Ministros do STF se unem e tomam a frente na luta em defesa da democracia

Por Fernanda Valente e Thiago Crepaldi, na Conjur

Nas palavras da presidente Rosa Weber, 2022 foi um “ano tão desafiador quanto intenso”. A busca por unidade institucional e a defesa da democracia e das instituições marcaram o ano no Supremo Tribunal Federal. Em torno da defesa do Estado Democrático de Direito e frente aos ataques contra a sua credibilidade, os 11 ministros uniram esforços para consolidar o diálogo internamente. O melhor exemplo da atitude que passou a animar os membros da corte foi a disposição de colocar na pauta de julgamentos virtuais extraordinários decisões liminares tão logo elas foram dadas pelo relator para serem referendadas pelo colegiado.

A ministra assumiu a Presidência em setembro de 2022, ao lado de Roberto Barroso, vice-presidente, em um momento de tensão política devido à proximidade da eleição geral. Rosa Weber agiu para dar a resposta necessária quando a mais alta corte do país foi invadida em 8 de janeiro de 2023 e depredada, seu plenário vandalizado e seus móveis e obras de arte destruídos. Dos 114 itens passíveis de restauração, 28 foram restaurados e 31 tiveram perda total.

“O STF foi duramente atacado. Nosso prédio histórico foi praticamente destruído. Essa simbologia a mim entristeceu de maneira enorme, mas quero assegurar a todos que vamos reconstruí-lo e no dia 1º de fevereiro daremos início ao Ano Judiciário como se impõe ao Poder Judiciário independente e guardião da Constituição Federal”, disse a ministra na noite seguinte, quando participou de reunião no Palácio do Planalto com a presença de governadores.

 

Em março de 2022, o Supremo retornou às atividades presenciais. Ao todo, 70.978 processos foram recebidos e 89.951 julgados. Luiz Fux deixou a Presidência da corte após mais um 7 de Setembro de manifestações antidemocráticas nas ruas da capital federal e depois de dois anos difíceis com a epidemia do coronavírus e ataques cada vez mais acentuados.

Os holofotes se voltaram à corte no julgamento do chamado “orçamento secreto”, como ficaram conhecidas as emendas de relator ao Orçamento Geral da União, identificadas pela sigla RP-9. O placar pela inconstitucionalidade do mecanismo foi apertado: 6 votos a 5, com entendimentos diversos entre si e precaução para não adentrar na competência do Executivo nem do Legislativo. Prevaleceu o entendimento que considerou constitucionais as emendas RP-9, mas defendeu mais transparência na destinação das emendas e distribuição dos recursos (ADPFs 850, 851, 854 e 1014).

Ampliado e desde então muito usado, o sistema do Plenário Virtual permite que os julgamentos tenham procedimentos cada vez mais semelhantes aos presenciais. A diferença é que, em caso de pedido de vista ou de destaque, o Plenário Virtual permite que os ministros sigam registrando seus votos antecipadamente. Também é permitido cancelar o pedido de destaque.

Advogados podem encaminhar memoriais e vídeos de sustentação oral para o julgamento virtual de listas de processos. Em 2022, foram dadas 12.765 decisões colegiadas na modalidade virtual, enquanto 147 ocorreram no ambiente presencial – considerando as duas turmas e o Plenário. Ficou para a última semana de 2022 mudança significativa no Regimento Interno, que restringiu decisões individuais e limitou o prazo para a devolução de pedidos de vista a 90 dias corridos.

A corte passará por mudanças em sua composição ao longo de 2023 em decorrência da aposentadoria dos ministros Ricardo Lewandowski (em abril) e Rosa Weber (em setembro). Ambos completam 75 anos, idade limite para a aposentadoria compulsória no serviço público. O comando do STF passará então ao ministro Roberto Barroso.

O levantamento feito pelo Anuário da Justiça, a partir do Informativo Temático 2022, para inferir as tendências de cada ministro ao julgar, mostrou que o Supremo se pautou mais pelos interesses do Estado, defendeu políticas governamentais de preservação do meio ambiente, favoreceu mais o Fisco do que o contribuinte em matéria tributária e colocou em primeiro lugar as garantias individuais fundamentais.

