Para’í leva cultura do povo Guarani às telas do cinema

Com protagonistas e realizadores indígenas, longa-metragem enfoca relação dos Guarani com seu território e seus alimentos tradicionais

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO – PARA’Í / CIMI

Vai ter Guarani no cinema! Na quinta-feira, dia 20 de abril, estreia o filme Para’í, que promete levar a cultura do povo Guarani e sua luta pela terra a salas de cinema de todo o Brasil.

Realizado em colaboração com o Grupo Audiovisual da Terra Indígena (TI) Jaraguá, em São Paulo (SP), sob direção de Vinicius Toro, o longa-metragem conta a história da menina Pará, que, após encontrar uma colorida espiga de avaxi para’i – milho tradicional do povo Guarani –, inicia uma caminhada em busca de sua própria identidade.

A aldeia Yvy Porã, uma das seis da TI Jaraguá, recebeu o pré-lançamento do filme no último domingo, 16 de abril, durante a programação do Festival O Jaraguá é Guarani. O evento contou com a participação dos realizadores indígenas e não indígenas.

Sonia Ara Mirim, que é liderança guarani e uma das criadoras da história original que embasa o filme, explica que a ideia era “mostrar a cultura através do audiovisual”: “O povo Guarani é um povo que mexe muito com a terra, mas as pessoas não conhecem nossa relação com o alimento tradicional – e o milho é um dos alimentos tradicionais do povo Guarani há milênios”.

“Você já tinha visto um milho assim?” é a pergunta da protagonista vivida por Monique Ramos Ara Poty Mattos, uma garotinha que se encanta com a beleza do avaxi para’i e, junto com uma amiga, tenta cultivá-lo a todo custo. Uma história, que, segundo Sonia, poderia encantar também crianças e adultos não indígenas: “O milho foi um recado pra sociedade entender essa importância”.

Enquanto o milho colorido não cresce, Pará e sua amiga inventam novos mundos em suas brincadeiras, numa caminhada por seu território – outra prática fundamental na cultura guarani. O que, para o diretor Vinicius Toro, que se aliou aos Guarani na empreitada, é uma metáfora da própria história dos povos indígenas no Brasil: “Não é uma denúncia específica, é uma história que continua, essa jornada simbólica do povo Guarani”.

“Tudo que nós somos”

Cenário das filmagens, a Terra Indígena Jaraguá não é uma das personagens da história, mas ajuda a revelar como o povo Guarani se relaciona com seu território e mantém o seu modo de vida, o nhandereko – mesmo vivendo tão próximo das grandes cidades e do sistema dos não indígenas.

“O filme mostra a preservação, a cultura, mostra o território. Muitas vezes, a gente ficava invisível, então foi se criando essa história [pra] mostrar nossa realidade dentro da aldeia”, destaca Sonia. “E traz também a questão das retomadas de terra. As retomadas são ambientes que nos propõem fazer essas essas plantações; e o Itakupe é uma das áreas maiores que a gente tem pra plantio”, completa a liderança, falando das lutas de seu povo para demarcar a área de 532 hectares, onde vivem cerca de 800 pessoas.

O diretor Vinicius Toro lembra que a construção do filme começou justamente em uma ação para promover o fortalecimento cultural e político das Terras Indígenas de São Paulo, o Programa Aldeias (SMC/CTI): “O objetivo das oficinas de vídeo era que a comunidade pudesse se apropriar das tecnologias e realizar projetos para visibilizar o contexto de vida dos Guarani na maior cidade do país. A discussão não é só sobre o filme em si, mas sobre todo esse universo que ele atravessa.”

“Isso vai se transformando numa história e que acaba passando toda a comunidade”, conta a liderança Sonia. “Por isso que tem igreja, o evangélico ali falando… E as crianças são curiosas mesmo, querem saber, né? Por que isso? Por que é que eu não falo Guarani? Por que é que eu falo português? Tudo isso tem dentro da comunidade. Nas escolas do Jaraguá, às vezes as crianças tinham sete, oito, nove anos e não conseguiam escrever, não conseguiam entender o que o professor estava passando. Tudo que nós somos dentro do território do Jaraguá é aquilo”.

O território, declarado em 2015, enfrenta processos judiciais, empreendimentos imobiliários, desmatamento, entre outras pressões e ameaças, mas também é lar para iniciativas de preservação da Mata Atlântica e valorização dos saberes e práticas tradicionais.

Os Guarani também são protagonistas na frente das câmeras. Com um elenco composto por moradores da própria TI Jaraguá, alguns personagens e eventos da história foram se modificando a partir do trabalho com os atores da comunidade. “A Monique em especial era muito conectada com a natureza, por isso sempre ensaiávamos na aldeia nova, o que transformava a preparação também num momento lúdico”, relembra Vinicius.

“No filme, a maioria dos personagens trazem inspirações em pessoas da comunidade, ou até, interpretavam uma certa versão de si mesmos, no caso da liderança Kerexu e da melhor amiga da protagonista, a Silmara. Porém, a menina Pará não tem ligação com ninguém real, pois ela era em si mesma o filme”, sintetiza ele.

