A perereca, a pororoca e a Petrobras. Por José Ribamar Bessa Freire

No Taquiprati

O caso do motel das pererecas explodiu em 2009, quando estava eu em Rio Branco (AC) para participar do seminário “A Historiografia Amazônica em Debate” na Universidade Federal do Acre (UFAC). Na ocasião comentamos o caso com meu amigo jornalista Altino Machado. Coincidência: agora, 14 anos depois, indo a Cruzeiro do Sul para ministrar aula inaugural no Curso de Licenciatura Indígena no Campus Floresta da UFAC, reencontro Altino, quando estoura a pororoca.

Os dois casos envolvem a figura de Marina da Silva. Foi assim.

Máquinas dinossáuricas, tratores, caminhões e escavadeiras invadiram o brejo da reserva da Floresta Nacional, no Rio de Janeiro, próximo à rodovia Presidente Dutra para construir o Arco Metropolitano, obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) orçada em 1 bilhão de reais, cujo objetivo é permitir chegar ao Porto de Itaguaí através de 80 km de asfalto.

Acontece que no brejo vivia uma perereca de 2 cm, que não existe em nenhum outro lugar do planeta. A Physalaemus soaresi – esse é o seu nome científico – foi apelidada pelos operários da obra de Norminha – personagem fogosa de Dira Paes no “Caminho das Índias”, a telenovela de sucesso daquele momento.

– Se não parar a obra, a família inteirinha desaparece do mapa – alertaram os administradores da floresta. Mas os engenheiros retrucaram:

– Então, leva a perereca pra tua casa, porque o PAC não pode parar.

Motel de perereca

Considerando a quantidade de motéis na rodovia Presidente Dutra, o então vice-governador do Rio, Luiz Pezão, reforçou com uma provocação boçalóide, pensando que fazia gracinha. Ironizou:

– Se é para não atrapalhar o namoro da perereca, então vamos fechar toda a via Dutra.

Foi quando entrou em campo Carlos Minc, o cupido das pererecas, que discordou. Na qualidade de ministro do Meio Ambiente, ele propôs a construção de uma espécie de motel, onde elas pudessem se reproduzir, o que desagradou a gregos e baianos.

Uns acham que a proposta do Minc de erguer um muro com placas de metal, separando o brejo do canteiro de obras não é bem motel, mas um ‘pererecaduto’, nocivo aos batráquios. Outros creem que não vale a pena encarecer o custo da obra por motivo que consideram fútil.

A situação se complicou ainda mais, quando um especialista em girinos, informou que o brejo abriga uma espécie rara de peixe – o Notholebias Minimus– que também não existe em nenhum outro lugar do mundo. A obra foi paralisada, enquanto os técnicos discutiam o que fazer.

Tem gente que acha um absurdo que uma “pererequinha de merda” de dois cm e um “peixinho de bosta” atrase uma obra de 1 bilhão de reais. A então candidata a presidente da República, Marina Silva, defendeu a espécie rara de peixe e a perereca, convencida de que é possível satisfazer as necessidades dos brasileiros, sem sacrificar as gerações futuras, sem saqueio ou predação, sem agredir a natureza.

A pororoca

E é aqui que entram a pororoca e a Petrobras.

A foz do rio Amazonas na chamada Margem Equatorial, ali na costa do Amapá, pode ter petróleo em suas águas ultra profundas e, em caso afirmativo, a empresa quer explorá-lo, mas foi brecada pelo IBAMA, cujo presidente Rodrigo Agostinho seguiu o parecer técnico e negou licença para a Petrobras perfurar o bloco 59, argumentando que havia “inconsistências técnicas” e faltavam estudos aprofundados sobre os impactos de eventuais acidentes.

O conflito entre Desenvolvimentismo X Sustentabilidade foi o que levou a Ministra Marina Silva a se afastar do Governo Lula, em 2008, mas “só na aparência lembra o conflito atual surgido com o parecer unânime do Ibama negando o licenciamento para perfuração de um poço exploratório na foz do rio Amazonas. No entanto, a questão de fundo é a mesma” – escreveu o sociólogo e político Liszt Vieira, que explica:

– É importante esclarecer que a visão de sustentabilidade não se resume à questão ambiental, pois envolve necessariamente a dimensão social, econômica, cultural e política. No plano social, é fundamental proteger as comunidades potencialmente ameaçadas com a exploração de petróleo na região da foz do Amazonas. E no plano econômico é bom lembrar que a tendência global é a economia de baixo carbono que levará à redução dos preços do petróleo.

O parecer do Ibama provocou reações generalizadas, até mesmo do senador Randolfe Rodrigues, líder do governo, que se juntou à gritaria da oposição. Ele reclamou que o governo e a bancada parlamentar do estado não foram ouvidos sobre a questão.

– Nunca vi. Perguntar para parlamentar se o Ibama tem que dar ou não licença? Não é uma decisão política, é técnica. A Licença não pode ser no grito, disse em entrevista a ex-presidente do Ibama (2016-2019), Suely Araújo, que vetou em 2018 outro pedido de licenciamento de atividades de perfuração na região feito pela empresa Total. Se o Governo desautorizar o Ibama, será um enorme retrocesso. O furdunço está armado.

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