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Entre as 17 decisões selecionadas em Direito Administrativo em que os interesses do Estado e do cidadão estavam em disputa, o Supremo decidiu 52% das vezes a favor do Estado. Os ministros com maior tendência a decidir a favor do Estado foram Roberto Barroso e Alexandre de Moraes (com 64% dos votos), seguidos por Rosa Weber (62%), Cármen Lúcia e Luiz Fux (ambos com 58%).

O caso de maior impacto para gestores e funcionários públicos foi o ARE 843.989/PR, no qual a corte enfrentou pontos da reforma na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021) que dividiram o Plenário. Prevaleceu o entendimento de que a nova lei não deve retroagir para os casos em que já exista condenação, mas somente para ações em curso que discutam a modalidade culposa, que deixou de existir com o advento da nova lei.

Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e André Mendonça votaram pelo alcance total da retroatividade, tanto para ações em curso como para as transitadas em julgado. Para Mendes, os atos de improbidade não se esgotam no âmbito do Direito Civil. “Ação de improbidade não se presta a evitar ilícitos, mas a puni-los (não para recompor o patrimônio público, mas para punir o acusado). Assim, é difícil, às vezes, separar os ilícitos penais dos atos de improbidade”, afirmou.

Para Cármen Lúcia, Rosa Weber, Roberto Barroso e Edson Fachin, não é possível retroagir. “A norma da Constituição Federal [de retroatividade] merece interpretação restritiva, circunscrita ao Direito Penal”, defendeu Rosa Weber. Outros pontos da lei estão sendo questionados em novas ações.

Julgamento relevante se deu em um conjunto de ADIs movidas pela Procuradoria-Geral da República contra o poder de requisição de documentos da Defensoria Pública. O Supremo reafirmou a autoridade da Defensoria Pública para requisitar de autoridades públicas os documentos e providências necessários à investigação. De acordo com os ministros, a Emenda Constitucional 80/2014, deixou a instituição mais próxima da atuação do Ministério Público do que da advocacia privada. A decisão prestigia a atuação da Defensoria Pública, reconhecendo que além do papel de representar os pobres cabe a ela a defesa de direitos coletivos.

Em dezembro de 2022, os ministros reafirmaram a jurisprudência da corte de que provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário não podem ser usadas, valoradas ou aproveitadas em processos administrativos (ARE 1.316.369/DF). Segundo Gilmar Mendes, redator para o acórdão, a decisão apenas reconhece o óbvio: não é dado a nenhuma autoridade pública se valer de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito judicial, seja na esfera administrativa.

O placar de 9 votos a 2 se repetiu algumas vezes com a chegada dos ministros Nunes Marques e André Mendonça à corte. Em pelo menos 13 casos julgados em 2022, o Anuário da Justiça identificou que os dois ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ou ficaram isolados no Plenário ou ficaram vencidos com outros ministros ao julgarem atos do ex-governante.

Isso aconteceu, por exemplo, nos julgamentos de processos sobre a política de facilitação do uso e porte de arma de fogo (ADIs 6.119, 6.139 e 6.466); no referendo das decisões do ministro Alexandre de Moraes nos processos de atos antidemocráticos; no julgamento do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que disseminou ameaças públicas ao Supremo e aos seus ministros (AP 1.044).

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Também em matéria de Direto Ambiental ficou demonstrado alinhamento do ministro Nunes Marques com o governo federal e em divergência com seus colegas de tribunal. Foi dele o único voto contrário ao entendimento de que é dever do Executivo Federal dar pleno funcionamento ao Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) (ADPF 708/ DF) e de que é inconstitucional a norma que retira a participação de entidades da sociedade civil do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).

De acordo com as tendências de voto identificadas pelo Anuário, foi Nunes Marques o ministro que mais deu decisões contrárias a políticas públicas pró-preservação ambiental (40% dos casos), sendo que a média do Plenário ficou em 90% favoráveis às medidas pró-preservação.

