Em audiência pública no Senado Federal, procurador denuncia o que chama de racismo ambiental e aponta falta de fiscalização como um dos principais problemas
“Os agrotóxicos efetivamente são uma demonstração evidente do que nós chamamos de racismo ambiental, ou seja, o efeito desproporcional de impactos ambientais sobre as populações mais vulneráveis”. A afirmação é do procurador da República Marco Antônio Delfino, membro do Grupo de Trabalho Agroecologia da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR/MPF), durante audiência pública realizada no Senado Federal nessa segunda-feira (15).
Promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, o evento teve como foco a pulverização aérea por agrotóxicos e as violações de direitos humanos à saúde, alimentação e ao meio ambiente. Além do MPF, participaram dos debates representantes dos trabalhadores rurais, de povos e comunidades tradicionais, das empresas de aviação agrícola, de entidades da sociedade civil e de órgãos públicos como o Ministério da Saúde e o Ministério Público do Trabalho, entre outros.
Durante sua participação, Marco Antônio Delfino ressaltou o efeito desproporcional dos agrotóxicos sobre as populações vulneráveis, incluindo populações periféricas, negras, indígenas e agricultores familiares. Ele mencionou um relatório da ONU que evidencia o impacto desproporcional dos agrotóxicos sobre esses grupos, configurando o que é conhecido como racismo ambiental.
O procurador fez um apelo à Frente Parlamentar Mista Antirracista, coordenada pelo senador Paulo Paim, que presidiu a audiência pública, para que se dedique a esse tema, uma vez que as populações mais afetadas pelos efeitos nocivos dos agrotóxicos são justamente as mais vulneráveis. Ele ressaltou a exposição dos trabalhadores, principalmente negros, aos agrotóxicos, citando o caso do paraquate, amplamente utilizado na agricultura até 2020, quando foi proibidio, e comprovadamente neurotóxico. Delfino frisou que essas populações não recebem proteção adequada e sofrem com a exposição massiva aos agrotóxicos.
Como exemplo de racismo ambiental, mencionou ainda o caso da Terra Indígena Guyraroká, no estado de Mato Grosso do Sul, onde uma escola comunitária está localizada a menos de 30 metros de uma área pulverizada. “Essa situação certamente não ocorreria se fosse a escola de um condomínio de um proprietário de fazenda”, ponderou.
Fiscalização – Marco Antônio Delfino também chamou a atenção para a questão dos drones utilizados na pulverização aérea, alertando que essas aeronaves remotamente pilotadas estão gradativamente substituindo os tratores pulverizadores. Ele ressaltou a falta de fiscalização nesse setor, especialmente nos estados do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), além de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde a legislação sobre essas aeronaves não está sendo respeitada.
Outro ponto abordado foi o aumento do número de agrotóxicos genéricos aprovados nos últimos anos, sem que haja controle adequado da qualidade e dos ingredientes ativos desses produtos. O procurador ressaltou a necessidade de fiscalização e monitoramento do processo de fabricação dos agrotóxicos, destacando o risco de que substâncias desconhecidas e potencialmente perigosas estejam sendo produzidas sem controle.
Por fim, Delfino enfatizou a importância de promover debate amplo sobre o tema, envolvendo a sociedade de forma plural e realizando audiências públicas. Destacou também a necessidade de ações conjuntas entre os órgãos públicos, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para garantir a fiscalização adequada e o cumprimento das normas.
Assista à íntegra da Audiência Pública
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Foto: Flickr