Cuidados paliativos, nova fronteira do direito à saúde

Abordagem atende quadros irreversíveis, mas também pessoas com a qualidade de vida comprometida por uma doença. E pode representar um acréscimo importante na Atenção Básica do SUS, permitindo que cuidado seja feito fora dos hospitais

por Gabriel Brito, em Outra Saúde

Entre as fases municipais e estaduais da 17a Conferência Nacional de Saúde, marcada para acontecer em Brasília entre 2 e 5 julho, uma nova modalidade do ativismo do direito à saúde tem se destacado: a dos cuidados paliativos. Organizados na Frente Paliativista, milhares de profissionais de saúde lutam pela absorção e reconhecimento desta especialidade pelo Sistema Único de Saúde.

“Cuidados paliativos são estratégias de melhora da qualidade de vida de pessoas que têm doenças que ameaçam tal qualidade, desde o diagnóstico”, explica Julieta Carriconde Fripp, médica e importante liderança da área. “Devem ser ofertados a todos, nos aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais, se estendem a seus familiares e à fase de luto. Deve-se cuidar da pessoa adoecida e de seus familiares, todo seu entorno e integralidade na situação de adoecimento”, resume.

Julieta foi a convidada da edição desta semana do PULSO, programa de entrevistas em vídeo do Outra Saúde. Ela é professora de cuidados paliativos na Universidade de Pelotas, onde se produzem experiências para além do que se convenciona. Na entrevista, ela explica os conceitos de tais cuidados, geralmente associados a pessoas já em severas condições de adoecimento e próximas do fim da vida. Mas vai muito além disso.

Se a Constituição Brasileira versa sobre o direito à saúde desde o nascimento e por toda a vida, os cuidados paliativos acrescentariam o direito a uma finitude digna a este pacote. Nos dizeres de Cicely Saunders, enfermeira e assistente social inglesa considerada a fundadora do conceito e citada na entrevista, “não importa o tempo de vida, e sim a qualidade dos dias de vida”.

Na visão de Julieta, é urgente o SUS absorver tal especialidade em sua estrutura, algo que parece estar no radar do atual ministério, que acabou de apresentar uma nova versão das Equipes de Saúde da Família, com investimentos de R$ 700 milhões em 2023 e ampliação do leque de profissionais – são as agora chamadas “e-multis”, novo nome dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família.

“Só 7% das pessoas necessitadas acessam cuidados paliativos, quase sempre em grandes cidades. Queremos vê-la nos estabelecimentos de saúde e o reconhecimento profissional desta especialidade, ainda sem código próprio, o que se reflete em forma de contrato de trabalho”.

E o Brasil tem um aspecto que indica como a discussão é estratégica: a mudança do perfil demográfico de sua população. Caminhamos a passos largos para nos tornarmos um país mais idoso. Segundo o IBGE, há cerca de 32,9 milhões de idosos no país – e este número deve dobrar na metade do século.

“Cerca de 75% por cento das pessoas morrem por doenças crônicas. Não falo de doenças graves, mas de qualquer doença que ameace a vida, de maior ou menor duração. A expectativa de vida aumentou e a consequência é uma transição epidemiológica. Antigamente, as pessoas morriam muito por infecção. Hoje, morrem por doenças crônicas, cardiovasculares, oncológicas, respiratórias. No Brasil essa transição está sendo rápida. A quantidade de pessoas acima de 60 anos que convivem com doenças crônicas aumenta muito”, falou Julieta.

Segundo ela, o rápido crescimento do movimento paliativista se refletiu na criação da Frente Paliativista, no início de 2023: “os paliativistas já vinham se movimentando pela pauta, no sentido de sensibilizar a sociedade, os próprios gestores de saúde e o parlamento sobre sua importância”.

Julieta conta que a recepção da Frente foi um sucesso logo de início: “A partir deste roteiro, começou o que chamamos de uma avalanche, pois rapidamente mais de mil pessoas se engajaram e se organizaram. Com muita mobilização, conseguimos levar nossas propostas para a Conferência Nacional de Saúde. A nossa conferência livre também foi um sucesso total, com mais de 6 mil inscritos”, contou.

Por fim, a médica e paliativista destaca vantagens econômicas dessa transformação. Ao contrário do que se pode pensar, os cuidados paliativos qualificam o serviço de saúde e desoneram o Estado. “Grande fatia dos recursos do SUS vai para hospitais, onde está a média e alta complexidade, serviços mais caros”, explica Julieta. “Muita gente está hospitalizada e submetida a medidas que não vão solucionar seus problemas, ao mesmo tempo em que geram sofrimento. Aumenta-se o tempo de internação, gastos com equipes, insumos, exames”, argumenta.

E o caminho já está pavimentado, no SUS: “Uma organização de cuidados paliativos, que foque na política de atenção domiciliar (implementada em 2011 no Programa Melhor em Casa, que tem cerca de 2 mil equipes pelo Brasil), é um elo com a atenção primária e pode baixar custos. Uma distribuição de cuidados paliativos pode dividir 60% do público em unidades básicas, 20% nos locais de média complexidade e 20% na alta complexidade. Assim, teremos mais eficácia e resolução do que importa, no caso, o alívio do sofrimento. E faremos isso com redução de gastos”, sintetizou.

Julieta Fripp

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