Mulheres Deni e Kanamari se reúnem na aldeia Nova Morada para debater direitos indígenas

O 1º Encontro de Mulheres Indígenas do rio Xeruã, em Itamarati, no Amazonas, foi uma grande roda de conversa sobre seus direitos individuais e coletivos. Entre eles, uma vida sem violência e a defesa de seus territórios

POR RAIMUNDO FRANCISCO DE SOUZA SILVA E FRANCISCO DOS SANTOS AMARAL, DO CIMI REGIONAL NORTE I EQUIPE MÉDIO RIO JURUÁ, E LÍGIA APEL, ASCOM, CIMI REGIONAL NORTE I

“Eu quero estudar, quero aprender para ajudar meu povo, mas é muito difícil ficar na cidade pra estudar. As mulheres tem que aprender para melhorar as coisas, tem muitas parentes [mulheres indígenas] que estão nas organizações ajudando, defendendo os povos indígenas. Eu também quero aprender para ajudar”. Esse é o depoimento de Wanoh Raquel Kanamari, durante o 1º Encontro de Mulheres Indígenas do Rio Xeruã, que aconteceu nos dias 30 e 31 de março, na aldeia Nova Morada, rio Xeruã, Terra Indígena Deni.

O tema do encontro foi “Mulheres indígenas fortalecendo suas lutas, diálogos e parcerias para a defesa e garantia de seus direitos individuais e coletivos, protagonizando a manutenção da vida nos territórios indígenas”. O evento tinha o objetivo de valorizar e fortalecer o protagonismo feminino dentro das aldeias e organizações indígenas, além de estudar a lei Maria Penha, que garante sua proteção contra as violências de gênero.

“Eu quero estudar, quero aprender para ajudar meu povo”

Participaram lideranças e mulheres das aldeias Nova Morada, Boiador do povo Deni e das aldeias Santa Luzia, Flexal e São João do povo Kanamari.

O encontro faz parte das atividades do projeto “Indígenas do Médio Rio Juruá Resistência na Luta pela Garantia de seus Direitos, Etapa II”, promovido pela equipe do Cimi Regional Norte I equipe Médio Rio Juruá. Iniciado em 2022, o projeto tem como principal estratégia ouvir as mulheres para conhecer suas demandas, como elas se percebem nos espaços de decisão das comunidades, como se sentem nas organizações indígenas que pertencem, que ações e sonhos possuem e como gostariam de qualificar sua participação na luta em defesa do seu povo.

Nas partilhas, as mulheres refletiram sobre seu cotidiano e pontuaram as atividades diárias que desenvolvem. Ao final, concluíram que se dedicam e trabalham muito mais que os homens, tendo que lidar com os filhos, com os afazeres da casa e contribuir com os parceiros nas decisões.

Nas partilhas, as mulheres refletiram sobre seu cotidiano e pontuaram as atividades diárias que desenvolvem

Quanto às relações pessoais na família trocaram alegrias, mas também dores e desejos ocultos. As mulheres afirmaram, também, que, muitas vezes, não são respeitadas, não são tratadas como gostariam. Elas deram depoimentos fortes e corajosos relatando situações de violência doméstica. “Amamos nossa família, mas gostaríamos que os homens nos tratassem com amor e respeito”, afirmaram desejosas.

A indígena Kuve Hava Deni, da aldeia Nova Morada, deu o seu depoimento dizendo que “as mulheres têm muito trabalho na aldeia e na roça, tem que cuidar dos filhos, limpar, cuidar das coisas e o homem não cuida direito das mulheres. O homem tem que cuidar das mulheres. Se o homem bate na mulher, não cuida direito, a mulher vai ficar magra, feia e os outros vão falar que ela está sofrendo e não é cuidada. A culpa é do marido. O marido precisa cuidar e manter a mulher, tem que ajudar na roça, tem que caçar, pescar e não deixar faltar a comida da família”, declarou.

“As mulheres têm muito trabalho na aldeia e na roça, tem que cuidar dos filhos, limpar, cuidar das coisas”

Puniarani Makuvi Deni, também da aldeia Nova Morada, lembrou de homens que não proveem a subsistência da família, gasta os recursos obtidos por meio de benefícios sociais com bebida alcoólica e impede a mulher de administrar o que recebem. “A mulher é que ganha benefício por causa dos filhos, mas o marido pega e compra as coisas. Tem vez que compra bebida, fica ‘bêbado’, aí bate na mulher. Até compra as coisas de casa, mas esquece muitas coisas. Nem deixa a mulher guardar o dinheiro. Tem vez que mulher precisa comprar coisa para ela, mas não tem o dinheiro”, desabafa.

Após o diagnóstico da realidade em que vivem, foi lhes apresentada a Lei Maria da Penha que, em seu artigo primeiro, estabelece a criação de “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § [parágrafo] 8º do artigo 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.

“A mulher é que ganha benefício por causa dos filhos”

Ao compreender a Lei Maria da Penha, as mulheres puderam identificar e destacar as violências que sofrem e entender a lei a qual devem recorrer para se amparar e se proteger, o que as fizeram se sentir amparadas.

O Conselho Tutelar do município de Itamarati também se fez presente e partilhou conceitos e a legislação sobre políticas públicas e direitos sociais, como previdência social e proteção à maternidade e à infância.

Por último, os processos de organização comunitária e associativismo foram debatidos e relacionados ao que as mulheres já conhecem da associação a que pertencem. “Nós temos nossa associação, mas parece que tem algumas coisas erradas. Se os homens não fazem os trabalhos direito, as mulheres vão fazer associação de mulheres para poder resolver as coisas das mulheres. Nós queremos fazer nossos artesanatos, nossas pulseiras, colares, pinturas e não temos material. Se tiver associação das mulheres, nós vamos ter nosso material”, afirmou, decidida, Kuve Hava Deni.

“Nós queremos fazer nossos artesanatos, nossas pulseiras, colares, pinturas e não temos material. Se tiver associação das mulheres, nós vamos ter nosso material”

Na avaliação da equipe do Cimi, o encontro foi esclarecedor e informativo para as mulheres e importante para a compreensão de leis que protegem seus direitos e que podem implementar melhorias internas nas aldeias.

“O contexto das mulheres indígenas do Xeruã é diferente e o contato com essas questões de legislação e políticas é recente. Por isso foi importante trazer as informações. Percebemos que o foco delas, digamos assim, o dinamismo de ação é mais voltado para as conquistas internas, direitos e mais igualdade dentro da aldeia, de não ser violada ou violentada, de ter autonomia para comprar suas coisas, para ter suas miçangas para fazer seu artesanato, para ter o marido mais próximo nos trabalhos do cotidiano”, avaliou a equipe.

“O contexto das mulheres indígenas do Xeruã é diferente e o contato com essas questões de legislação e políticas é recente. Por isso foi importante trazer as informações”

Outra conclusão é que, juntas, partilhando e trocando seus problemas e desejos, ficam mais fortalecidas. “No começo estavam tímidas, mas depois começaram a falar. Depois que uma falou, a outra logo se manifestou também, concordando, complementando, acrescentando” e concluíram que os objetivos foram alcançados e o resultado foi positivo”, concluiu.

No final do evento, entusiasmadas, realizaram um jogo de futebol com dois times femininos.  As mulheres Deni e Kanamari se mostravam felizes com o que partilharam e decididas com suas escolhas.

1º Encontro de Mulheres Deni e Kanamari do rio Xeruã. Foto: acervo equipe Cimi Regional Norte I equipe Médio Solimões

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