Três anos de Terapia Política. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Comemoramos? Não sei. Parece esquisito comemorar aniversário de terapia. E, não, Terapia aqui não é só um nome esquisito. Chama-se Terapia porque aqui, o que acontece, é terapia mesmo. O nome não engana, assim como o conteúdo do blog.

Mas, terapia de quê? Por quê? Freud – nome que vem à mente quando se fala em terapia – publicou em 1930 “O Mal-Estar na Civilização”. Fala de uma inquietação ao precisarmos recalcar nossos desejos e individualidade como condição e, ao mesmo tempo, consequência do processo civilizador. Viver em sociedade pede que deixemos de lado o tirano individualista que existe em nós para que nos tornemos cidadãos, respeitadores da lei e das instituições que são verdadeiros totens de nosso espírito coletivo. E isso não se faz sem algum retrogosto de mal-estar.

O mal-estar de nossa Terapia Política é o inverso. É pela vida em uma sociedade que alçou à condição de mito e presidente um tirano individualista. Um castrador não castrado, como diria Freud. É terapia para superarmos o espanto de saber que o fascista mora ao lado e que perdeu a vergonha de cometer desavergonhices sociais e políticas. Nossa terapia é pela necessidade de entendermos os porquês dos tiranos de muitos estarem libertos em atitudes antissociais, contra a legalidade, as instituições, o respeito e tudo o mais que resumimos na ideia de democracia.

Como Freud explica, realmente há um mal-estar na vida em sociedade. Mas há um mal-viver, um mal-padecer, um mal-sentir na cultura antidemocrática. Mal-sentir pelos tempos de arquitetura da destruição. Do afloramento descarado das ambições mais mesquinhas vendidas pelas redes sociais como se fossem a mais legítima aspiração popular. Mal-viver em meio à pretensão de muitos de que todos vivam em um Estado teocrático cujo deus é a grana. Mal-padecer na indiferença com que pretos, pardos, pobres, gays, trans e tantas e tantos outros de tantos lugares de exclusão deste país são exterminados à bala, doença e fome.

Para viver esta realidade sem sucumbir à alienação ou ao desespero, é preciso terapia política. Para nos mantermos sãos e fortes. Atentos e ligeiros em nossas ações. Para fazermos a parte que nos cabe neste latifúndio de insanidades.

Numa terapia freudiana tradicional, o terapeuta mais escuta do que fala. O falar cabe a quem quer se descobrir, sendo atiçado com uma pergunta aqui, uma observação apenas com o propósito de ir mais longe em si mesmo. Nossa Terapia Política é diferente. Escutamos e observamos o mundo. E o trazemos desnudando, explicado em nosso blog. Daí vem a segunda parte. A coletiva. Do diálogo a partir do que se escreve. Do replicar textos. Quase todos escritos como quem atira garrafas ao mar sem saber ao certo para onde os ventos e correntes levarão a mensagem dentro delas.

Para onde vamos? Não sei. A que ponto todo esforço dos que aqui publicaram, publicam e publicarão contribuirá para superarmos as tristezas de nosso tempo presente? Também não sei. Não faço ideia. Não sei sequer se, um dia, nos livraremos do espírito fascista que o assombra. Sei apenas que já duramos mais que muitas histórias de terapia e que continuaremos. Porque é preciso. Porque ainda há muito o que entender. Muito o que mudar. Muito o que resistir.

Ilustração: Mihai Cauli

 

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