do planejamento, como também compromete a abordagem inclusiva, justa e antirracista por parte das pessoas brancas que, majoritariamente, estão nesse processos decisórios de planejamento e execução”, diz a especialista.
O que diz a Novacap
“A Novacap informa que o DF tem, aproximadamente, 5,5 milhões de árvores, distribuídas em todas as regiões administrativas, sendo o Plano Piloto a mais arborizada, com, aproximadamente, 1,5 milhão de indivíduos. O inventário florestal não é uma tarefa simples, necessita de muita mão de obra e recurso.
Sabe-se que, de fato, há regiões mais arborizadas e o Departamento de Parques e Jardins não poupa esforços para contemplar todas as cidades, contudo, o indivíduo arbóreo, uma vez inserido em ambiente urbano, fora de suas condições naturais, encontra uma série de impedimentos para o seu crescimento, e o plantio deve ser feito com muita cautela para que, no futuro, não leve riscos à população local. O departamento estuda as espécies adequadas para o plantio em cada RA.
Vale ressaltar que o plantio é feito no período chuvoso, com início em meados de outubro e término em meados de abril.”
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Imagem: Sol Nascente e Lago Sul, da esquerda para a direita, em imagem aérea postada nas redes sociais — Foto: Raphael Sebba