Nas matérias que contemplam o Direito Civil e o Processo Civil, predominaram no Plenário decisões que buscaram seguir a letra da lei (66%, de acordo com o levantamento). Foram quatro de um total de seis decisões selecionadas em 2022 para o Informativo STF de jurisprudência.

No caso que mais dividiu o colegiado, por 7 votos a 4, os ministros definiram que é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial (RE 1.307.334/SP Tema 1.127 da Repercussão Geral).

Também entre os placares mais apertados esteve o julgamento da chamada “revisão da vida toda”, em que o STF decidiu favoravelmente à aplicação da regra mais benéfica à revisão da aposentadoria de segurados que tenham se aposentado antes da Lei 9.876/1999. A maioria, de 6 votos a 5, só foi possível porque uma mudança regimental definiu que voto proferido pelo relator é válido mesmo após sua aposentadoria. Com isso, André Mendonça, sucessor de Marco Aurélio, não votou.

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No campo do Direito Tributário, o Plenário se equilibrou entre decisões favoráveis ao Fisco e ao contribuinte na análise de um conjunto de 27 decisões indicadas nos informativos de jurisprudência. Em decisões de grande impacto econômico para a União, contudo, a corte pende para o Estado.

Dias Toffoli foi o ministro que mais adotou entendimentos favoráveis à Fazenda Pública, seguido por Gilmar Mendes, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Nunes Marques, todos no mesmo patamar. No julgamento do RE 841.979, em que estava em jogo uma pendência de R$ 470 bilhões, a corte, por 9 votos a 2, decidiu a favor da União ao estabelecer que as empresas não têm direito amplo e irrestrito a créditos de PIS e Cofins.

Em entendimento polêmico de fevereiro de 2023, o STF fixou que decisões definitivas da Justiça que favorecem os contribuintes perdem efeito de forma automática e imediata quando há mudança de jurisprudência na corte. O caso foi amplamente visto como “quebra da coisa julgada” em matéria tributária, capaz de trazer insegurança jurídica. Levantamento da Receita Federal demonstrou impacto reduzido na economia decorrente da decisão envolvendo a CSLL.

No Tema 1.024 de repercussão geral, fixou-se a tese de que é constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da Cofins devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e de débito.

No Tema 699, de relatoria de Dias Toffoli, a corte entendeu que as entidades fechadas de previdência complementar não são imunes ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e nem à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Na área de Direitos Humano, o Plenário manifestou tendência garantista em 67% dos casos nas 12 decisões dos boletins de jurisprudência de 2022 avaliadas. Os ministros com decisões mais favoráveis à salvaguarda dos direitos e garantias individuais foram Rosa Weber e Ricardo Lewandowski (75%). Já os novatos da corte tomaram decisões de corte mais legalista: Nunes Marques em 58% dos casos e André Mendonça em 63%.

Novamente, aqui o placar de 9 votos a 2 se repetiu, com Nunes Marques e André Mendonça pontuando na divergência. Foi o que ocorreu no julgamento da ADPF 635/RJ, em que a corte votou pela obrigatoriedade de policiais do Rio de Janeiro em operações em áreas de favelas usarem GPS e câmeras nas viaturas e nas fardas.

Na ADPF 722/DF, Nunes Marques ficou isolado no Plenário ao defender ato do Ministério da Justiça que autorizou a produção de dossiês contra servidores considerados antifascistas. André Mendonça, que era ministro da Justiça à época, declarou-se suspeito e não votou. Na ADI 7.261 MC/DF, os dois também ficaram vencidos ao dizerem que o Tribunal Superior Eleitoral não poderia redigir resolução sobre combate à desinformação nas eleições presidenciais de 2022.

Outra decisão favorável ao cidadão foi na ADPF 607/DF, em que o Supremo entendeu indevidos decretos remanejando cargos em comissão destinados aos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a exoneração de seus ocupantes e a transformação dessa atividade em prestação de serviço público relevante não remunerado. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça desta vez votaram por derrubar a investida de Bolsonaro contra os direitos humanos dos presos.