Segundo a líder Sonia, o sucesso da produção é fruto de muito diálogo. “A gente tinha que mostrar essa história de uma forma ou de outra e isso foi sendo construído através do diálogo. O Vini, junto com a gente, foi escrevendo tudo que a gente falava; a importância do milho pra gente”.

O longa foi exibido em festivais como Brasília, Tiradentes, Rio, e também nos estrangeiros de Guadalajara, Cartagena, Mannheim-Heidelberg. Sua primeira sessão foi no Jaraguá, e depois realizou exibições especiais no Acampamento Terra Livre, em escolas públicas, cineclubes, com vários tipos de públicos.

Para’í é uma produção da Travessia Filmes e será lançado no Brasil pela Descoloniza Filmes.

Sinopse

Para’í conta a história de Pará, menina guarani que encontra por acaso um milho guarani tradicional, que nunca havia visto e, encantada com a beleza de suas sementes coloridas, busca cultivá-lo. A partir dessa busca começa a questionar seu lugar no mundo: , por que não fala guarani, por que é diferente dos colegas da escola, por que seu pai vai à igreja Cristã,  por que seu povo luta por terra.

Ficha Técnica

Direção e roteiro: Vinicius Toro

Elenco: Monique Ramos Ara Poty Mattos, Samara Cristina Pará Mirim O. Martim, Lucas Augusto Martim, Regiane Dina de Oliveira Santos, Hortêncio Karai Tataendy, Sônia Barbosa Ara Mirim

Produção executiva: Bruno Cucio

Montagem: Victor Fisch

Direção de fotografia: Cris Lyra

Desenho de Som: Ricardo Zollner

Direção de arte: Maíra Mesquita

Produtora: Travessia

Ano: 2018

País: Brasil

Duração: 82 min

Sobre a Terra Indígena Jaraguá

Localizada na região noroeste da cidade de São Paulo, a Terra Indígena Jaraguá é habitada por mais de 800 pessoas e tem 532 hectares de extensão, que fazem parte do Cinturão Verde Guarani. A área foi declarada como de posse exclusiva do povo Guarani em 2015, mas ainda aguarda sua homologação pela presidência da República.

Sobre Vinicius Toro

Formado em Audiovisual na USP, Vinicius trabalha há 12 anos junto ao povo Guarani, realizando documentários, exposições fotográficas, livros, culminando no filme de ficção Para’í, resultado da criação em parceria com a comunidade indígena do Jaraguá e desenvolvido a partir de fatos vividos durante o processo da luta pela terra.

Sobre a Travessia Filmes

Produtora e audiovisual dedicada à cultura e a projetos educacionais, a Travessia Filmes tem expressado uma visão crítica e contundente de mundo, como nos curta metragem “Ava Mocoi – Os Gêmeos”, vencedor de melhor filme no Festival de Oberhausen, e “Quebramar”, ganhador de melhor documentário em Clermont-Ferrand.

Sobre a Descoloniza Filmes

Fundada em 2017 por Ibirá Machado, a Descoloniza Filmes nasceu com o propósito de equiparar a distribuição de filmes dirigidos por mulheres e que tragam novas propostas narrativas e temáticas, contribuindo com a construção de uma nova forma de pensar. Em 2018, a Descoloniza lançou o filme argentino “Minha Amiga do Parque”, de Ana Katz, vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Sundance, “Híbridos – Os Espíritos do Brasil”, de Priscilla Telmon e Vincent Moon, o chileno “Rei”, de Niles Attalah, vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Roterdã, e “Como Fotografei os Yanomami”, de Otavio Cury. Em 2019 codistribuiu junto à Vitrine Filmes a obra “Los Silencios”, de Beatriz Seigner, e levou aos cinemas “Carta Para Além dos Muros”, de André Canto. Durante a pandemia, lançou diretamente no streaming os filmes “Saudade Mundão”, de Julia Hannud e Catharina Scarpellini, e “Castelo de Terra”, de Oriane Descout, retomando os lançamentos em salas no segundo semestre de 2021, com “Cavalo”, de Rafhael Barbosa e Werner Sales, “Parque Oeste”, de Fabiana Assis, e “Aleluia, o canto infinito do Tincoã”, de Tenille Barbosa. Em 2022 realizou os lançamentos de “Sem Rosto”, de Sonia Guggisberg, e  “Gyuri”, de Mariana Lacerda, “Aquilo que eu Nunca Perdi”, de Marina Thomé,  e “Êxtase”, de Moara Passoni. Para 2023 prepara os lançamentos de “Muribeca”, de Alcione Ferreira e Camilo Soares, “Para’í”, de Vinicius Toro, “Para Onde Voam as Feiticeiras”, de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral, “Luz nos Trópicos”, de Paula Gaitán, “Seus Ossos e Seus Olhos”, de Caetano Gotardo, dentre outros.

Filme Para’í retrata relação dos Guarani com seu território e seus alimentos tradicionais. Foto: Luiza Calagian/Para’í – divulgação

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