Uso do solo que mais cresce no Espírito Santo, eucaliptocultura é cercada de impactos e denúncias de grilagem
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
A Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) obteve Licença Prévia (LP) do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) para plantar mais 591,41 hectares de eucaliptais na Fazenda Três Marias, localizada na região da Lagoa Nova, em Linhares, norte do Estado, região que concentra a maior parte do deserto verde de monocultivos de eucaliptos da empresa, iniciados na década de 1960, pela então Aracruz Florestal.
Empreendimentos de silvicultura como esse têm tido implementação facilitada pelo governo do Estado desde 2015, última gestão de Paulo Hartung (sem partido), com a publicação da Lei nº 10.423/2015, que isentou do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) monocultivos com até mil hectares, sendo suficiente um Plano de Controle Ambiental (PCA).
A lei é um exemplo das muitas normativas voltadas a atender ao lobby do agronegócio para expansão acelerada sobre áreas agricultáveis e degradadas, o que contribui sobremaneira para reduzir as áreas com plantios de alimentos e para forçar o rejuvescimento da floresta, cujo percentual de cobertura se mantém em torno de 20% no Espírito Santo desde a década de 1980, porém, com redução das áreas de florestas maduras, fenômeno que fragiliza a conservação da biodiversidade e seus serviços ecossistêmicos, como produção de água e regulação do clima.
A autarquia informa que a LP nº 383/2023 foi concedida para o empreendimento localizado no KM 16 da Rodovia ES-248, estrada que liga Linhares a Colatina. No mesmo endereço, consta a existência da Fazenda Três Marias, cuja propriedade, desde a década de 1930, é da família Lindemberg, proprietária da Rede Gazeta de Comunicações.
No site da Fazenda, consta a parceria firmada com a Suzano para plantio de eucaliptos em um sistema de Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), apontada como “agricultura de baixo carbono”. O projeto tem apoio da Rede ILPF, que é “formada e co-financiada há dez anos pelas empresas Bradesco, Ceptis, Cocamar, John Deere, Soesp, Syngenta e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)”, informa a Fazenda Três Marias.
As negociações com a Suzano, informa, começaram 2021 e o projeto ganhou forma em abril de 2022, com a visita da Caravana da Rede ILPF. “A Três Marias foi escolhida para um projeto inédito de arrendamento pela Suzano para plantio de eucalipto, que se integrará à criação de bois Guzerá e Guzolando e cultivos consorciados de café, milho e soja”.
Publicada em julho passado, a notícia indicava que o empreendimento estava em processo de licenciamento e que o plantio, de cerca de 600 hectares, seria feito pela Suzano no prazo de um mês. “Até a empresa colocar a primeira estaca serão pelo menos seis meses, e o contrato com a Três Marias prevê duas safras de eucalipto”, complementa.
Ainda segundo a publicação, a fazenda tem área total de 5 mil hectares, configurando um latifúndio maior que quase todas as unidades de conservação estaduais do Espírito Santo – exceção do Monumento Natural Serra das Torres e algumas Áreas de Proteção Ambiental (Apas), de uso sustentável – e a maioria das federais, à exceção da Reserva Biológica (Rebio) Sooretama e dos Parques Nacionais do Caparaó e dos Pontões Capixabas. A localização da fazenda é destacada em relação aos recursos hídricos: “a Três Marias é banhada pelo Rio Doce e conta com quatro lagoas, realidade hídrica bem atípica para essa região do Estado”.
Plano ABC
A Agricultura de Baixo Carbono, mencionada pela Fazenda, tem no Espírito Santo um planejamento próprio, o Plano ABC do Espírito Santo, cuja primeira versão (2014-2020) traz a Suzano como “parceira no alcance de resultados e ações”. Um dos resultados esperados é “Ampliação da Cobertura Florestal” e engloba recuperação de florestas nativas (15 mil hectares), Sistemas Agroflorestais (SAFs) de seringueira e cacau (12 mil hectares) e eucaliptos (30 mil hectares).
A considerar as metas do Plano ABC, o ritmo de crescimento do deserto verde de eucaliptais da Suzano tende a se manter equivalente ao medido pelo Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, publicado em 2018. Reunindo o monitoramento das mudanças na cobertura vegetal em todo o território capixaba ocorridas entre 2007-2008 e 2014-2015, a publicação mostra que os monocultivos de eucalipto foram o uso do solo que mais cresceu no período, subindo de 5,8% para 6,8%, um aumento de 45,3 mil hectares.
Grilagem
Importante destacar ainda que o avanço dos eucaliptais, para além dos impactos ambientais e sociais, tem se dado no Espírito Santo cercado de muitas denúncias de grilagem de terras pela Suzano e suas antecessoras. A mais recente foi feita pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ao ocupar uma área de eucaliptais da papeleira em Aracruz e que foi encerrado com um ato político que exigiu do governo do Estado a identificação das terras públicas doadas para a empresa e a destinação de parte das áreas patrimoniais e devolutas para a Reforma Agrária.
Um mês antes, no final de março, o Sistema de Consulta Processual da Justiça Federal informou o envio, para o Tribunal Regional Federal (TRF-2), dos autos referentes à Ação Civil Pública impetrada em 2013 pelo Ministério Público Federal (MPF) – processo nº 0000693-61.2013.4.02.5003 – em que acusa a então Fibria de processos fraudulentos de aquisição de matrículas de imóveis, a chamada “grilagem de terras”.
A primeira decisão judicial se deu em outubro de 2021, quando o juiz Nivaldo Luiz Dias acatou os pedidos feitos na ação e determinou ao governo do Estado anular as matrículas listadas pelo MPF por comprada fraude, entre outras determinações ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou atividades da empresa nas terras griladas. Os embargos impetrados pela multinacional foram negados pelo magistrado e o caso remetido para a segunda instância.