MPF discute reformulação da política de concessão de unidades de conservação para iniciativa privada

Reunião contou com participação do Ministério do Meio Ambiente, ICMBio e Associação Brasileira de Antropologia

O Ministério Público Federal (MPF) promoveu reunião com representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) para discutir os problemas da política de desestatização de parques nacionais do governo anterior. O objetivo do encontro, realizado virtualmente em 8 de maio, foi questionar o andamento das concessões de unidades de conservação e conhecer a posição da nova gestão federal sobre o tema, principalmente, no caso da presença de povos tradicionais.

Coordenador do Grupo de Trabalho Unidades de Conservação da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4CCR), o procurador da República Leandro Mitidieri abriu o diálogo destacando que uma das principais preocupações do MPF e da ABA é a concessão de unidades de conservação sobrepostas a áreas onde vivem comunidades tradicionais. Por interesse no tema, também participaram da reunião procuradores de grupos de trabalho da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR).

Mitidieri apresentou breve histórico da atuação do MPF no questionamento da inclusão das unidades de conservação federais no Programa Nacional de Desestatização (PND). Em 2019, o órgão emitiu nota técnica sustentando a supremacia do interesse ambiental sobre o econômico, o respeito ao plano de manejo e aos direitos das comunidades tradicionais impactadas, especialmente, a consulta prévia. Além disso, o MPF defende que os povos tradicionais que vivem no local sejam privilegiados nos processos de concessão, especialmente no turismo de base comunitária. Também entende que é preciso que a unidade de conservação esteja consolidada territorialmente.

A partir de 2021, com a edição de decretos (10.673/2021 e 10.958/2022) que incluíram parques nacionais na lista do PND, o MPF decidiu ampliar o trabalho por meio de uma ação coordenada. As unidades do MPF com atribuição sobre as 14 unidades de conservação listadas nos decretos foram representadas a instaurar procedimentos para acompanhar o processo de concessão e avaliar possíveis danos.

Nova perspectiva – Na reunião, o ICMBio foi representado pelo diretor interino de Criação e Manejo, Bernardo Brito, e pela coordenadora-geral de Uso Público e Serviços Ambientais, Marina Klüppel. A principal novidade apresentada foi a proposta de retirada das unidades de conservação do PND e apresentação de um novo modelo para essas concessões.

Bernardo Brito destacou que o ICMBio está em um novo momento, que prezará pelo diálogo. A primeira mudança é descartar o uso do termo desestatização, considerado por ele equivocado, já que não se trata de passar para a iniciativa privada a gestão da unidade de conservação e sim o serviço de visitação e turismo. De acordo com o gestor, o que se tem feito é uma parceria público-privada, em que o plano de manejo e a consulta à comunidade são pré-requisitos para a concessão desses serviços.

Marina Klüppel explicou que a concessão é um dos instrumentos possíveis de delegação que o ICMBio utiliza para serviços de apoio com o objetivo de viabilizar visitação em áreas de conservação. “A concessão não é solução para tudo e viável em todas as unidades, depende do contexto, de suas condições e de seu entorno”, pontuou. Para ter mais transparência nesse processo, ela informou que o ICMBio está construindo um manual de delegações, com uma matriz decisória que auxiliará na definição de quais unidades se encaixam nesse perfil, bem como está retirando da lista de futuras concessões unidades sem viabilidade ambiental, econômica ou social para a outorga.

“É preciso uma revisão dos instrumentos e fortalecimento do diálogo com atores que possam ser impactados no âmbito de cada unidade de conservação, para que, de fato, as concessões tenham efetividade, com o ICMBio sendo gestor e fiscalizando os contratos de concessão, cobrando respeito aos planos de manejo e aos requisitos ambientais”, ponderou. De acordo com a coordenadora do ICMBio, a principal mudança na atual gestão é a inversão da antiga lógica para a concessão: “Não é mais concessionar e ver se vai funcionar, mas avaliarmos se é viável aquela concessão, para depois delegar”.

Associação Brasileira de Antropologia – Representando a ABA, Deborah Bronz e Felisa Anaya destacaram que a representação que gerou o tratamento do tema pelo GT foi feita em outra realidade, em 2021, quando a entidade enxergava um “contexto de desmantelamento da política ambiental e fragilização do ICMBio”. Levantamento da Associação apontava que havia unidades incluídas no decreto de desestatização com conflito fundiário e sobreposição territorial.

“Nossa grande preocupação era que essas unidades de conservação com sobreposição a territórios de comunidades tradicionais e com conflitos sofressem um segundo momento de expropriação com aquele tipo de modelo de privatização da gestão”, apontou Felisa Anaya. Para Deborah Bronz, os pontos fundamentais para a concessão devem ser a consulta prévia e o plano de manejo, que deve contar com a participação da comunidade na sua elaboração. Ela também cobrou maior participação dos conselhos gestores nos parques nacionais.

Em resposta, o ICMBio informou que, assim como a regularização fundiária, o plano de manejo é critério eliminatório para o processo de concessão e que o órgão ambiental quer ampliar a participação dos conselhos desde as fases iniciais até a participação no contrato de concessão. “O critério é ter conselho, instrumento importante de diálogo para os atores sociais locais”, apontou Bernardo Brito.

Presença – Além dos representantes do ICMBio e da ABA, participaram do encontro a coordenadora-geral de Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente, Bruna de Vita, os membros do MPF Daniel Luis Dalberto (PR-RS), Fabiana Keylla Schneider (PR-RJ), Felipe Fritz Braga (PR-DF), Flávia Cristina Tavares Torres (PR-MG), Gustavo Kenner (PR-PA), Lilian Miranda Machado (PR-MG), Livia Nascimento Tinoco (PRR1), Maria Luiza Grabner (PRR3), Marília Siqueira da Costa (PR-BA) e Walter Claudius Rothenburg (PRR3), além dos assessores da 6CCR Bruno Souza e Romana Coelho Araújo.

Arte: Secom/PGR

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