A chibata. Por Julio Pompeu

Na Terapia Política

– Vovô, eu estava trabalhando, para sustentar meus três filhos. Aquela mulher veio e me bateu com a coleira do cachorro. Me tratou como menos que o cachorro dela. Tomei chicotada que nem escravo. Por que essas coisas acontecem, Vovô?

– Ai, se um dia nóis se respeitasse! Dum jeito assim qui nem qui a gente faz com quem gosta… Num precisa de chamego pra gostá. Mais precisa gostá pra tê chamego. Pra gostá só carece respeito. Pur isso o respeito é qui se tem que querer, qui é pra gente se gostá.

Hoje, a gente num se respeita. A gente bate e apanha e batê e apanhá num é coisa de gente. Nem de bicho. Mas é o que a gente, qui num é bicho, faz cum gente. E faz dum jeito qui tem uns qui só bate e otros que só apanha. Uns qui sabe qui pode batê e otros qui já sabe qui vai apanhá sem recramá. Purqui si recramá, apanha mais duma vez.

Quem bate tem dinhêro e istudo. Sabe falá umas coisa com palavra difícil de se falá e mais difícil ainda de intendê. A gente diz que é gente qui fala bonito e chama de dotô. Mais num tem beleza no qui fala não. Falta uma coisa assim de música no falá. E a gente tumbém sabe qui nem é dotô di sabê tudo, mais de sabê dumas coisa qui ninguém dêxa a gente sabê. Purqui si a gente sabê, vai querê falá disso tumbém. E ninguém qué qui a gente fala nada. Só qué qui nóis trabaia. E se num trabaiá, apanha.

Di nós, eles só qué sabê no trabaio. Tudo quieto. Dócil, eles diz. Purqui p`rêles nóis é até doce quando fica quieto rino fazendo di conta qui num vê que ninguém vê nóis di verade. Vê como coisa. Di si compra, vendê ou quebrá. E eles inté briga entre eles quano um deles vê a gente e fala da gente feito gente. É gostoso de se ouvi. É o gosto do respeito. Nóis pode ser dócil, mais queria memo era ter o gosto de respeito.

Eu passei minha vida assim, fio, trabaiano, apanhano e às veiz cantano. I quando cantava era um furdunço! Eles num sabia se dançava o si batia de vê nóis cum aligria! Eles num pudia si alegrá com o que nóis fazia e nem dexá nóis ficá alegre. Alegria era ruim naquele tempo. Mas no fundo era o que todo mundo, nóis i eles quiria. Daquela tristeza, nóis tudo era escravo.

Mais agora, fio, eu fiz minha passage. Num tô mais nesse mundo e só venho aqui assim, muntado nesse cavalo pra falá cum os fio qui nem vóis. Eu até achei qui esse mundo ía dexá a vida di escravo pra trás. Mais eu fico numa tristeza grande quano vejo os fio de hoje, cês qui tão vivo, qui dizem qui num são mais escravo, apanhano qui nem nóis apanhava. Eu fico triste di vê qui ainda tem gente qui pensa qui pode batê. E bate nos fio. Dispois, fala cumas palavra difícil qui tá duente da cabeça. Tão duente é do coração, qui num vê ocêis qui nem gente. Duente dos ovídu, qui num iscuta o que cêis fala, só purque cêis fala errado. O mundo docês, fio, inda tá duente qui nem o meu tava. I só vai curá quano curá os coração dos fio qui bate e o coração dos qui apanha.

– Obrigado Vovô!

– Vai cum a bênção de Zambi e di Nosso Sinhô Jesus Cristo, qui sempre insinô qui nóis tudo é irmão…

E no terreiro de Umbanda, a gira seguiu noite adentro com fumaças, cantos e atabaques. Assustando uma vizinhança branca que se acha “do bem” e acha “do mal” qualquer coisa que venha de gente preta.

Ilustração: Mihai Cauli  

 

 

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