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Nas teses trabalhistas, os ministros foram mais favoráveis aos empregadores em detrimento dos trabalhadores (85% dos casos publicados nos informativos). Rosa Weber, que tem origem na Justiça do Trabalho, e Edson Fachin tiveram comportamento contrário ao dos colegas: em 71% das vezes votaram a favor do trabalhador. Parte do posicionamento se justifica diante das flexibilizações trazidas pela Reforma Trabalhista.

Ao decidir que são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que limitem direitos trabalhistas, o colegiado concordou com o ministro Gilmar Mendes (relator) no sentido de que essa supressão deve, em qualquer caso, respeitar os direitos indisponíveis assegurados constitucionalmente (ARE 1.121.633).

Na ADPF 323, também prevaleceu entendimento de Gilmar Mendes e a corte fixou que normas coletivas expiradas só podem ser mantidas com nova negociação. O Plenário afastou a interpretação jurisprudencial do TST que mantinha a validade de direitos fixados em cláusulas coletivas com prazo já expirado até que um novo acordo fosse firmado.

O Direito Eleitoral foi o ramo com maior quantidade de divergências entre os ministros, em 60% dos casos analisados (6 das 10 decisões). Em três deles o resultado foi 6 votos a 5. Na ADI 7.058 MC/DF, que discutiu se caberia ao Supremo adentrar o mérito da opção legislativa de redesenhar a forma de cálculo do valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), prevaleceu o voto divergente do ministro Nunes Marques de que não cabe, mas quatro ministros acompanharam o relator original, André Mendonça, pela possibilidade.

Nas ADIs 7.178/DF e 7.182/ DF, a controvérsia era saber se a ampliação dos limites para gasto com publicidade institucional às vésperas das eleições poderia afetar significativamente as condições da disputa eleitoral. Maioria de sete ministros entendeu que sim, com o ministro Alexandre de Moraes sendo indicado para relatar o acórdão. Dias Toffoli, relator original, Luiz Fux, Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor das alterações normativas do governo.

Em mais de 10 mil pedidos de Habeas Corpus julgados pelo Supremo Tribunal Federal em 2022, apenas 7% (764 casos) foram atendidos. Edson Fachin, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski foram os ministros que mais concederam a ordem; Rosa Weber, Roberto Barroso e Dias Toffoli foram os que mais negaram.

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O levantamento, feito com base nos dados divulgados no Painel Corte Aberta do STF, leva em conta apenas os pedidos julgados em 2022 e servem como um indicador do rigor de cada ministro na aplicação da lei penal. Vale ressaltar que a maioria dos pedidos de HC que são distribuídos aos ministros não chegam a ser julgados no mérito, sendo-lhes negado seguimento por diversos motivos de ordem processual. A maior parte das negativas tem como fundamentação a supressão de instância e HC como substitutivo de recurso ordinário.

Além de HCs, os ministros enfrentaram alguns casos em sede de controle concentrado com impacto na política criminal. Nas ADIs 6.581/DF e 6.582/DF, debruçaram-se na alteração do pacote anticrime sobre a prisão preventiva. Os ministros fixaram que o transcurso do prazo de 90 dias previsto no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal não acarreta, automaticamente, a revogação da prisão preventiva e, consequentemente, a concessão de liberdade provisória.

No Tema 661 de repercussão geral, por 7 votos a 4, o Plenário definiu que interceptações telefônicas podem ser renovadas sucessivamente, mediante fundamentação, nos casos em que a investigação seja complexa. Por unanimidade, o Plenário entendeu que a polícia pode determinar medidas protetivas contra agressor de mulher vítima de violência doméstica, em atuação supletiva (ADI 6.138/DF).

Já em 2023, a corte colocou fim à prisão especial para pessoas com diploma de nível superior, prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal. De acordo com a decisão, o Estado não pode proteger determinadas pessoas ao mesmo tempo em que é omisso em relação ao grande contingente de custodiados pelo sistema carcerário.

 

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