Família Alexandre é dona da Fazenda Balneário do Tejuí, onde indígenas da etnia Guarani Kaiowá foram ameaçados por seguranças, com respaldo da Polícia Militar; sobrinho do proprietário é dono de madeireira em Juína (MT), onde é alvo de inquérito civil por desmatamento
Por Bruno Stankevicius Bassi e Nanci Pittelkow, em De Olho nos Ruralistas
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a organização indígena Aty Guasu denunciaram na última terça-feira, 27 de março, mais um ataque ilegal à comunidade Kurupi/Santiago Kuê, localizada em Naviraí (MS). Sob escolta da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, funcionários da Fazenda Balneário do Tejuí avançaram com tratores sobre a comunidade, destruindo barracos e instrumentos sagrados da retomada. Duas semanas antes, no dia 16 de março, indígenas registraram, em vídeo, um helicóptero sobrevoando a comunidade enquanto pistoleiros atiravam sobre as casas.
A disputa pelo tekohá – o “espaço vital” na cosmologia Guarani – se estende desde 2014, quando o proprietário do imóvel, o fazendeiro Miguel Alexandre, impetrou uma ação de reintegração de posse contra os indígenas. Ele e o irmão Pedro, falecido em 2019, eram donos da cerealista Irmãos Alexandre e possuem, juntos, nove fazendas em Naviraí, totalizando 1.214 hectares.
Mas os negócios da família vão muito além da região do conflito. A 1.800 km dali, em Juína (MT), próximo à divisa com Rondônia, o filho de Pedro, Joaquim Augusto Alexandre, é dono da Fazenda Água Boa, com 4.772 hectares, e da serraria JMC Madeiras. Em dezembro de 2022, ele se tornou alvo de um inquérito civil movido pelo Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) para apurar um desmatamento ocorrido no imóvel.
Segundo dados levantados junto à Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), entre julho a dezembro de 2022 foram desmatados cerca de 258 hectares de floresta amazônica, entre degradação e corte raso. A ação judicial busca identificar se foram cumpridas as condicionantes da Autorização para Exploração Florestal (Autex) nº 3591/2022, que liberou a atividade madeireira em até 1.623 hectares do imóvel, com validade até julho de 2023.
FAMÍLIA PROMOVE ATAQUES A INDÍGENAS DESDE 2014
Em 2005, cerca de 13 famílias Guarani Kaiowá ocuparam uma área próxima à rodovia BR-163, nas imediações do município de Naviraí (MS). O intuito era retomar parte de seu território tradicional, do qual foram deslocados entre as décadas de 1950 e 1970, pela pressão de fazendeiros. Tinha início ali a longa (e violenta) jornada da comunidade Kurupi/Santiago Kuê para garantir seu direito ao tekohá.
Em um dos episódios mais graves, em outubro de 2014, pistoleiros tentaram sequestrar Ivo Martins, um ancião cadeirante, reconhecido como um dos líderes da comunidade. Segundo denúncia do Cimi, o fazendeiro Miguel Alexandre, proprietário da Fazenda Balneário do Tejuí, teria participado diretamente da ação: ele dirigia a caminhonete que transportava os homens armados.
As pressões contra a comunidade voltaram a crescer a partir de 2022, após a fazenda ter sido arrendada para o produtor de algodão Valdecir Lunas Santos, coautor junto com Miguel Alexandre em uma nova ação de reintegração de posse contra os indígenas, atualmente em tramitação na 1ª Vara Federal de Naviraí.
No mês de junho, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul iniciou uma série de operações violentas na região – quase sempre sem determinação judicial e com uso de força desproporcional. No dia 24, uma ação contra a retomada Guapoy, no município vizinho de Amambai, resultou no assassinato do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos. Ao todo, oito Guarani Kaiowá, incluindo dois jovens, ficaram feridos. O episódio ficou conhecido como “Massacre de Guapoy”.
De Olho nos Ruralistas revelou, em reportagem, que o proprietário da fazenda onde ocorreu o crime era o empresário Waldir Cândido Torelli, dono de um frigorífico no Paraguai e amigo do ex-presidente Horacio Cartes: “Saiba quem é o dono da fazenda onde Guarani Kaiowá foi assassinado, no Mato Grosso do Sul“. No mesmo dia, a comunidade Kurupi/Santiago Kuê foi também atacada pela força policial.
Essa área em disputa faz parte da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá II, que aguarda desde 2011 a conclusão do estudo de demarcação. Diante do acirramento da violência, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul expediram hoje (29/3) uma nota pública recomendando a finalização do processo demarcatório.
Foto principal (Marina Oliveira/Cimi): indígenas protestam contra violência em frente ao Senado, em junho de 2022.