STF retoma ação de ruralistas contra proibição da pulverização de agrotóxicos no Ceará

Gilmar Mendes, que pediu vista há um ano e meio, devolveu autos para julgamento. A relatora, Cármen Lúcia, defendeu a constitucionalidade da lei cearense: Constituição permite que estados protejam saúde e ambiente.

Por Redação RBA

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará neste mês o julgamento de ação de ruralistas contra a lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista em 16 de novembro de 2021, devolveu os autos na sexta-feira (5). A avaliação do plenário está prevista para o período de 19 a 26 deste mês.

Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.137/2019. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), autora, questiona a lei estadual 16.820/19, sancionada pelo então governador Camilo Santana (PT), atual ministro da Educação. Conhecida como Lei Zé Maria do Tomé, proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado.

Os ruralistas alegam que a lei é inconstitucional porque violaria a livre iniciativa e os objetivos da política agrícola. “É essencial que a forma como ele trabalhará a terra (seu meio de sustento) seja livre de interferências estatais desmedidas. E a pulverização aérea de defensivos é essencial para a eficiência da produção na agricultura, especialmente no Estado do Ceará, que a utiliza, primordialmente, na cultura de banana, onde a aplicação de agroquímicos, sem a utilização da pulverização aérea, é extremamente difícil”, alega a entidade.

Único estado que proibiu pulverizações de agrotóxicos

Conquista dos movimentos ambientalistas, de defesa da saúde coletiva e de pequenos agricultores, que têm suas lavouras destruídas, a Lei Zé Maria do Tomé inseriu um dispositivo na lei estadual dos agrotóxicos. A partir de então, além de proibir as pulverizações – inclusive para o controle de vetores de doenças, como a dengue – instituiu multa para quem desobedecer. O autor, o deputado estadual Renato Roseno (Psol), que teve apoio do então deputado Elmano de Freitas (PT) e de Joaquim Noronha (PRP), levou em conta os males causados pelos agrotóxicos pulverizados.

Após mais de 15 anos estudando os efeitos da pulverização na Chapada do Apodi, o Grupo de Pesquisa Tramas (Trabalho, Saúde e Ambiente) da Universidade Federal do Ceará (UFC) chegou a conclusões aterradoras. Exposta a diversos agrotóxicos, com até 30 ingredientes ativos diferentes, a população local tem maior incidência de câncer, malformações congênitas e alterações no sistema endócrino, causadoras de uma série de outros problemas. Para se ter uma ideia, está se tornando comum na região a puberdade precoce.

E a exposição aos agrotóxicos, segundo as pesquisas da UFC, não se dá somente pela inalação dessas substâncias e ingestão dos alimentos. A água está contaminada. Estudos constataram a presença de produtos utilizados na pulverização aérea em análises dos reservatórios de água da região. Alguns desses ingredientes ativos são altamente tóxicos.

Dois votos pela constitucionalidade da lei cearense

A chuva de venenos é responsável por tamanho prejuízo à saúde e aos cofres do SUS, segundo diversos estudos. Entre eles, um da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), segundo o qual 20% do agrotóxico dispersado na pulverização atinge áreas distantes. Outros 50% são retidos pelo solo e apenas 32% alcançam efetivamente as plantas que deveriam receber esses produtos.

O julgamento no plenário virtual do STF começou em 12 de novembro de 2021. A relatora, ministra Cármen Lúcia, se posicionou contrária à ADI. Ou seja, votou pela pela constitucionalidade da lei cearense.

Constituição manda estados defenderem saúde e ambiente

Para ela, “não há óbice constitucional a que os Estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos”. E “a regulação nacional limita-se a traçar os parâmetros gerais quanto a matéria, estabelecendo atividades de coordenação e ações integradas”.

Ainda conforme seu voto, “as manifestações técnicas juntadas aos autos apontam os perigos graves, específicos e cientificamente comprovados de contaminação do ecossistema e de intoxicação de pessoas pela pulverização aérea de agrotóxicos”. O voto foi seguido pelo ministro Edson Fachin. O terceiro a votar seria Gilmar Mendes.

Redação: Cida de Oliveira

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