Mais diabólicos que o Diabo. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Há tempos que Lúcifer matutava em como reformar o inferno. Primeiro, por uma intuição estética. Não conseguia mais ver tanta feiura na tradicional organização circular do inferno. Culpa de Dante Alighieri, que a descreveu com poética beleza. 

Mas a coisa tornou-se urgente por motivos práticos. Na medida em que a vida na Terra piorava, o inferno parecia melhorar aos olhos de quem chegava. A cada piora moral da Terra, Satanás dava ordens aos diabos para incrementarem os suplícios do Inferno. Os diabos açoitavam, perfuravam, esfolavam e queimavam com cada vez mais ímpeto e por mais tempo, sem muito efeito no propósito maior do Inferno: ser um castigo terrível para as almas ceifadas da Terra.  

O Inferno piorava, sem dúvida, mas a vida na Terra parecia piorar ainda mais rápido. Era preciso agir de outra maneira. Em busca de solução, o Demônio reuniu a elite diabólica do Inferno. “Precisamos tornar o Inferno mais infernal. Sugestões?” 

  • – Se Vossa Infernidade me permite – iniciou, com muita cerimônia, Astaroth, o Grão-Duque do Inferno – nosso problema não são nossos suplícios, mas a Terra que, cada vez mais, se aproxima de nós. Ela deveria ser o meio entre a proximidade e o afastamento de Deus. Deveria ser o lugar do encontro entre o bem e o mal. Conosco lutando para atrair almas para o mal e os Celestes lutando pelo contrário. Só que temos sido eficientes demais, Majestade! O bem e o amor são timidamente praticados na Terra, enquanto nossos valores predominam em várias de suas instituições. Transformamos a morte, a vingança e a carnificina em espetáculo. Com elegância que lhes aparenta sabedoria e disfarça o mau caratismo, os poderosos da Terra falam em números e conceitos que tornam aceitáveis as formas mais perversas de exploração. Oprimem-se uns aos outros, de maneira que mal precisamos nos esforçar para fazer de suas precárias vidas mortais um suplício. Em quase todas as religiões temos porta-vozes defendendo preconceitos, ódios, violência, tortura e até a morte. Ironicamente, falam em nomes celestiais enquanto, na prática, servem a Mamon! Conseguimos confundir amor com desejo ao ponto das almas viverem cada vez mais solitárias, mesmo com tantas outras por perto, e vazias, ainda que tenham muitas coisas. Graças ao individualismo, conseguimos espalhar a ignorância a tal ponto que mentira e verdade, certo ou errado, tornaram-se uma questão de simpatia e antipatia. Se gostam, é certo. E sempre gostam do que é bom para eles ao custo do sofrimento alheio. E o melhor de tudo, Majestade, nossos pútridos demônios têm conseguido, com muita eficiência, interferir nos pensamentos e transformar todos estes sofrimentos em ressentimentos que fazem os males perdurar nas mentes, em ódios que desunem e afastam o amor e em tristezas que os adoecem até imobilizar seus espíritos. 

Belzebu ouviu com rara atenção. Ele está certo! Pensou. Estamos vencendo. Mas se vencermos totalmente, Terra e Inferno tornam-se um só. Seria o fim da Terra. E haveria entre Inferno e Céu apenas o eterno vazio do fim dos tempos… 

  • – Só o que falta, Majestade, é enviarmos o anticristo – rosnou Lord Laberius. 
  • – As legiões do quarto inferno já estão de prontidão! – Complementou, empolgado, Lord Belial. 
  • – Esperem! – disse o Príncipe das Trevas de forma tão mal humorada que sepultou a empolgação do momento. 

Em sua infernal sabedoria, o fim dos tempos não parecia boa ideia. Percebeu que mais importante que piorar o inferno, seria manter a Terra e, com ela, o tempo. Para isso, os humanos precisariam melhorar, mas conseguiriam? Ou já seria tarde demais? Teriam os mortais se tornado mais diabólicos que o próprio Diabo? Ah, só Deus sabe…  

Ilustração: Mihai Cauli 

 

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