Sementes Marias, Mahins, Margaridas: as mulheres e as lutas de resistência

A coluna deste abril traz um balanço das Jornadas de Luta das Mulheres Sem Terra e um histórico do protagonismo feminino nas lutas, apagadas pelo patriarcado, mas não silenciadas

Por Coletivo de Mulheres Sem Terra do MST Maranhão
Da Página do MST

O agronegócio lucra com a fome e a violência. Por Terra e Democracia, mulheres em resistência!”

Com essa consigna as mulheres Sem Terra anunciaram os aromas das lutas e ocuparam as ruas e as redes com ações nos 23 estados do país e no Distrito Federal, inclusive em terras africanas, na Zâmbia.

A Jornada de março se insere na tradição histórica de lutas conduzidas por mulheres em todo o mundo. Luta por direitos trabalhistas, ao corpo, por vida digna, pela construção de relações humanas livres de violência e igualitárias. A história das lutas das mulheres é mal contatada, apagada em grande parte, principalmente se considerarmos a narrativa dos colonizadores brancos, homens e ricos. Ela não começa com as lutas sufragistas e feministas do século XIX, na Europa e EUA, embora estas tenham cumprido importante papel no processo de emancipação feminina.

As mulheres sempre organizaram a resistência, mas o julgo patriarcal acabou por apagar seu protagonismo de nossa história. Há poucos dias, a companheira Djacira Araújo, do MST da Bahia, nos brindou com um rico percorrido histórico sobre a participação das mulheres nas lutas de resistência no Brasil.

Ecoavam nomes como: Clara Camarão – indígena da etnia Potiguara, que liderou mulheres contra a invasão holande3sa; Negra Zeferina – fundadora do Quilombo Urubu e líder de diversas insurreições negras na Bahia; Luiza Mahin – articuladora de diversas rebeliões, que tocaram fogo na província da Bahia, entre ela a Revolta dos Malês; Nísia Floresta – primeira educadora feminista do Brasil; Maria Firmina do Reis – primeira romancista brasileira negra e educadora abolicionista.

E estas foram seguidas de tantas outras – Margarida Alves, Elizabeth Teixeira, Roseli Nunes – mulheres mais próximas de nós, que juntas semeiam e fazem brotar a ousadia e rebeldia necessárias para que sigamos rompendo as cercas do latifúndio, da exploração e das opressões. Sua coragem nos inspira, mas de forma diversa da dos velhos, empoeirados e mal ajambrados “heróis nacionais” que conhecemos nos livros de história.

As mulheres lutadoras, que buscamos recordar – repor no coração -, têm como característica a coletivização da luta, se furtam à designação de “heroínas”. Como nos diz um poema de Diva Lopes, “a nós (mulheres) interessa a felicidade” e, por isso, nossas lutas não são pela metade e nem somente para nós mesmas. Os aromas de março, nossos lenços de chita, cânticos, punhos em riste e palavras de ordem são uma das mais combativas demonstrações disso.

Seguimos em luta, pois não podemos permitir que as crises das democracias limitadas do capitalismo naturalizem as desigualdades e aumentem cada vez mais a concentração de riquezas, que siga com a destruição dos bens da natureza e promova o enfraquecimento dos vínculos de solidariedade. Não podemos, e não devemos permitir que as desigualdades se tornem normais e que impossibilitem alternativas de um mundo justo e igualitário.

A mobilização das mulheres do MST reafirmam as pautas que, para alguns, perderam o sentido, mas para nós elas estão latentes e presentes no cotidiano de nossas vidas. Estas vidas que para muitos não importam, mas nós nos importamos e estamos aqui bem vivas e em resistência!

Seguimos em luta, pois não esquecemos a pandemia da Covid-19 e toda sua tragédia para o povo brasileiro; a fome que atinge mais de 33 milhões de pessoas; o fascismo; a desigualdade salarial entre gêneros; a violência do agronegócio; a degradação do ambiente; o garimpo em terras indígenas; as queimadas no Pantanal, no Cerrado e na Amazônia; o uso de agrotóxicos; assassinatos e violências contra os povos do campo, da floresta e das águas, indígenas, camponeses, povos tradicionais e quilombolas, os feminicídios.

Seguimos em luta e denunciamos o aumento da fome e das violências em nosso país contra a classe trabalhadora, contra as mulheres, pessoas negras e LGBTI+. Denunciamos esta sociedade que concentra riquezas, terras, que é patriarcal, é racista e violenta.”

Seguimos em luta e reivindicamos a democratização da terra, através da implantação de uma Reforma Agrária Popular; com acesso à terra, a créditos para produzir alimentos saudáveis e combater a fome; por uma estruturação produtiva, com agroindústrias, assistência técnica e ambiental; com habitação e acesso à água; educação, cultura, esporte e lazer e ampliação dos instrumentos de participação popular de combate a violências contra as mulheres.

Nossa luta é pela vida e soberania alimentar, pois nossa vida está em risco e também o futuro da humanidade!

A rebeldia dos aromas de março chega a abril, é a marcha seguindo o caminho das lutas que se entrelaçam no vermelho e lilás das mulheres e dos povos do campo. Neste 17 de Abril – Dia internacional das Lutas Camponesas, seguiremos em luta e reafirmaremos nosso compromisso em defesa dos direitos humanos e denunciaremos os efeitos das políticas neoliberais e o avanço do capital sobre nossos territórios e seguiremos em luta em memória ao massacre de Eldorado do Carajás, em 1996.

Seguiremos em luta! Resistiremos e não desistiremos de construir um mundo de relações humanas emancipadas e livre das violências.

Neste abril, façamos como Maria Soares, lutadora Sem Terra, que nos deixou neste ano, e que a cada ocupação levava mais de 100 famílias para nossas trincheiras. Convoquemos e organizemos nosso povo e permaneçamos em luta, nos levantando contra os que nos exploram e oprimem. Março não acabou e seguirá semeando aromas de rebeldias! Por Terra e Democracia, mulheres em resistência!

Abril de 2023.

*Editado por Solange Engelmann

No 8M no Maranhão: mulheres do MST se uniram aos movimentos sociais e entidades em ato público pelas ruas de São Luís. Foto: @euselmafotografa

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