Dez anos de protestos: qual o perfil dos manifestantes que vão às ruas no Brasil?

Levantamento da Agência Pública revela semelhanças e diferenças do público nos protestos que marcaram o país desde 2013

Por Bianca Muniz, em Agência Pública

Um homem branco, com Ensino Superior completo e renda familiar de cinco a dez salários mínimos. Um homem negro, com Ensino Fundamental completo e renda familiar de até dois salários. Os dois perfis representam as características dominantes das pessoas que participaram de dois grandes momentos de protestos de rua no Brasil na última década.

A primeira descrição representa o público mais comum de atos que defendiam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), nos anos de 2015 e 2016, que ocorreram na avenida Paulista, na cidade de São Paulo. O segundo perfil, de um homem negro, foi a figura preponderante em uma das manifestações contrárias ao impeachment em 2015, no largo da Batata, também em São Paulo.

A partir de informações de 23 pesquisas de campo realizadas pelo Ibope, DataFolha e Monitor Digital, a Agência Pública traçou os perfis dos manifestantes que estiveram presentes em diferentes protestos de rua entre 2013 e 2022. O período abrange atos contra o aumento das tarifas no transporte público das “Jornadas de Junho” de 2013; manifestações em apoio aos estudantes secundaristas de São Paulo em 2015; passeatas favoráveis e também as contrárias ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) nos anos de 2015 e 2016, em São Paulo;  contra a reforma da Previdência, em 2017; e diversos atos a favor ou contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de 2018 a 2022, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Homens brancos, cristãos e com renda alta foram o principal público dos atos pró-impeachment da ex-presidente Dilma e das mobilizações em defesa do ex-presidente Bolsonaro. Segundo os dados, essas manifestações tiveram uma maior quantidade de participantes que se identificaram como católicos e evangélicos.

Já nos atos contrários ao impeachment de Dilma e contra Bolsonaro, organizados por campos à esquerda, registraram comparativamente maior participação feminina e de pessoas autodeclaradas sem religião (49%).

Segundo Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC-RJ, a atuação de Bolsonaro explica em parte essa consolidação do público religioso nas manifestações de espectro de direita. “As manifestações de junho de 2013 têm um elemento mais difuso de insatisfação. Havia uma insatisfação em relação ao governo federal, mas também contra governos estaduais e prefeitos. A predominância religiosa nas manifestações de rua, sobretudo católica e evangélica, se deu muito mais a partir do fenômeno Bolsonaro, que estava sempre se direcionando para esse público”, explica.

De acordo com a pesquisadora Esther Solano, cientista social e professora de Relações Internacionais na Unifesp, os movimentos que surgem com junho de 2013 se mostravam mais heterogêneos, sem um consenso no seu repertório ideológico. “Nós temos desde os mais novos movimentos sociais, como o MPL  [Movimento Passe Livre], mais horizontais, mais contemporâneos, até a esquerda tradicional, os movimentos que orbitam ao redor do petismo. Mas também aparece uma direita mais emergente, já presente nas pautas da luta contra a corrupção, de estética nacionalista, de verde e amarelo, da lógica da família”, pontua.

Movimento secundarista

As manifestações do movimento secundarista, em 2015, foram uma resposta às decisões do governo de São Paulo em reorganizar os ciclos de ensino no estado. A proposta mobilizou a chamada pelos estudantes de “primavera secundarista”, que gerou ocupações em escolas e manifestações nas ruas em apoio ao movimento estudantil.

No ano seguinte, as manifestações foram retomadas em vários estados em protesto à Medida Provisória 746, que implementava o Novo Ensino Médio, e à PEC 241, que instituia um teto de gastos públicos, com cortes na educação.

Segundo as pesquisas, o perfil dominante da manifestação em apoio aos secundaristas na cidade de São Paulo, em maio de 2015, foi de jovens, de 14 a 20 anos, com renda familiar de até dois salários mínimos. Entre todas as manifestações ocorridas desde 2013 que foram analisadas, essa tem a maior participação de indígenas (2,7%). Ela é também uma das com a maior proporção de participantes mulheres que homens (52%).

Os dados mostram que mais da metade dos participantes dos atos dos secundaristas, em 2015, diziam confiar muito em movimentos com pautas tradicionalmente identificadas com a esquerda: o Movimento Passe Livre (MPL), 91%, os Sem Terra (MST), 63%, e os Trabalhadores Sem-Teto (MTST), 58,5%. Em relação aos partidos, os manifestantes não confiavam no PMDB (93%), PSDB (96%) e na REDE (61,8%) e confiam pouco no PT (45%) e PSOL (49%).

Mais idade, maior renda: o perfil nos atos a partir de 2015

Foi também no ano de 2015 que tiveram início os protestos que pediam o impeachment da ex-presidente Dilma. Segundo os dados, as manifestações favoráveis à sua saída tinham, em sua maioria, pessoas com renda familiar superior a cinco salários mínimos. Nos atos realizados em São Paulo, na avenida Paulista, os participantes eram predominantemente da Zona Sul da cidade.

Já as manifestações contrárias ao impeachment, que também ocorreram a partir de 2015, tiveram maior porcentagem de participantes de outras cidades paulistas (média de 33%). A renda, contudo, foi semelhante à das manifestações que entoavam “Fora, Dilma”: acima de cinco salários.

Para o pesquisador Pablo Ortellado, Coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação (GPoPAI), o monitoramento do perfil dos manifestantes favoráveis ou contrários ao impeachment de Dilma foi importante para concluir que os grupos “eram mais semelhantes do que diferentes”, em termos sociodemográficos. Em ambos os grupos, as amostras entrevistadas possuem mais participantes com Ensino Superior completo ou iniciado, renda familiar entre 5 a 10 salários mínimos e pessoas brancas. O grupo de Ortellado realizou pesquisas em dez atos contra ou favoráveis ao impeachment no ano de 2015.

A exceção entre essas manifestações foi o ato contra o impeachment realizado em 20 de agosto de 2015, no Largo do Batata. O protesto foi o único da amostra em que a maior parcela dos participantes era autodeclarada negra (preta ou parda) — um dos perfis que abrem a reportagem. De modo geral, houve uma média maior de manifestantes autodeclarados negros em manifestações contra o impeachment e contra Bolsonaro, em comparação com atos pró-impeachment e favoráveis ao ex-presidente.

Os perfis de manifestantes de atos que levaram milhares de pessoas às ruas durante a pandemia,  como o Vidas Negras Importam (Black Lives Matters) e o ato organizado por movimentos feministas contra Bolsonaro #EleNão, não fizeram parte da amostra analisada. Para o cientista político Ricardo Ismael, esses atos são  pontos fundamentais na história desta década de manifestações nas ruas brasileiras. “Movimentos sociais negros, feministas, indígenas, MST, a sociedade civil organizada de modo geral mostraram capacidade de mobilização na pandemia, quando os atos de rua foram suspensos. Então, esses atos  foram um contraponto fundamental às manifestações bolsonaristas.”

Pública questionou o DataFolha se havia realizado pesquisas demográficas sobre o público dessas manifestações. O instituto respondeu que “Todas as pesquisas realizadas pelo Datafolha em manifestações , incluindo bases e relatórios, estão disponíveis no site do CESOP/UNICAMP”.

Manifestação do movimento secundarista em 2015 contra os cortes na educação e a reorganização escolar (Rovena Rosa/Agencia Brasil)

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