O Juiz. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

Até hoje não se acostumou com a gravata. É elegante, dizem. E é preciso ser elegante para ser juiz, dizem as mesmas línguas defensoras da forca de seda adornando os pescoços da gente do Direito. Ouviu dizer que a gravata era invenção francesa e que não tinha nada a ver com elegância. Era só para fechar a gola da camisa e impedir que o vento frio do inverno francês incomodasse. Aqui é quente. Um inferno de quente. E a gravata só é chique porque imitar francês era chique. Ser chique, é ser europeu fajuto.

Até aqui, viveu como advogado. Em poucos dias será juiz. Ministro, como dizem. Porque ser chamado de Ministro é parte da chiqueza obrigatória do juiz mais importante que os demais juízes. E Ministro com letra maiúscula. O título maiúsculo é a gravata falada e escrita que deixa elegante mesmo o mais desarmônico dos seres.

Mas antes, vem a sabatina. Já sabe o que vão lhe perguntar. O cargo exige notório saber jurídico. Mas é notório que nenhum senador fará perguntas que o permitam demonstrar profundo saber jurídico. São políticos. Tudo lá é raso, porque é da natureza do lugar a superficialidade das ideias. Alguns entendem de Direito. Mas o palco que ocupam no teatro da vida não é o do Direito, mas o da política. E para alguns, da política mais baixa e vil. Buscarão o constrangimento e a exibição de suas próprias qualidades ou, na falta destas, de bizarrices que as substituam. Terá que demonstrar notória paciência. E a elegância hipócrita de chamar de excelência a todos os engravatados de lá.

Ah, os tratamentos, as formalidades! Às vezes tão bizarras quanto o terno e a gravata. No verão, colocar um casaco e ainda por cima amarrar a gola da camisa para reter calor é coisa de maluco ou de doutor elegante. A elegância e suas formalidades transformam todas as loucuras, sandices e bizarrices em respeitável espetáculo de tosca nobreza.

Mas, para além desta casca de tecidos caros, títulos de nobreza republicana e formalidades, que espaço há para a verdadeira nobreza? Aquela de espírito. A nobreza que não é formalidade, mas conquista de um espírito virtuoso. A nobreza de ter convicções e de dar mais atenção aos valores morais do que às formalidades triviais. Que espaço há para a verdadeira elegância? Não aquela da roupa chique, mas a das atitudes elegantes porque nobres, nobres porque virtuosas, virtuosas porque justas…

Sim, a justiça. Moça que poderia saciar o desejo de muitos, mas que atende a uns poucos, ciumentos apegados a seus privilégios, que insistem em tê-la só para si. Na elegância grotesca da sabatina, será que conseguirá demonstrar a elegância do espírito que é justo porque se mostra temperado nos seus desejos, corajoso nas suas ações e sábio nos seus pensamentos? Será que há em seu espírito tal elegância? Coragem? Com certeza. Sabedoria? Difícil dizer. Temperança? Parece que sim.

Mas ainda que tenha todas as virtudes, permanecerá com elas? Ou, convertido em Ministro, perderá o incômodo e sucumbirá, como tantos outros, à elegância rasteira das gravatas? Enfim, será justo ou apenas Excelentíssimo Senhor Ministro?

Ilustração: Mihai Cauli

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